*ESPECIAL: PANE NA AWS ESCANCARA DEPENDÊNCIA DA ECONOMIA GLOBAL NOS SERVIÇOS EM NUVEM*
Por Circe Bonatelli e Aramis Merki II
São Paulo, 20/10/2025 - A pane no serviço de nuvem da Amazon, a AWS (Amazon Web Services), causou problemas em diversas empresas ao redor do mundo nesta segunda-feira, 20, e escancarou o tamanho da dependência que a economia global tem em relação a esse tipo de atividade.
"Há alguns provedores muito grandes que dominam o mercado de nuvem. E todo mundo está sujeito a incidentes", afirmou Henrique Cecci, diretor sênior de pesquisa da consultoria Gartner. A AWS é a maior empresa de armazenamento e processamento de dados na nuvem no mundo, concentrando em torno de 35% de participação de mercado. Na sequência estão Microsoft (25%), Google (10%), Alibaba (7,5%) e Huawei (4%), de acordo com estimativas da Gartner.
O representante da consultoria observou que cerca de 35% de todos os serviços digitais realizados ao redor do mundo - de internet banking a streaming de vídeo, de sistemas de vendas a folhas de pagamento, entre outros - dependem de armazenamento e processamento de dados na nuvem que ocorrem em servidores de terceiros, como a AWS.
O problema da ASW teve raiz no US-East-1, um centro de data centers localizado na Virgínia do Norte, nos Estados Unidos. O complexo é um dos mais importantes do mundo e responde por cerca de um terço da capacidade operacional da AWS. A causa da falha ainda não foi esclarecida. Informações preliminares apontam para os servidores DNS, que, essencialmente, traduzem os dados da internet para endereços de IP.
"Incidentes globais como esse são um lembrete claro de como nosso mundo se tornou dependente de softwares e sistemas digitais que funcionem conforme o esperado", declarou Rob van Lubek, vice-presidente da Dynatrace, empresa de monitoramento de infraestrutura e serviços digitais. "Os ambientes de TI atuais são muito mais complexos e interconectados do que muitos imaginam, portanto, quando ocorre uma interrupção, os efeitos em cadeia podem se espalhar rapidamente por todos os setores e afetar o dia a dia das pessoas."
Quando uma dessas grandes provedoras sofre com panes, os principais afetados são as empresas de países onde as economias são mais desenvolvidas e digitalizadas. Entram aí gigantes como Estados Unidos e China, até emergentes como Brasil, Índia e África do Sul, além de países maduros, como França e Inglaterra.
A plataforma DownDetector, que contabiliza falhas em sites e aplicativos, acumulou 11 milhões de registros, sendo 3 milhões nos Estados Unidos. Globalmente, foram mais de 2,5 mil empresas com alta nas reclamações de instabilidade até o início da tarde. No Brasil, houve falhas e lentidão nas operações do PicPay, do Mercado Pago e do Mercado Livre, entre outros.
A AWS reconheceu o problema pela primeira vez às 03h11 (de Brasília) em seu blog de atualizações de serviço. No comunicado mais recente, às 17h03 (de Brasília), a informação era que a recuperação em todos os serviços "continua a evoluir". A página indica que 101 serviços da empresa foram afetados pela pane.
Riscos e soluções
Para o consultor Bruno Diniz, da Spiralem, o armazenamento de dados na indústria financeira é um tema crítico, que precisa estar contemplado em planos de recuperação de desastres. Na visão do especialista, os principais agentes do mercado no Brasil já abordam a questão com a devida importância. Estratégias para resiliência da infraestrutura tecnológica, como o uso de múltiplos serviços de nuvem, são importantes, aponta Diniz.
O presidente da Associação Brasileira de Fintechs, Diego Perez, afirmou que a blindagem para empresas mitigarem riscos em relação aos servidores está na forma de redundância. Ou seja, ter mais de um fornecedor de armazenamento em nuvem. O problema, sobretudo para startups e empresas de menor porte, é que esta estratégia acarreta em mais custos. Outra dificuldade é que são poucas empresas neste ramo, as conhecidas big techs. Perez aponta que existem prestadores de serviços alternativos, mas que não têm estrutura suficiente para dar suporte eficiente.
Para Cecci, da Gartner, a tendência é que aumente a cobrança por regulamentação do setor, que hoje é inexistente. Isso, porém, esbarra na resistência das big techs e, principalmente, do governo norte-americano, favoráveis a um mercado desregulamentado. "Sou cético de que a regulamentação seja capaz de evoluir muito", disse. Outra tendência, em sua visão, é que muitas empresas devem pensar em contratar diferentes fornecedores, para garantir a redundância dos sistemas. "Não é rápido, nem barato, mas pode ser uma solução."
Em um comunicado, a organização de direitos humanos Artigo 19 apontou que o incidente de hoje é sinal de como a concentração no setor de tecnologia pode trazer impactos negativos para a economia. "Precisamos urgentemente de diversificação na computação em nuvem. A infraestrutura que sustenta o discurso democrático, o jornalismo independente e as comunicações seguras não pode depender de um punhado de empresas", diz o texto assinado por Corinne Cath-Speth, responsável pela área de tecnologia na instituição.
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