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Roger Scruton

 A cultura importa, Roger Scruton 


Uma dos últimos livros do maior filósofo inglês do século, Sir Roger Scruton (1944-2020). E coroando o esforço de uma vida a eleger a cultura, e seu principal conteúdo simbólico de fé e sentimento, religião e arte, como determinantes históricos do destino das sociedades humanas. Não que não trate da política, da economia, da educação e dos conflitos sociais, mas sempre subordinados a égide da religião e da arte, que é a condição de eternidade da humanidade, como se referia seu antecessor como o mais completo filósofo da cultura do século XX, Chesterton, ao afirmar a eternidade do homem através de Deus.

No primeiro parágrafo de sua dissertação, Scruton já anuncia as causas da crise cultural da humanidade: as ameaças interna e externa do multiculturalismo e do islamismo às tradições judaico-cristãs do Ocidente. E afirma a fonte na “Decadência do Ocidente”, de Oswald Spengler (1880-1936), que ressalta a crise do cristianismo como cerne de nossa própria crise cultural. 

A cultura é a transmissão simbólica para além dos objetos concretos produzidos, os costumes e maneiras de produzi-los (hoje chamado de  know-how), como aspiração a eternidade, a transmissão de gêneros, ideias e símbolos, para além de artefatos e ritos de geração em geração, desde a criação do espírito humano por Deus e para além de seus personagens, como Adão, Prometeu, Manu ou Pangu, segundo as tradições judaico-cristãs, grega, hindu e chinesa. Civilizações como continentes objetivos de manifestações dos conteúdos da cultura, como ritos, arte, literatura, língua, leis, armas e instrumentos, música, dança, culinária, habitação, vestimentas etc. 

A crise da cultura ocidental, no dizer de Scruton, é a crise não apenas da fé mosaica e cristã, mas a própria crise de discernimento, ou do juízo, como apontado por Kant (1724-1804) em “A Crítica do Juízo”, e que mereceu um livro de introdução a seu pensamento pelo próprio Scruton. E aqui, um traço pessoal acrescentado pelo autor: a relação que faz da manifestação do riso, exclusivo desse animal superior dotado de razão. Se os demais animais apenas arregacam os dentes diante do estranho, o homem reage com o humor da risada que denota a própria estranheza em face do que sua lógica inerente a ele poderia esperar. 

Scruton vê de maneira especialmente original os ready-made de Marcel Duchamp (1887-1968) e a atonalidade de Arnold Schönberg (1874-1951) como fatores marcantes da quebra do juízo estético da modernidade, onde não há limites para a transgressão, ou “a cultura do repúdio” como tão bem caracteriza. Fenômeno incensado pela imaginação filosófica relativista francesa da “teoria do discurso” de Michel Foucault (1926-1984) e do “desconstrutivismo” de Jacques Derrida (1930-2004).

A fala como opinião individual da apreciação estética cede lugar para “o lugar de fala” como renúncia a autoridade coletiva de apreciação, o que compromete a própria estética como ação essencial do homem. A origem recreativa da arte como necessidade do ócio, se perde pela apreciação da obscenidade e do sentimentalismo a que se reduz o simulacro da arte contemporânea, como pop music, hip-hop, stand comedy, ready made, instalações, graffiti e demais manifestações de uma “arte” que mais transgride sistemas de significação do que propriamente significa. A Madonna clássica com o filho no colo jorra ao léu o leite dos seios enquanto possuída por trás por um sátiro transsexual. 

O belo se torna o sinistro e não mais a medida do bem e do vero. A arte, que outrora foi sagrada como afirmação do divino no homem, se reduz a entretenimento e o ócio se torna negócio. Vide que em inglês “play” é a um só tempo tocar, encenar, brincar e jogar. 

A épica narrativa bíblica da interpretação do sonho do faraó por José, que dá ensejo a criação de um povo e sua cultura, se reduz na modernidade às interpretações da psicanálise de neuroses pessoais que trocam o ser pelo parecer. Enquanto a doença do multiculturalismo justifica a troca das virtudes pelos vícios do feminismo, gaysismo, racismo inverso, identitarismo, ambientalismo, globalismo, desconstrutivismo e demais barroquismos metonímicos! 

A caça às bruxas medievais é a caça da fé e da religião cristã; a caça da verdade pelo discurso ou narrativa; a caça da justiça pelo lawfare e ativismo judicial; a caça da vida espiritual pela adição às drogas; da liberdade de expressão pelos grupos de checagem de fatos das plataformas e suas “notas da comunidade”; da representação política pela representação teatral etc. O que não impede de Roger Scruton concluir seu libelo com uma nota de esperança pela onda de conservadorismo surgida na juventude das últimas décadas, cansada da intoxicação ideológica dos progressistas. 

Vale sempre a pena voltar ao grande polímata que foi Roger Scruton, protagonista herói de meu último livro “Curupira”.


Comary, 20 de junho de 2025

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