Sergio Lamucci

 Mais inflação, mais juros e menos crescimento / Uma fonte de alívio mais expressivo para o câmbio terá de vir do cenário doméstico - basicamente de medidas de controle de gastos- Valor 11/11


Sergio Lamucci


O Brasil caminha nos próximos meses para uma combinação de inflação e de juros bem mais elevados do que os economistas projetavam há algumas semanas. Os preços de alimentação no domicílio têm subido com mais força, dado os efeitos dos problemas climáticos e, em menor medida, do dólar caro - fator que começa a pressionar também os bens industriais. Já os serviços mais sensíveis à demanda ganham terreno com o aquecimento do mercado de trabalho.


Nesse quadro, as estimativas para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) saltam para o intervalo de 4,5% a 5% neste ano e acima de 4% no ano que vem, números próximos ou superiores ao teto da banda de tolerância da meta, de 4,5%. Para a Selic, que aumentou de 10,75% para 11,25% ao ano na semana passada, há quem projete uma taxa superior a 13% no fim do ciclo de aperto monetário. O resultado tende a ser uma desaceleração mais forte da atividade em 2025, após três anos de crescimento na casa de 3%.


A demora e a hesitação do governo em apresentar medidas para conter a expansão das despesas obrigatórias cobram o seu preço, num momento em que o cenário externo se torna mais complicado para países emergentes. A vitória de Donald Trump nos EUA deve se traduzir numa política comercial e numa política fiscal com impacto inflacionário, o que vai resultar num dólar mais forte e em juros americanos mais elevados, fatores desfavoráveis para economias como a brasileira. Além disso, a China também enfrenta dificuldades para sustentar o crescimento, uma má notícia para exportadores de commodities. Uma das consequências das incertezas fiscais e de um ambiente internacional adverso é o dólar acima de R$ 5,70.


O quadro inflacionário piorou, ainda que não seja explosivo. Em outubro, o IPCA subiu 0,56%, levando a variação em 12 meses a 4,76%, com alta forte de alimentação no domicílio e energia elétrica, além da aceleração dos preços de serviços mais sensíveis à demanda. O aumento da comida em casa tem chamado a atenção - no mês passado, chegou a 1,22%. Depois de cair 0,5% em 2023, o grupo voltou a acelerar e já acumula alta de 7,28% em 12 meses, devendo subir 8,2% neste ano, nas projeções do economista Fabio Romão, da LCA Consultores.


Aumento forte das cotações de alimentos costuma ser dor de cabeça para o governo, por afetar a popularidade do presidente entre os mais pobres, que gastam uma fatia maior da renda com esses produtos. A variação ainda não chega aos mais de dois dígitos do período de fevereiro de 2022 a fevereiro de 2023, mas o nível de preços da comida em domicílio já estava elevado, mesmo com o recuo de 0,5% no ano passado, como destaca Romão. “Houve três anos de altas muito importantes da inflação de alimentação no domicílio, e 2023 não devolveu essas altas. Parou de piorar, mas num nível muito elevado”, diz ele, observando que neste ano as cotações desses produtos voltaram a subir, especialmente no segundo semestre. De janeiro de 2018 a outubro deste ano, alimentação em casa aumentou 70,6%, bem mais que os 43,1% do IPCA “cheio” no período.


Os preços das carnes têm avançado com força, efeito da estiagem e dos incêndios nas áreas produtoras, pressões adicionadas a um cenário já marcado por redução do número de abates e aumento das exportações. O dólar, por enquanto, é um fator secundário nesse processo, avalia Romão. Em outubro, o avanço das carnes foi de 5,81%; em 12 meses, é de 8,33%.


O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, nota que, em outubro, o valor da cesta básica em relação ao mesmo mês de 2023 superou a variação do salário mínimo nessa base de comparação. Enquanto a cesta de itens básicos calculada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aumentou 9% no período, o salário mínimo subiu 7,2%. Isso já tinha ocorrido em setembro e se acentuou em outubro, diz Montero. “Os próximos meses acelerarão esse descompasso”, escreve ele, acrescentando que o câmbio não é a única causa desse aumento e a alta da comida não é a única consequência do dólar mais caro. “Mas o dólar começa a machucar onde mais dói”, resume ele.


