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The Economist

 


Sonhos enfraquecidos

O presidente do Brasil perde influência no exterior e é impopular em casa

29 de junho de 2025

Em 22 de junho, horas depois de os Estados Unidos atingirem instalações nucleares iranianas com enormes bombas anti-bunker, o Itamaraty divulgou uma nota. Nela, o governo brasileiro “condena veementemente” o ataque americano e afirma que os bombardeios foram uma “violação da soberania do Irã e do direito internacional”. A contundência do comunicado isolou o Brasil de todas as demais democracias ocidentais, que ou apoiaram as investidas ou apenas manifestaram preocupação.

A boa vontade do Brasil com o Irã deve continuar em 6 e 7 de julho, quando os BRICS — grupo de 11 economias emergentes que inclui Brasil, China, Rússia e África do Sul — realizarem sua cúpula anual no Rio de Janeiro. Membro desde 2024, o Irã deve enviar uma delegação. O clube é atualmente presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula. Antes, a participação dava ao Brasil uma plataforma para exercer influência global; agora faz o país parecer cada vez mais hostil ao Ocidente. “Quanto mais a China transforma os BRICS em instrumento de sua política externa, e quanto mais a Rússia usa o grupo para legitimar sua guerra na Ucrânia, mais difícil será para o Brasil manter o discurso de não alinhamento”, diz Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo.

Os diplomatas brasileiros tentam contornar o problema ao pautar a cúpula por temas inofensivos: cooperação em vacinas e saúde; transição para a energia verde; e manutenção do status de nação mais favorecida como base do comércio internacional, em que os países tratam todos os membros da Organização Mundial do Comércio de forma igual. Querem evitar conversas sobre um assunto que o presidente americano, Donald Trump, detesta: o esforço dos BRICS para liquidar comércio em moedas locais em vez do dólar. Provavelmente também prefeririam que os iranianos ficassem calados. “Estamos num momento mais de contenção de danos do que de criação de novos instrumentos”, afirma um diplomata brasileiro de alto escalão.

O papel do Brasil no centro de um BRICS ampliado e dominado por regimes mais autoritários é parte de uma política externa de Lula cada vez mais incoerente. Ele não fez esforço para estreitar laços com os Estados Unidos desde que Trump tomou posse, em janeiro. Não há registro de os dois terem se encontrado pessoalmente — o Brasil é, assim, a maior economia cujo líder nunca apertou a mão do presidente americano. Em vez disso, Lula corteja a China: encontrou-se com Xi Jinping duas vezes no último ano.

Talvez a iniciativa mais sensata de Lula seja tentar aproveitar a desconfiança global em relação aos Estados Unidos como parceiro comercial. Ele se aproximou da Europa e expandiu as trocas comerciais. Em março, visitou o Japão — que importa a maior parte de sua carne dos EUA — para oferecer carne brasileira como substituta. Seus ministros têm se reunido com burocratas chineses para discutir maneiras de aumentar as importações agrícolas do Brasil, provavelmente à custa das americanas.

Mas isso vem acompanhado de gestos grandiosos que extrapolam o peso do Brasil no cenário mundial. Em maio, Lula foi o único líder de grande democracia a comparecer às comemorações em Moscou pelo fim da Segunda Guerra Mundial. Aproveitou a viagem para tentar convencer Vladimir Putin de que o Brasil deveria mediar o fim da guerra na Ucrânia. Nem Putin nem ninguém deu ouvidos.

Falta pragmatismo também mais perto de casa. Lula não conversa com o presidente argentino, Javier Milei, por divergências ideológicas. Ao assumir o terceiro mandato, em 2023, abraçou Nicolás Maduro, o autocrata da Venezuela, apesar de o país já ser uma ditadura plena (a relação só azedou depois que Maduro roubou mais uma eleição no ano passado). Tendo liderado a missão da ONU para estabilizar o Haiti após o terremoto de 2010, o Brasil agora mantém silêncio enquanto o país colapsa num inferno comandado por gangues. Lula parece incapaz ou sem vontade de unir as nações latino-americanas para enfrentar as deportações de migrantes e a guerra tarifária de Trump.

A fraqueza no palco internacional se soma ao desgaste de Lula em casa. Em seus dois primeiros mandatos (2003-2010), o Brasil surfou no boom das commodities, e Lula foi um dos líderes mais populares do mundo. Sua força doméstica lhe dava credibilidade no exterior, e muitos colegas o viam como porta-voz das economias em rápido desenvolvimento.

Agora, porém, Lula enfrenta impopularidade crescente. O país se deslocou para a direita. Muitos brasileiros associam o PT à corrupção, devido a um escândalo que o levou à prisão por mais de um ano (a condenação foi depois anulada). Lula construiu o partido com apoio de sindicatos, católicos preocupados com temas sociais e beneficiários de programas de transferência de renda. Mas hoje o Brasil é um país onde o evangelicalismo cresce, o emprego no agronegócio e na gig economy [empregos fora do regime CLT] avança rápido, e a direita também oferece benefícios sociais.

A aprovação pessoal de Lula ronda os 40%, o pior índice de seus três mandatos. Apenas 28% dos brasileiros dizem aprovar seu governo. Em 25 de junho, o Congresso o humilhou ao rejeitar um decreto que instituía novos impostos — a primeira derrubada de decreto presidencial em mais de 30 anos —, deixando menos espaço fiscal para gastar antes das eleições gerais de 2026.

Enquanto isso, o movimento MAGA de Trump está fortemente aliado à direita dura brasileira, liderada por Jair Bolsonaro, ex-presidente que se autointitula um “Trump tropical”. Bolsonaro deve ser preso em breve por supostamente tramar um golpe para permanecer no poder após perder as eleições de 2022. Ainda não indicou quem será seu sucessor; mas, se o fizer e a direita se unir em torno desse nome para 2026, a Presidência será deles para perder.

Trump critica livremente outros líderes muito mais amistosos com ele do que Lula. Ainda assim, quase não falou do Brasil desde que assumiu em janeiro. Em parte, porque o Brasil possui algo que nenhuma outra grande economia emergente tem: um déficit comercial gigantesco com os EUA, de cerca de US$ 30 bilhões por ano. Trump gosta quando outros países compram mais dos Estados Unidos do que vendem. Mas seu silêncio também pode dever-se ao fato de que o Brasil, relativamente distante e inerte geopoliticamente, simplesmente não pesa tanto em questões como a guerra na Ucrânia ou o Oriente Médio. Lula deveria parar de fingir que pesa — e concentrar-se em assuntos mais próximos de casa. ■"

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