domingo, 6 de julho de 2025

Leitura de domingo 2

 Leitura de Domingo/Fazenda: Estado tem participação de R$ 567 bilhões no Plano Safra 2025/26


Por Isadora Duarte


Brasília, 04/07/2025 - Em meio às críticas de menor aporte do governo com verba do Tesouro no Plano Safra 2025/26 e que a política de crédito concentra sobretudo recursos livres, o governo federal considera que há participação do Estado em R$ 567 bilhões do montante de R$ 594,44 bilhões ofertados em financiamentos agropecuários para pequenos, médios e grandes produtores. O cálculo é do subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt, e considera subsídios diretos ou indiretos do Estado ao crédito rural. "Do total de R$ 594,4 bilhões, não há subsídio em apenas em R$ 27,1 bilhões de recursos livres a taxas livres (recursos próprios dos agentes financeiros). Ou seja, em R$ 567 bilhões dos R$ 594,4 bilhões tem mão do Estado", afirmou Bittencourt em conversa com jornalistas.


O entendimento da Fazenda é de que mesmo nos recursos não controlados a taxas livres há participação do Estado. Na análise de Bittencourt, em R$ 567 bilhões ofertados para financiamentos da safra existe participação do Estado, ou por subvenção, ou pelo Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé), ou pelo direcionamento de parte dos Fundos Constitucionais, ou pelo direcionamento obrigatório de recursos ao crédito rural ou com renúncia fiscal de impostos sobre títulos agrícolas. "Mesmo que a taxa seja livre, o Estado brasileiro está subsidiando esses valores. Portanto, em somente R$ 27,1 bilhões não há a mão do Estado", ponderou.


O cálculo considera a oferta de R$ 300,01 bilhões em recursos direcionados a taxas livres e R$ 267,331 bilhões em recursos com taxas controladas. Os recursos controlados são compostos por recursos equalizados (aqueles com subvenção do Tesouro para equalização das taxas de juros) e não equalizados - Fundos Constitucionais, Funcafé, recursos obrigatórios dos depósitos à vista e recursos em dólar com taxas prefixadas.


O cômputo geral de recurso com participação do Estado pelo governo inclui R$ 328,70 bilhões de Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs). "No caso da LCA, esse dinheiro só existe para o Plano Safra porque o Estado brasileiro abriu mão do imposto de renda do contribuinte para aplicá-lo na agricultura. Portanto, há subvenção pública", defendeu o subsecretário. "Se existe um direcionamento de 60% dos recursos captados por LCAs para o crédito rural, de 70% dos recursos mantidos na poupança rural é porque houve decisão de Estado, independentemente de governo", acrescentou.


A tese da Fazenda contrasta com o entendimento de representantes do agronegócio que não concordam com a inclusão de R$ 188,5 bilhões de Cédulas de Produto Rural (CPRs) originadas de recursos com direcionamento obrigatório no montante geral do Plano Safra 2025/26. Entidades do setor produtivo e a bancada parlamentar da agropecuária classificaram os cálculos apresentados pelo governo como "maquiagem", o que é refutado por Bittencourt.


Esse é o segundo ano consecutivo que o governo inclui as CPRs no cálculo geral do Plano Safra. O subsecretário esclarece que a inclusão refere-se apenas a CPRs emitidas por produtores rurais e adquiridas por instituições financeiras com recursos do direcionamento obrigatório de recursos oriundos da poupança rural e das LCAs. "Não estamos computando no Plano Safra CPR de produtor com agroindústria, com trading. Estamos computando apenas as CPRs que o banco compra com dinheiro do direcionamento", observou.


Segundo Bittencourt, as CPRs não eram incorporadas até então porque não eram recursos representativos, peso que aumentou a partir de 2021. "Essa não é uma posição somente do governo Lula. No governo Bolsonaro, era a mesma coisa. O que muda é que em 2011, o estoque de LCAs era de R$ 27 bilhões, com 30% de direcionamento obrigatório para crédito rural, o que já era computado no Plano Safra, e hoje o estoque é de R$ 560 bilhões, com 70% de direcionamento", apontou. "O tema de incluir a CPR dentro do Plano Safra, não é porque estamos aumentando o Plano Safra, mas pelo entendimento de que dispensa de tributos pelo governo, com gasto tributário na isenção do imposto de renda sobre o título. Sem a mão do Estado, abrindo mão dessa taxação igual dos fundos, ou do direcionamento, não  teria esse recurso", justificou Bittencourt.


