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O peso do assistencialismo contínuo

 Eduardo Anelli, no Valor de hoje…

“O custo invisível do assistencialismo contínuo"

“Toda política pública precisa ser instrumento de transformação — e não de acomodação”. 

Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia

Nas últimas duas décadas, o Brasil construiu um dos maiores sistemas de transferência de renda da América Latina. Programas como o Bolsa Família, Auxílio Gás e Vale Energia integram o orçamento de milhões de famílias. Contudo, quando esses mecanismos emergenciais se tornam permanentes, sem metas de emancipação, surge uma dependência sutil, de longo prazo. 

A dúvida é: estamos enfrentando a pobreza ou perpetuando um ciclo de estagnação?

O Bolsa Família, criado oficialmente em 2003, atendia cerca de 3,6 milhões de famílias em seu primeiro ano. Hoje, ultrapassa a  marca de 20 milhões de famílias, com um custo mensal de mais de R$ 13 bilhões. Em 2024, os gastos ultrapassaram R$ 142 bilhões —  valor comparável ao total investido na educação básica nacional.

Essa inversão revela uma escolha: estamos financiando a permanência da pobreza, em vez de investir na superação dela. O investimento na renda mínima não pode substituir o esforço estruturante na formação de capital humano, base essencial para o desenvolvimento sustentável de qualquer nação.

O paradoxo é evidente nas regiões Norte e Nordeste. Em muitos municípios, há mais famílias beneficiárias do que trabalhadores formais. No Maranhão, por exemplo, apenas 24% da população economicamente ativa está registrada com carteira assinada.

Em Marajá do Sena (MA), para cada trabalhador formal existe quase três famílias no programa.

Isso sinaliza uma realidade preocupante: a assistência passou a ocupar o lugar do emprego como motor da economia local.

A Previdência Social brasileira enfrenta um déficit superior a R$ 320 bilhões ao ano. Com 53% da população fora do regime de contribuição, a base arrecadatórias e esvazia.

Além disso, o trabalhador brasileiro tem produtividade muito baixa: produz apenas 23% do que produz um trabalhador norte-americano. Esse índice também é inferior ao de países como Chile e Coreia do Sul, que investiram massivamente em educação e capacitação técnica ao longo das últimas décadas.

O resultado é um cenário de dependência e a baixa produtividade q mina o crescimento sustentável e agrava as desigualdades.

O impacto econômico do "assistencialismo contínuo" é pro-fundo. Ele pressiona o equilíbrio fiscal, desestimula a formalização, alimenta a informalidade e reforça desigualdades regionais.

Para sustentar os programas, o governo recorre a aumento de impostos indiretos, que pesam mais sobre os pobres, além de ampliar o endividamento público. As regiões mais dependentes da assistência, como o semiárido nordestino, sofrem retração no investimento privado e menor oferta de empregos qualificados, agravando a estimativa de crescimento e desenvolvimento sustentável na região.

Outros países seguiram caminhos diferentes. O Canadá destina mais de 11% do PIB à educação e tem 89% da população adulta com ensino médio completo. A Noruega investe mais de 9% do PIB no setor, oferecendo ensino público gratuito e de qualidade. A Finlândia, com 6,9%, tem uma das melhores notas do mundo em avaliações internacionais como o Pisa. A Coreia do Sul, que nos anos 1960 era mais pobre que o Brasil, ultrapassou os US$ 40 mil de Produto Interno Bruto per capita com foco intenso em educação técnica. O Chile, desde os anos 1990, reformulou sua política social, priorizando educação de base, crédito estudantil sustentável e mecanismos de transição entre assistência e trabalho.

O Brasil, ao contrário, manteve uma política de transferência sem metas claras de transição. A ausência de mecanismos que liguem a assistência à capacitação profissional tem efeitos colaterais evidentes: a substituição do salário pelo benefício, a perda de dinamismo no mercado de trabalho e o uso político de programas sociais como ferramenta de controle eleitoral. Tudo isso en-fraquece o vínculo entre esforço individual e progresso social.

A assistência social é necessária, mas não pode ser fim em si mesma. É preciso desenhar políticas com condicionalidades reais — como presença escolar, desempenho acadêmico e qualificação profissional —, estabelecer limites de permanência, incentivar a formalização via bônus fiscal a empresas que contratem ex-beneficiários e ampliar  microcrédito voltado a regiões mais vulneráveis. Investir no mínimo 6% do PIB em educação é essencial, com foco especial em ensino técnico regional.

A Coreia do Sul é um exemplo bem-sucedido de assistência social vinculada ao aumento da riqueza nacional. Após a guerra, o país estava entre os mais pobres do mundo, mas adotou políticas sociais focadas em educação, capacitação técnica e empregabilidade. O governo investiu em qualificação profissional e bolsas educacionais, exigindo contrapartidas de desempenho e inserção no mercado.

Esse modelo elevou a produtividade e impulsionou a mobilidade social, transformando a Coreia em uma potência econômica. Em menos de 50 anos, o Produto Interno Bruto per capita ultrapassou US$ 40 mil, provando que a assistência, quando voltada à emancipação, pode ser motor de crescimento.

Já a Venezuela ilustra um fracasso. Desde os anos 2000, o país ampliou subsídios diretos — como alimentos, gasolina e bônus — sem exigir contrapartidas ou promover inclusão produtiva. Financiados pela renda do petróleo, os programas alimentaram a dependência estatal e desestimularam o trabalho. Com o colapso econômico, o país enfrentou hiperinflação, escassez e êxodo em massa. A assistência, sem base estrutural e usada politicamente, aprofundou a crisee empobreceu ainda mais a população.

O papel do Estado deve ser o de construir pontes, não muros. Países que investiram em capital humano e educação transformaram suas populações vulneráveis em motores de crescimento e inovação. O Brasil precisa aprender com esses exemplos. A justiça social genuína está na emancipação econômica do cidadão. Um país forte não é o que sustenta milhões, mas o que prepara milhões para se sustentarem com dignidade e independência.

Eduardo Bach Anelli é economista, CFO da PX Energy e diretor financeiro da Forbes Resources Brasil Holding (julho 2025)

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