Como NÃO combater o narcotráfico (ou uma pequena lição anti-Trump), por um colega diplomático, Ney do Prado Dieguez:
“GUERRA PERDIDA
Antes de chegar a Georgetown, a fim de assumir a chefia da missão diplomática brasileira, viajei, de acordo com instruções do Ministério das Relações Exteriores, a Boa vista, Belém e Manaus, ou seja, capitais dos estados, dois dos quais mantêm fronteiras com a Guiana, que estariam interessados em estreitar relações comerciais com o vizinho do norte. A fim de poder facilitar-lhes a empreitada, visitei, em busca de sugestões e orientações, os respectivos governadores e, no intuito de entender um dos maiores problemas da região, contatei autoridades responsáveis pelo combate ao narcotráfico, bem como acadêmicos que pesquisavam o assunto.
Tendo em vista a errática campanha Trump contra o narcotráfico, tive a curiosidade de reler as anotações que fiz durante os encontros que mantive, sobretudo, com especialistas na área, e deparei-me com algumas conclusões que, creio, vale a pena compartilhar:
• para a maioria dos entrevistados, o combate ao narcotráfico era uma guerra perdida que consumia tempo e recursos que poderiam ser empregados em atividades essenciais à prevenção e efetiva redução do uso de drogas, ou seja, educação e saúde;
• apoiavam, assim, a descriminalização das drogas, mas admitiam que o estado brasileiro não contava com recursos humanos e financeiros para implementar a legalização do uso de narcóticos; ponderavam, no entanto, que a descriminalização poderia iniciar-se pelo sul e sudeste, onde estados, que contavam com mais recursos, seriam capazes de organizar o acesso legal às drogas e evitar, através de uma fiscalização eficiente, a invasão de usuários de outras regiões; a respeito, um dos interlocutores chegou a declarar, o que me pareceu um exagero, que “quem está contra a descriminalização das drogas está envolvido com o narcotráfico e os demais são inocentes úteis”;
• os principais obstáculos que o combate ao narcotráfico enfrentava eram os incalculáveis valores que a atividade movimentava e sua alta lucratividade, o que a tornava extremamente atrativa; mencionavam, ainda, a infiltração de traficantes na política e em instituições governamentais, inclusive nas forças policiais (a respeito, vale lembrar as palavras do delegado e ex-deputado federal Vicente Chelotti: “Quem se envolve com o narcotráfico cria um patrimônio bem sólido, daí não tem mais nada o que fazer na vida e resolve ser político”); apontavam, finalmente, o sofisticado esquema de produção, transporte e distribuição das drogas operado por poderosos cartéis;
• uma vez que o narcotráfico, como qualquer empresa sujeita às normas de marketing, regia-se pela lei da oferta e da procura, o combate deveria começar pelo usuário e não pelo produtor ou traficante, a fim de estrangular a atividade na raiz, ou seja, eliminando o fluxo de capital que a mantém; o combate à lavagem de dinheiro, o confisco de bens adquiridos ilegalmente pelo tráfico e o uso de inteligência para rastrear o caminho do dinheiro seriam corolários deste princípio.
Estas anotações foram feitas há mais de 20 anos e lamento reconhecer que nada mudou, desde então, no que diz respeito à repressão ao narcotráfico, cujas ações foram incapazes de evitar ou sequer controlar o crescimento da produção e do comércio de drogas, explorados, agora, por verdadeiras multinacionais. Merece especial destaque o que ocorre no Brasil, onde a atividade expandiu-se aos principais centros urbanos, fomentando organizações criminosas que, como estados paralelos, dominam territórios violentamente disputados, em detrimento da população. Entrementes, o governo continua a verter recursos nesta guerra perdida.
Vale mencionar, ainda, que o presidente norte-americano acaba de ativar o nefasto triângulo – mais ameaçador do que o das Bermudas – cujos vértices são política, ideologia e narcotráfico. É o que ocorre na Venezuela, com sinais trocados. Com efeito, sob o pretexto de interromper o fluxo de drogas da América do Sul para os Estados Unidos, forças militares norte-americanas vêm ceifando vidas, ao afundar barcos de pequeno porte, supostamente venezuelanos ou colombianos, sem apresentar provas que justifiquem tais atos unilaterais de agressão. O aparato militar deslocado para o Caribe, a autorização de Trump para que Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana, famosa por seus recorrentes atropelos no continente, atue na Venezuela e sua recente ameaça de empreender incursões indicam, contudo, que o verdadeiro objetivo de Trump seria iniciar campanha político-ideológica de caráter intervencionista, a ser inaugurada pela bem-vinda deposição do regime chavista, o que, no entanto, pode configurar perigoso precedente.”
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