O subsecretário rejeita as alegações de entidades do agronegócio de que os números do Plano Safra 2025/26 estão superdimensionadas. "É um cenário muito realista a partir do que foi aplicado na safra 2024/25 e das projeções do Banco Central de captação de recursos por fontes obrigatórias", pontuou o subsecretário.


Em relação ao funding de recursos computado para o Plano Safra 2025/26, Bittencourt lembrou que há pressão sobre os recursos disponíveis em virtude do travamento de valores com renegociações e do carregamento do saldo de empréstimos. A oferta de crédito rural ficou 19,9% inferior ao anunciado na temporada passada, somando R$ 381,57 bilhões, porém, com o cálculo das CPRs atinge um aumento de 1,7%, para os R$ 594,44 bilhões. Essa redução no crédito rural está relacionada também com o menor volume de recursos disponíveis de fontes com direcionamento obrigatório.


Para a safra 2025/26, o cenário projetado pela Secretaria de Política Econômica com base em estimativas do Banco Central, prevê recursos de R$ 7,19 bilhões provenientes do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) ante aplicação de R$ 6,51 bilhões na temporada passada. Recursos provenientes de fundos constitucionais devem somar R$ 38,31 bilhões, ante R$ 40,49 bilhões aplicados na safra passada. Já os valores de recursos livres e equalizados do BNDES devem alcançar R$ 52,17 bilhões, acima dos R$ 36,20 bilhões aplicados no ciclo anterior.


Em recursos obrigatórios, a composição do funding Plano Safra 2025/26 conta com R$ 49,70 bilhões de recursos obrigatórios captados do depósito à vista ante R$ 51,85 bilhões do ciclo 2024/25. Outros R$ 128,70 bilhões devem ser provenientes de LCAs direcionadas ao crédito rural, frente aos R$ 111 bilhões da safra passada. Os recursos provenientes da poupança rural estão previstos em R$ 64,30 bilhões frente aos R$ 69,79 bilhões da temporada anterior. Em recursos próprios dos agentes financeiros (livres e equalizados), foram projetados R$ 40,70 bilhões, inferior aos R$ 68,49 bilhões da safra anterior.


Ao todo, o Plano Safra 2025/26 vai oferecer R$ 157,2 bilhões em recursos equalizados para pequenos, médios e grandes produtores e R$ 110,1 bilhões em recursos controlados e não equalizados para agricultura empresarial e familiar. Serão R$ 267,33 bilhões de recursos controlados, 0,8% mais que em 2024/25, R$ 300,01 em recursos direcionados a taxas livres, aumento de 6,4% entre as safras, e R$ 27,1 bilhões em recursos livres a taxas livres, queda de 27,7%.


Contato: isadora.duarte@estadao.com


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Leitura de domingo

 Leitura de Domingo:Payroll valida 'esperar para ver' de Powell e atenua aposta de corte de juro


Por Aline Bronzati, correspondente


Nova York, 03/07/2025 - O mercado de trabalho americano provou estar mais forte na Primavera do que as expectativas de Wall Street, o que obrigou os investidores a atenuarem suas apostas em queda de juros, em um sinal de que o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, estava certo em 'esperar para ver'. O debate sobre um possível corte em julho saiu de cena, enquanto a redução total esperada para as taxas neste ano também ficou mais amena.


Os Estados Unidos criaram 147 mil empregos em junho, em termos líquidos, bem acima da mediana das expectativas, de 110 mil vagas. Por sua vez, o índice de desemprego no país caiu a 4,1% contra 4,2% em maio.


Wall Street demonstrou ceticismo com o payroll de junho sob influência dos temores quanto aos impactos das políticas do presidente dos EUA, Donald Trump, incluindo questões imigratórias e comerciais, fora as pressões do republicano em cima de Powell. Sinais de fraqueza apareceram, em especial no governo federal e na iniciativa privada, além da perda do ímpeto nos salários, mas a forte contratação nos governos estaduais e locais, especialmente na área educacional, ajudou a impulsionar a criação de vagas no mês passado.