O câmbio desvalorizado se faz sentir também nos preços de bens industriais. Até o momento, a inflação desses produtos não é das mais fortes, mas a pressão já começa a aparecer nesse grupo. Em 2023, subiram apenas 1,1%; neste ano, podem avançar 2,4%, estima Romão.


O dólar avançou 1,09% na sexta-feira, fechando a R$ 5,7372. No ano, a alta é de 18,2%. Além do impacto do cenário externo mais adverso, por causa da vitória de Trump, a moeda voltou a subir devido à frustração com a demora do governo em anunciar medidas para conter gastos. Um pacote tímido, que não enfrente o crescimento das despesas obrigatórias, tende a manter o dólar nas alturas. Num cenário em que há pressões sobre a inflação derivadas dos problemas climáticos e do mercado de trabalho, uma consolidação do dólar na casa de R$ 5,70 pode fazer mais estragos.


O quadro externo deverá ser estruturalmente pior para países como o Brasil nos próximos anos. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) terá, tudo indica, menos espaço para reduzir os juros num governo Trump, dadas as políticas inflacionárias que tendem a ser adotadas pelo presidente eleito. Uma fonte de alívio mais expressivo para o câmbio terá de vir do cenário doméstico - basicamente de medidas de controle de gastos, que reduzam as incertezas sobre as contas públicas. O comportamento recente do câmbio é um alerta claro de que o anúncio de iniciativas fiscais pouco ambiciosas nesta semana terá um impacto negativo sobre o real. Num cenário como esse, os juros terão provavelmente que subir muito, para conter uma inflação que se distancia da meta de 3%, superando o teto da banda de tolerância, de 4,5%. Com uma Selic acima de 13%, a economia sofrerá mais, sendo grande o risco de interrupção do processo de retomada do investimento.


Sergio Lamucci é editor-executivo e escreve quinzenalmente


 


Inflação volta no atacarejo e juro alto atrasa planos / Escalada de preços sentida nas lojas entre 2022 e parte de 2023 afeta até hoje o nível de confiança do consumidor no país, mesmo com a melhora de renda e emprego- Valor 11/11


Adriana Mattos


A inflação alimentar voltou ao atacarejo, o canal de venda que mais cresce no país e que ajudou a proteger o poder de compra da população de menor renda nos últimos anos, com seus preços abaixo dos supermercados. A escalada de preços sentida nas lojas entre 2022 e parte de 2023 afeta até hoje o nível de confiança do consumidor no país, mesmo com a melhora de renda e emprego neste ano.


Esse movimento de alta, que reduz o volume vendido, somado com a necessidade das companhias de controlar o endividamento e o retorno da alta na taxa de juros (Selic), está adiando os planos de maiores investimentos no país.


O Carrefour, a maior empresa varejista do Brasil, e dono do Atacadão, já fala em inflação alimentar numa faixa de 6% a 7% no ano.


Os grupos Assaí e Carrefour sentiram o aumento mais acelerado de preços em setembro e outubro, e também verificaram alta da inflação em seus próprios custos, e não apenas na venda aos clientes. A expectativa é que essa pressão se estenda pelo resto do ano.


Além disso, o GPA, controlador da rede Pão de Açúcar, disse que houve “um forte aumento de preços” não só em categorias de frutas, verduras e legumes, naturalmente afetadas pela piora das condições climáticas, mas também em mercearia básica (que inclui itens como macarrão, feijão e arroz).


Somados, GPA, Assaí e Carrefour têm pouco mais de 1,5 mil lojas no Brasil e somam 30% do mercado de varejo alimentar, calculou o Valor. As informações sobre as empresas foram dadas em teleconferência nos últimos dias.


O CEO do Carrefour, Stéphane Maquaire, acredita numa inflação alimentar um pouco superior à inflação geral do país, como já chegou a ocorrer no passado, mas disse que a empresa buscou segurar repasses, para ganhar em volume.


“Sobre a inflação alimentar, é verdade que em setembro entramos em um novo cenário. Tivemos uma alta em maio e junho, impulsionada pela tragédia no Sul, seguida por uma deflação em julho e agosto. E novamente em setembro e outubro, observamos uma retomada da inflação alimentar, com analistas prevendo que possa continuar até o fim do ano”, disse o CEO, no início do mês.


