Ontem, tive o desprazer de assistir ao documentário "A Face Oculta de Zelensky", produzido pelo Brasil Paralelo. Já havia visto outros episódios da série, o que me despertou curiosidade para ver até que ponto a produtora havia mergulhado nas investigações, separando fatos de desinformação russa espalhada pelas redes.
Para minha decepção (e para a esmagadora maioria dos internautas nos comentários), o documentário é uma coletânea de argumentos usados para denegrir a imagem de Zelensky, recorrendo a meias verdades e até mentiras descaradas, como veremos a seguir.
Desde o início, tenta-se traçar um paralelo com imagens da série cômica que o então ator protagonizou e a realidade, criticando sua postura outsider. Curiosamente, essa mesma característica é tratada com simpatia pelo BP quando o assunto é o bolsonarismo.
Na mesma linha, há uma crítica ao fato de Zelensky ter evitado debates durante a campanha, já que, rapidamente, despontou como favorito nas pesquisas. De fato, um ponto válido.
Até esse momento, quase metade do documentário, o tom predominante é de ironia, até mesmo ao citar a famosa frase de Zelensky: "Não me dê carona, me dê armas."
A partir daí, porém, o documentário começa a sugerir que a retórica do presidente ucraniano teria justificado a invasão de Putin. Zelensky, que se elegeu prometendo um acordo de paz, de repente vira incendiário. Segundo a narrativa do BP, ele teria sido o único responsável pela violação do Segundo Acordo de Minsk, afirmação ilustrada com imagens de tanques ucranianos avançando contra a região ocupada pelos russos. Putin, coitado, é apenas uma vítima, que não estimulou o separatismo, apenas reagiu às provocações de Zelensky!
A coisa se agrava quando o filme tenta pintar Zelensky como autoritário, citando a proibição de partidos pró-Rússia como se tivesse ocorrido antes da invasão, sugerindo que isso teria sido mais um motivo para a agressão de Putin. Na realidade, a proibição só aconteceu um mês depois da invasão e foi decidida pelo parlamento ucraniano, um erro inadimissível para uma produção que caminha para meio milhão de views.
O mesmo erro ocorre ao tratar do fechamento de veículos de imprensa pró-Rússia, algo comum em qualquer país em guerra. O documentário ainda usa a separação entre a Igreja Ortodoxa Russa e a Ucraniana como argumento contra Zelensky, ignorando o fato de que Moscou utiliza a religião como ferramenta de propaganda — basta ver as imagens do patriarca Cirilo (líder ortodoxo russo) abençoando a guerra de Putin.
Outro erro grosseiro está na questão da adesão à OTAN. O documentário tenta justificar a invasão russa alegando que Zelensky mudou de posição sobre o assunto, quando, na verdade, ocorreu o oposto. O próprio filme admite que, antes da guerra, a entrada na OTAN não era uma demanda de Zelensky. A mudança de discurso veio depois da invasão. Por que será???
Para reforçar as suspeitas sobre Zelensky, o documentário cita casos de corrupção em escalões inferiores do governo, sem qualquer envolvimento direto do presidente e sem mencionar que todos os envolvidos foram exonerados.
De crítica válida, apenas a sessão de fotos para a revista Vogue, que, de fato, foi um tiro pela culatra no esforço de Zelensky para conquistar apoio do Ocidente.
Pelo menos, o documentário não repete a mentira clássica de que Zelensky teria suspendido as eleições, algo que a própria Constituição Ucraniana proíbe em caso de guerra. No entanto, sugere que ele teria interesse na continuação do conflito para se manter no poder — ignorando o fato de que o próprio Zelensky já se mostrou disposto a renunciar como parte de uma eventual negociação.
Ah, e como não poderia faltar, tem também a insinuação de simpatia ao nazismo! Sim, eles usaram essa carta!
Enfim, um documentário lamentável, que cumpre o papel de justificar a guinada de Trump em direção ao ditador russo, abandonando os valores que tornaram os EUA grande. Aos apoiadores, cabe o lastimável papel de disseminadores do ódio contra um raro caso de político que abriu mão do conforto de uma vida nos EUA para arricar sua vida numa luta inglória contra a segunda maior potência militar do planeta.
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