"Isso ainda dá ao Fed o luxo de esperar para ver o que acontece com a inflação. Continuamos a esperar que os EUA flexibilizem sua política em dezembro deste ano", diz o economista do CIBC Economics, Ali Jaffery.


O payroll de junho causou uma reviravolta nos cenários traçados por Wall Street. As expectativas de que o Fed poderia voltar a cortar as taxas de juros já em julho caíram por terra. Por sua vez, as apostas de um movimento em setembro seguem majoritárias, mas também perderam força. Tombaram de 95,1% registrado antes do dado para 68,3%, conforme levantamento da plataforma americana CME Group.


Nos últimos dias, uma conjunção de fatores contribuiu para que o mercado passasse a precificar maiores chances de um corte de juros nos EUA já em julho. Além do diretor do Fed Christopher Waller e a vice-presidente de Supervisão do Conselho do BC, Michelle Bowman, terem sinalizado que poderiam votar a favor de uma flexibilização na reunião deste mês, a pressão de Trump sob Powell só aumentou. Para a TS Lombard, ficou claro que o "sinal é falso".


"Achamos que o Federal Reserve poderia considerar cortar mais cedo, mas provavelmente não cortará antes de sua reunião de setembro", diz o diretor de Investimentos de Renda Fixa Global da BlackRock, Rick Rieder, mencionando, o desejo declarado da autoridade de esperar para ver qual será a transmissão da pressão tarifária de curto prazo para a inflação.


Ao falar ao lado de outros banqueiros centrais essa semana, Powell foi bastante claro.  Disse que poderia cortar as taxas "em algum momento", e não fechou as portas para julho, alegando que a decisão "dependeria dos dados". Para Powell, no entanto, enquanto a economia dos EUA estiver sólida, como reforçou o payroll de junho, o ideal é manter uma abordagem de "esperar para ver".


Wall Street entendeu o recado e também calibrou suas expectativas para o ano. A redução acumulada de 50 pontos-base voltou a ser a sua aposta principal com 43,8% das probabilidades, de 33,4% antes dos dados, segundo a CME Group. Já a aposta de um corte total de 75 pontos-base ficou em segundo plano.


Bancos como o Bank of America, o Morgan Stanley e o BNP Paribas já não previam cortes de juros este ano, mesmo antes do payroll. Diferentes casas, como a Jefferies, seguem apostando em setembro, enquanto outros como o Barclays descartam algum movimento do Fed antes de dezembro.


"Continuamos a ver o Fed em compasso de espera, aguardando que os dados de inflação e gastos mostrem os efeitos das tarifas", diz o economista-chefe do Morgan Stanley, Michael T Gapen, em nota a clientes. De acordo com ele, o mercado de trabalho americano passa por ajustes, mas de forma gradual e equilibrada, o que não força o Fed a fazer cortes antecipados.


"Há espaço para esperar antes de mexer na política monetária", confirmou o presidente do Fed de Atlanta, Raphael Bostic, em discurso na Alemanha. Na visão do dirigente, o nível de incerteza atual não é propício para mudanças significativas na política monetária americana.


Tanto o dirigente do Fed quanto economistas ponderam que, ainda que o mercado de trabalho nos EUA continue "saudável", há sinais de desaceleração. "A implicação geral não é de força econômica sustentada", avalia o economista-chefe do Santander para os EUA, Stephen Stanley.


Para o americano Jefferies, as mudanças políticas de Trump podem impactar mais o mercado de trabalho à frente, o que justificaria um corte de juros em setembro, mas ainda é cedo para estimar a escala de tal interrupção. Até mesmo porque há impulsos compensatórios de impostos mais baixos por conta do projeto orçamentário do republicano e redução do ônus regulatório no futuro, pondera.


Contato: aline.bronzati@estadao.com


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sábado, 5 de julho de 2025

O grande erro

 Os artigos do Fernando Schuler são sempre revigorantes, principalmente para aqueles que ainda tem algum apreço pela liberde.