Os indícios de um novo repique inflacionário estão no centro das preocupações do Banco Central, e explicam o movimento de alta nos juros, que, se por um lado funciona como ferramenta para esfriar a economia, por outro pesa no custo das dívidas de empresas, com empréstimos atrelados a juros.


Na semana passada, o IBGE informou que o IPCA alcançou 0,56% em outubro. Em 12 meses, foi a 4,76%. Com isso, superou o teto da meta perseguida pelo BC, de 3% para 2024, com margem de tolerância de 1,5 ponto. Na quarta-feira (6), o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC elevou os juros de 10,75% para 11,25% ao ano.


Até agosto, havia deflação nas lojas de varejo e atacarejo alimentar no sequencial de mês a mês. Só que, com a virada na curva, até existe uma melhora na receita nominal, porque a inflação eleva faturamento, mas tende a ocorrer um recuo em volume vendido.


Isso tem efeito positivo para a rede, porque a inflação de custos das empresas (inclui energia, insumos), mesmo pressionada, tende a ficar abaixo da inflação alimentar neste ano. É algo que ajuda na conta das despesas. Mas também pode ser negativo considerando, principalmente, o negócio de atacado, voltado a ganhos de escala, que são afetados quando a inflação sobe.


O presidente do Assaí, Belmiro Gomes, também mencionou, na sexta-feira (8), a volta da inflação após agosto. Mas disse que isso ainda não havia levado o comprador pessoa jurídica (bares, hotéis, restaurantes) a se estocar mais, para se proteger de uma escalada de preços, como em 2022. “Teremos um movimento inflacionário superior no quarto trimestre”, disse.


Gomes afirmou ainda que o Assaí não seguirá o caminho adotado pelo Atacadão em abril, quando a rede do Carrefour começou a vender produtos parcelados em todos os cartões em três vezes sem juros.


Financiar a venda ao cliente foi uma forma de elevar volumes, mas há risco de aumento no consumo do capital de giro. Na conferência de resultados neste mês, o Carrefour disse que manterá a política de venda parcelada no cartão, pois tem tido resultados positivos.


Em vendas, o Atacadão cresceu 8,3% de julho a setembro, quando a inflação já voltava mais forte, e o Assaí avançou 9,3% (veja tabela acima) frente ao ano anterior.


Nesse ambiente de incertezas e custo de capital mais alto após a alta da Selic, Assaí e Atacadão mantêm postura cautelosa em termos de aumento de investimentos.


Maquaire, do Carrefour, disse que a prioridade é diminuir a alavancagem e conversões de hipermercados em Atacadão e Sam’s Club exigem menos recursos, e ainda estão no radar até 2025. Também afirmou que é “cedo demais” para falar de expansão em 2025 e 2026. “Vemos um cenário com um pouco menos de aberturas no próximo ano, sempre cuidando da nossa alavancagem”.


O Assaí já anunciou, em outubro, 10 inaugurações em 2025 (antes, falava em 20), versus 15 neste ano, além da decisão de postergar projetos - pela necessidade de gerar caixa para reduzir mais o endividamento. Isso ocorreu em 2024.


“Acabamos de anunciar revisão de plano de lojas para 2025, porque a curva de juros piorou, e agora o que temos são dez lojas em 2025, mas com redução de curva de alavancagem. Óbvio que estamos machucados, com parte do Ebitda indo para pagar juros. Podemos ter revisão de aberturas em 2026, mas para 2025, não”, disse Gomes. Ebitda mede lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação. De julho a setembro, o indicador de alavancagem financeira do Assaí (relação entre dívida e Ebitda) foi de 3,52 vezes, ante 4,4 vezes um ano atrás.


Neste ano, o recuo neste índice veio mais do Ebitda maior do que de recuo forte de dívida. Para 2025, a ideia é tentar elevar Ebitda e reduzir dívida, disse Vitor Faga, vice-presidente de finanças do Assaí.


Já houve renegociações e início de ampliação no prazo de pagamento de dívidas da cadeia, transferindo R$ 3 bilhões a vencer em 2025 e 2026 para 2028 e 2029. O Assaí teve uma queda de 16% no lucro líquido de julho a setembro, para R$ 156 milhões. O Atacadão não publica esse dado.

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