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Carta de Otto Lara Resende a Fernando Sabino

Nessa carta a Fernando Sabino -- que considero extraordinária --, Otto faz alusão à "questão de Minas", que vem a ser "as reações, por vezes passionais, provocadas por um artigo que Vinicius de Moraes publicou em 'O Jornal', do Rio de Janeiro, em 5 de novembro de 1944". O título do artigo: "Carta contra os escritores mineiros (Por muito amar)". Nele, Vinicius questionava: "Por que só olhais o mundo das janelas de vossas casas ou dos vossos escritórios?". "Por que economizais e para quê: para comprar o vosso túmulo?".
Belo Horizonte, 23 de dezembro de 1944
Nesta chatíssima questão de Minas*, você me coloca como sujeito tipicamente sem caráter, que não quer perder os partidos, que quer navegar nas duas margens. Você me pergunta por que escrevi ao Tristão**. Porque achei que devia e estou certo que devia mesmo, por nada mais. Estou burro para dizer o que quero, a mão está dura, mas continuo. Eu não vejo nenhuma atitude de subserviência na carta. Você aí vê demais, porque você quer me ver como você me imagina: aquele farrapo de fraquezas e conciliações, aquela miséria bem procedida que não quer ofender... Coitado do Otto! Um sujeito de certo talento, mas perdido, sufocado, abafado, emaranhado naquela falta de caráter, incapaz de atitudes claras e corajosas, como nós! Vós, os heróis, sim, vós sois os heróis. Olhe: não concordo com o que você disse do Tristão, acho besta e com ar de menino embirrado que quer se mostrar livre das exigências paternas... Desculpe se não concordo uma vez com você, vou dar um jeitinho para nos arranjarmos, não quero ofendê-lo, perdão, mil perdões. Que coisa, meu Deus! Meus parabéns pela sua superação genial. Você que era assim, está agora assim. Muito bem! É uma conquista, um progresso = e o progresso é natural... Você agora é o homem das atitudes claríssimas, só se compreende a você, só aceita a você mesmo, você é a verdade, ide a vós os transviados: que maravilha! Belo caminho aberto à incompreensão, à intolerância, ao narcisismo de bazar chinês... Me desculpe, eu é que estou com minha falta de caráter, sujamente querendo aceitar todo mundo, compreender todo mundo, abrir a todo mundo meus braços onde todo mundo cabe. É minha mania de ser humano, de querer compreender antes de julgar... Certamente sou ótima carne para vossas ferozes guilhotinas do mundo novo que virá e que se levantará sobre o sangue dos fracos e dos conciliadores. Pode passar, com sua banda de tambores argentinos, ruflando piruetas e clarins: eu entro pra casa meio desapontado, chupando o dedo feito menino bobo, de lágrima presa e coração esmagado. Fico à espera da vossa Gestapo que vai libertar o mundo dos inúteis. Adeus.
Carta e notas In: Resende, Otto Lara. "O rio é tão longe: cartas a Fernando Sabino". Introdução e notas de Humberto Werneck -- São Paulo: Companhia das Letras, 2011, pp. 22/24.

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