O grande erro

A reinvenção do delito de opinião, nos últimos anos, fez mal ao país

Por Fernando Schüler


"Muito já se escreveu a respeito daquela frase da ministra Cármen Lúcia sobre os “213 milhões de pequenos tiranos”. Acho que entendo o que ela quis dizer. Algo na linha: ninguém é bem dono de sua liberdade, então temos que regular. Está o.k., a liberdade de expressão é sempre regulada. Mesmo nos Estados Unidos, pátria da Primeira Emenda, há uma regra: ficam de fora discursos que geram um perigo “claro e imediato”. O que se protege são ideias, opiniões, ainda que bizarras ou “tirânicas”. E é aí que mora o problema. Se os cidadãos são de fato tiranos, então precisamos mesmo de um imenso Leviatã para dar conta da confusão. Agora com uma penca de big techs como tentáculos, fazendo o trabalho duro da censura, sob pena de responsabilização. Depois de anos amaldiçoando os algoritmos, quem sabe finalmente descobrimos que era exatamente de algoritmos que precisávamos. E com delegação oficial para fazer a censura. Censura do bem, a favor, e não contra a nossa liberdade. Discordo da ministra. Seus tiranos são apenas cidadãos que ganharam o poder da palavra com a tecnologia. Algo que gera barulho, irrita e é feito de boa e má educação, verdade e mentira, e desacordo sobre o que isso significa. Coisas do mundo da democracia, e não da tirania. A democracia é feita de ruído, ao contrário da tirania, feita de silêncio.


Grandes democracias vêm regulando seu espaço digital. A Alemanha fez seu NetzDG; a França, recentemente, fez sua regulação. Os americanos, lá em 1791, aprovaram o Bill of Rights. Todas, sem exceção, aprovaram suas leis no Parlamento. O Brasil fez isso, em 2014, com o Marco Civil da Internet. É essa a nossa lei. E não há nenhuma “omissão legislativa” em não alterar uma lei. A ideia de que uma lei qualquer pode ser derrubada em nome de considerações abstratas sobre a liberdade, a dignidade humana ou a fragilidade dos cidadãos diante da tecnologia significa, na prática, uma inversão do pacto republicano. Significa a ocupação pelo Judiciário de uma esfera de poder que pertence ao Legislativo. Não por um capricho, mas porque a sociedade é diversa. E é no Legislativo que essa diversidade tem sua expressão. O que assistimos nesse julgamento, no STF, foi a estranha imagem de uma diversidade de visões normativas entre pessoas que representam a si mesmas. Agentes de Estado que estão lá para fazer cumprir as leis, mas que, ao cabo, produzem um ordenamento normativo inteiramente original e distinto daquele aprovado pelo Congresso, regulando nossas liberdades e direitos. Muita gente já se acostumou com isso no Brasil. E quem sabe aí esteja o nosso problema.


Na prática, o que fizemos foi trocar um modelo previsível e garantista da liberdade de expressão por um regime complexo e essencialmente aberto à interpretação. Se alguém acha que foram as big techs que perderam alguma coisa, se engana. Quem perde são os cidadãos, que têm seus direitos relativizados. As pessoas descobrirão isso quando tiverem postagens derrubadas e as redes mergulharem em uma guerra de notificações. A pergunta central: que critérios serão usados pelas empresas para efetivarem seu trabalho de censura? Em especial, que critérios serão utilizados nos temas “democráticos”, que dizem respeito a opinião, seja no campo político, seja no comportamental? No debate no STF, chamou a atenção o que vou denominar “argumento da metralhadora”. Seu autor foi o ministro Dias Toffoli, comparando o direito à expressão com a venda de uma metralhadora. O argumento tem um gosto retórico. Alerta-se a sociedade sobre crimes perfeitamente tipificados, como a venda de uma arma proibida, para logo a seguir incluir variações indefinidas sobre “delitos de opinião” no pacote. Coisa parecida se deu com atentados a escolas, indução ao suicídio, pornografia infantil e outras bizarrices. Por óbvio, o problema não é esse. Se a pauta em questão girasse em torno desses temas, incluindo-se também os crimes de racismo, tráfico ou pedofilia, não haveria nenhuma divergência sobre a necessidade de regras duras de proteção. O ponto é: não foi sobre nada disso a censura praticada em larga escala no Brasil dos últimos anos. Foi sobre a opinião política. Sobre quem questionou o resultado de urnas eleitorais, fez críticas duras ao STF, manifestou preferência irrelevante por uma ditadura ou mesmo expôs sua visão sobre a própria liberdade de expressão. Não é preciso voltar a essa história constrangedora. Se as plataformas resolverem usar como critério de “cuidado” nosso histórico recente de decisões sobre censura (e é razoável que o façam), suspeito que estamos em maus lençóis.


O que o STF fez foi realizar uma ampla leitura de época em seu julgamento. Diria que uma leitura lastreada pela “cultura do medo”, na qual navegamos, e não apenas no Brasil, na última década e meia. Pesquisa com 23 milhões de chamadas em 47 grandes veículos de imprensa americanos mostrou como temas associados a “medo”, “raiva” ou “nojo” ganharam forte tração a partir da virada para os anos 2010. O mundo não se tornou mais hostil e perigoso a partir da última década. O que mudou foi a percepção das pessoas. Algo que deriva da mecânica das redes sociais, que tendem a premiar o pânico em torno de qualquer coisa (com sabidas consequências para a saúde mental coletiva). A cultura do medo não é propriamente uma novidade. O filósofo Frank Furedi lançou How Fear Works ainda nos anos 1990, mostrando como, nos anos do pós-guerra, fomos gradativamente migrando de um amplo consenso moral, confiança nas instituições e no progresso para uma cultura marcada pela ideia de que “somos frágeis, os cidadãos incapazes de lidar com a própria democracia, as instituições pouco confiáveis, o futuro incerto e assustador”. Não é por acaso que a obra-prima do norueguês Edvard Munch, O Grito, é muitas vezes usada como uma imagem de nossa época. O desenho de um homem sem identidade, envolto em uma onda de medo, em um mundo que também parece se desmanchar. Munch conta que concebeu a obra em uma tarde qualquer, em Oslo, na década de 1890, quando teve a súbita inspiração, em meio a um momento de “melancolia e ansiedade”. No julgamento das redes, no STF, o que assistimos foi uma versão sintética desse fenômeno: a urgência em regular. A lógica impressionista do risco e das citações dramáticas. O povo de tiranos, o oceano de mentiras, a incivilidade, a metralhadora, o eleitor ordinário diante da “desordem informacional”. Não tanto o medo, mas a sua politização. A ideia sombria, bem posta por Furedi, de que “nossa segurança, em uma medida incerta, depende do fato de que devemos abrir mão de nossas liberdades”.


De fato, há imensos riscos na internet. O ministro Barroso, presidente do STF, está certo quando diz que “não importa se alguém é liberal, conservador ou progressista: não pode haver pornografia infantil, terrorismo, venda de armas ou instigação ao suicídio nas redes”. Fosse esse o foco, no país, daríamos um enorme passo adiante na regulação da internet. Passar desse universo à censura política, de visões de mundo, de comportamento ou cultura é de fato um grande erro. A reinvenção do delito de opinião e da censura prévia, nos últimos anos, fez muito mal ao país. Nós não teremos uma democracia liberal, no Brasil, se continuarmos insistindo nisso."


Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper


Publicado em VEJA de 4 de julho de 2025, edição nº 2951

Eduardo Affonso

 Eduardo Affonso mais brilhante do que nunca.


O DISCURSO DOS GRANDES DITADORES

Quero ser tratado por Meritíssimo, Excelência, Vossa Senhoria. É meu ofício: governar, legislar, fazer cumprir as leis, em causa própria


Sim, quero ser imperador, cacique, líder supremo, dono do mundo, do  pedaço, da parte que — por voto, concurso ou apadrinhamento — me cabe  neste latifúndio.

Quero ser tratado por Meritíssimo, Excelência, Vossa Senhoria. É meu  ofício: governar, legislar, fazer cumprir as leis — em causa própria, e,  bem sabeis, a meu bel-prazer. Quero ajudar os meus — e que se danem  ucranianos, ianomâmis e aposentados, contribuintes, motoristas de  aplicativo e judeus. Prendei os que vandalizam palácios e ignorai os que  deixam ruir igrejas, arder museus. Quero que negros odeiem brancos,  pobres se insurjam contra ricos — e eu, rico e branco, fomentador de  antagonismos e mestre em demonizar o diálogo, seja reverenciado como um  deus.


Eu degusto lagosta à vossa custa, enquanto em 21,6 milhões de lares, em  “insegurança alimentar”, comeis o pão que o diabo amassou. Eu presenteio  lenços e gravatas de seda com o que retiro, compulsoriamente, do bolso  onde mal tendes o suficiente para vos agasalhar.


Com o suor do vosso rosto, bobinhas, eu pago maquiadores que me mantêm a  pele clara e imaculada para que eu possa defender vossa dignidade e  vossas necessidades com meu afronte e minha bolsa (três anos e meio de  Bolsa Família, uma pechincha) e denunciar o avanço da extrema direita  —em Paris.


Eu liberto réus confessos, anulo condenações justas, perdoo multas  bilionárias. Trabalhais oito horas por dia, seis dias por semana, 11  meses por ano para que pinguem o mínimo na vossa conta — eu tenho 60  dias de descanso remunerado, horário flexível, encho de penduricalhos  meu supersalário (os pagamentos acima do teto constitucional passaram de  R$ 10 bilhões em 2024) — e processo quem divulgar as remunerações  ilegais.


Eu gasto muito e mal; e vos empurro goela abaixo mais e mais impostos e  mordomias e má gestão. Visito ex-presidente presa por corrupção e mando  buscar, em jatinho da FAB (bancado por vós, que íeis andar de avião e  jamais decolastes), a ex-primeira-dama condenada à prisão por lavagem de  dinheiro. Apoio agressores e ditaduras, corruptos e tiranias — mas me  outorgo autoridade moral de defensor da paz, da ética e das minorias.


Acho que 513 deputados são pouco, que é pouco gastar mais de R$ 24  milhões por ano com cada um e voto por elevar esse número para 531.  Quero mais fundo eleitoral e mais emendas parlamentares e menos  transparência e mais privilégios. Com vossos recursos, eu pago meus  procedimentos estéticos, meus jantares superfaturados e asfalto as ruas  do meu condomínio de luxo.


Por isso, vos peço: lutai pela censura, pelo controle dos meios de  comunicação, por mais taxação; pela anistia aos que tentaram golpear a  democracia, pelos que a corroem por dentro simulando defendê-la. Afinal,  quem sois vós na fila do pão? Uma das 196 mulheres violentadas por dia.  Uma vítima de feminicídio a cada seis horas. Um dos 35.365 que sofreram  morte violenta em 2024. Um dos 3,9 milhões de pedintes esperando Godot  nos guichês do INSS. Um dos 59 milhões de incapazes de atender às próprias necessidades básicas de sobrevivência.


Não sois cidadãos: 213 milhões de pequenos tiranos é que sois. Segui,  pois, odiando-vos uns aos outros — e ignorando que todo poder emana de  vós, e em vosso nome deveria ser exercido.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Nós, Quem? Contra eles, Quem?

 Um excelente texto de Celso Ming No Estadão. 


Nós, quem? Contra eles, quem? - Celso Ming


O Estado de S. Paulo


"Muito antes da Inconfidência Mineira e da Derrama, sabe-se no Brasil, que há um limite para a extorsão tributária. Chega o momento em que o contribuinte não aguenta mais, mesmo quando as autoridades se esforçam para difundir a versão de que são os mais ricos que rejeitam a carga tributária e a empurram sobre os mais pobres. E quando a sociedade não aguenta mais, as consequências políticas ficam inevitáveis"

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Houve um tempo em que o presidente Lula anunciava que governava para o interesse de todos os brasileiros, inclusive dos que votaram contra ele.


Hoje, vai sendo imposto o mantra do “nós contra eles”, sem que fique claro quem sejam esses “nós” e quem sejam esses “eles”. Nós, os pobres? Nós, os proletários? Nós, os do Partido? Nós, os democratas? Contra quem? Contra a direita? Contra a Faria Lima? Contra os mandachuva de sempre? Seja o que – e quem – for, é o discurso da polarização, que pretende antecipar o debate eleitoral.


No momento, serve para defender o renitente aumento de impostos, em detrimento de um mínimo de objetividade: como é que o aumento do IOF, que deveria servir apenas para fins regulatórios – e não arrecadatórios –, beneficiaria o “andar de baixo” e não os lobbies favorecidos pelo Congresso, se atinge em cheio as pequenas e médias empresas, os microempreendedores individuais (MEIs) e o comércio que pratica o crédito denominado “risco sacado”?


Na falta de um inimigo claro, as velhas esquerdas que se agrupam ao lado do governo Lula ainda tentam se apegar à estratégia da diversidade, de parca densidade sociológica e ideológica, da defesa dos direitos das minorias (negros, mulheres, população LGBT+), ainda que resvalem para discursos extremistas, que pregam mais o ódio ao outro do que o combate às discriminações vigentes. Poderiam refugiar-se na defesa dos valores da social-democracia. Mas têm, em relação a ela, um entendimento confuso e inconsequente, quando se aliam a governos autoritários, como os da Venezuela, de Cuba, da Rússia e do Irã.


Como a questão central desse discurso não é de lógica aristotélica, cabe perguntar se, ainda assim, consegue colar na sociedade e no jogo político.


Quando perde votos e capacidade de mobilização, o governo apega-se a dois falsos diagnósticos: o de que é preciso melhorar a sua comunicação, e aí nomeia outro marqueteiro; e o de que é o de que falta diálogo com as bases – e se põe a fazer sermões, sem dar ouvidos ao outro lado.


Apesar das fartas políticas populistas e distributivas, a popularidade do governo Lula desliza ladeira abaixo. A percepção geral é de que a política econômica se aprofunda para o campo disfuncional. Novos rombos somam-se aos anteriores. A dívida pública vai crescendo, se aproxima dos 80% do PIB. Para pagar os lesados pelas fraudes do INSS, que até agora não haviam sido coibidas, o governo decidiu que vai aumentar a dívida e, assim, descarregar a conta sobre o contribuinte.


Muito antes da Inconfidência Mineira e da Derrama, sabese no Brasil, que há um limite para a extorsão tributária. Chega o momento em que o contribuinte não aguenta mais, mesmo quando as autoridades se esforçam para difundir a versão de que são os mais ricos que rejeitam a carga tributária e a empurram sobre os mais pobres. E quando a sociedade não aguenta mais, as consequências políticas ficam inevitáveis

O ministério do ego

 Do blog de Gilvan Melo    


O ministério do ego de Lula    


O Estado de S. Paulo


Ao tratar a opinião desairosa de uma revista estrangeira sobre o presidente como se fosse uma questão de Estado, o Itamaraty se converte em departamento das relações pessoais do petista


Tem sido difícil, mas há dias em que o governo de Lula da Silva se supera. Foi o que ocorreu quando o Palácio do Itamaraty – outrora um dos mais respeitados templos da sobriedade diplomática mundial – foi mobilizado para criticar um artigo da revista The Economist. Não uma resolução da ONU, não uma denúncia jurídica, não uma ameaça à soberania nacional, mas uma opinião jornalística. Resultado: uma nota oficial assinada pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira – quiçá ditada pelo chanceler paralelo, Celso Amorim –, que trata Lula como uma espécie de divindade contemporânea, um Buda com barba, ou, vá lá, um Kim Jong-un tropical. Leia mais em 

Popularidade do sapo

 🇧🇷  *Impacto positivo sobre popularidade de Lula e recuo do Congresso manterão campanha da batalha entre ricos e pobres- Valor*


As pesquisas diárias que o Planalto faz para mensurar a avaliação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva *mostraram uma elevação de 5% na sua popularidade desde o início da ofensiva do governo* para caracterizar o embate em torno das medidas fiscais como uma batalha entre ricos e pobres.


O resultado, que fortalece aqueles que defendem a manutenção da campanha, foi cotejado hoje com a ocupação, por manifestantes da Frente Povo Sem Medo, do saguão do prédio que abriga o Itaú BBA na avenida Faria Lima, em São Paulo. Levavam as faixas com as mesmas palavras de ordem da campanha governista: “O povo não vai pagar a conta”, “Chega de mamata”, “Taxação dos super-ricos já”. Os manifestantes permaneceram duas horas e depois deixaram o prédio.


https://tinyurl.com/2354sbee

Produtividade é a saída

  O mundo está girando (e rápido): o Brasil vai acompanhar ou ficar para trás? 🌎🇧🇷 Acabei de ler uma análise excelente de Marcello Estevã...