*Leitura de Sábado: Fatia da China no mercado brasileiro passa de 10% e indústria cobra reação*
Por Eduardo Laguna
São Paulo, 10/07/2025 - Pedra no sapato da indústria nacional, a China avança rápido e já é a origem de mais de 10% dos produtos comprados pelos brasileiros. Diante da ameaça de uma nova onda de importações, sobretudo de produtos chineses, decorrente das tarifas comerciais anunciadas nos Estados Unidos, setores industriais pedem proteção ao governo, enquanto também absorvem o choque da taxa de 50% prevista aos que exportam para a maior economia do mundo. Entre os argumentos apresentados, principalmente ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, estão os prejuízos representados pela China a investimentos, empregos e, até mesmo, à arrecadação de impostos.
Segundo levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a pedido da Broadcast, a participação dos produtos importados da China no mercado brasileiro mais do que dobrou no período pós-pandemia. Em apenas cinco anos, subiu de 4,6%, parcela de antes da crise sanitária, para 10,9% do total consumido no País em 2024 (veja a evolução no gráfico abaixo).
Os números, para muitos industriais, retratam uma invasão de produtos "made in China". A crise imobiliária no país, que reduziu a absorção desses produtos no mercado interno, em paralelo aos incentivos à produção concedidos por Pequim para atingir a meta de crescimento econômico, levou a uma enxurrada de produtos chineses pelo mundo. Quando passaram a encontrar barreiras para entrar em dois de seus principais destinos - Estados Unidos e Europa -, as empresas chinesas tiveram de buscar novos mercados para desovar as exportações, sendo o Brasil um deles.
A preocupação da indústria brasileira é que a situação piore com as tarifas do presidente americano, Donald Trump, uma vez que produtos barrados nos Estados Unidos podem ser deslocados para o Brasil e mercados vizinhos. Para o consumidor, a "invasão chinesa" significou maior acesso a novas tecnologias, como os carros elétricos. Mas, para as empresas brasileiras, a China representa um competidor que, apoiado por subsídios, controle de câmbio e práticas de comércio consideradas muitas vezes desleais, consegue ganhar mercados a preços inviáveis a quem arca com os custos de produção do Brasil.
Ainda que de forma não coordenada, diversos setores industriais estão mobilizados para fechar portas e obter do governo medidas que corrijam desequilíbrios na competição com os chineses. O alerta é de que a indústria está vulnerável aos desvios de comércio em um mundo de maior protecionismo, com o "tarifaço" de Trump e as possíveis retaliações de países atingidos pela política comercial americana.
Na indústria automotiva, montadoras e fornecedores de autopeças trabalham em conjunto na tentativa de barrar um pedido levado pela BYD à Câmara de Comércio Exterior (Camex) para trazer, com imposto de importação mais baixo, os carros que terão montagem final na fábrica da marca chinesa em Camaçari, na Bahia.
A BYD quer reduzir a 10% as alíquotas de importação nos subconjuntos de veículos que trará pré-montados da China. O pedido provocou uma carta enviada no fim de maio pelo Sindipeças, a associação da indústria de autopeças no Brasil, ao vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin. No ofício, a entidade expressa "inconformismo" com o pleito da BYD, que, conforme o Sindipeças, representa, além de forte impacto na cadeia automotiva, uma "magnífica renúncia fiscal injustificada".
A marca chinesa sustenta que precisa de imposto mais baixo para assegurar a competitividade da operação industrial em Camaçari enquanto avança gradualmente em direção a produtos com maior conteúdo nacional. Já os executivos de montadoras dizem, nos bastidores, que a fábrica de Camaçari servirá apenas para "apertar parafusos".
A Anfavea, associação que representa as montadoras, vem atacando o pedido da BYD tanto publicamente como nas interações com o governo. Conforme previsões da entidade, o Brasil deve importar cerca de 200 mil carros da China neste ano, volume que equivale a uma fábrica que gera por volta de 5 mil empregos. Ao abordar o caso da BYD na última segunda-feira, na apresentação dos resultados do setor à imprensa, o presidente da Anfavea, Igor Calvet, disse que sistemas de produção com baixos índices de nacionalização - como o SKD da BYD em Camaçari - vão na direção contrária à industrialização e à geração de empregos. Incentivos solicitados pela montadora chinesa podem inviabilizar investimentos em linhas de produção completas, conforme Calvet.
Além da batalha com a BYD, montadoras e fabricantes de autopeças insistem na antecipação das alíquotas cheias (35%), ainda previstas para julho do ano que vem, do imposto sobre as importações de carros híbridos e elétricos. A Anfavea também finaliza um estudo que apura se as marcas chinesas estão entrando no Brasil com dumping ou subsídios ilegais.
Tsunami
Nos últimos cinco anos, as importações de produtos da indústria de transformação cresceram 70%, passando de US$ 285 bilhões em 2024, conforme dados da balança comercial. Um quinto do total (22%) é fornecido pela China, que mantém comércio diversificado com o Brasil: de pneus a carros elétricos; de brinquedos a smartphones e eletrodomésticos, além dos componentes desses produtos montados no Brasil.
No setor de vestuário, onde os marketplaces abriram uma grande porta de entrada a produtos importados, a indústria age em duas frentes. De um lado, reivindica que mais Estados elevem de 17% para 20% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre compras em plataformas de comércio eletrônico. Por enquanto, nove Estados elevaram a alíquota. De outro, o setor pede a elevação de 20% para 35% do imposto de importação que ajudou a conter as pequenas encomendas - compras de até US$ 50 - em sites como Shein, Shopee e AliExpress.
Diretor-superintendente da Abit, associação que representa as empresas do setor têxtil, Fernando Valente Pimentel conta que, após as barreiras de Trump, o governo tem sido alertado pela indústria sobre o "tsunami" que pode vir com o deslocamento de produtos até então fornecidos ao mercado americano. "Se a invasão chinesa chegar aos níveis que podemos ter, apenas cotas [de importação] podem segurar", comenta o executivo.
Segundo Pimentel, os Estados Unidos compram por volta de US$ 20 bilhões em produtos têxteis da China. Se parte desse volume for direcionada ao Brasil, estima, os importados, que já mordem um quarto do mercado de vestuário no País, ganharão ainda mais espaço, colocando em risco 200 mil postos de trabalho.
"Estamos monitorando [a entrada de importados] e informando o governo. O quadro pode piorar a depender do que fizermos em relação a nossa competitividade e do que ocorrer nas relações entre Estados Unidos e China", afirma Pimentel. "O quadro é altamente preocupante porque temos uma nova situação geopolítica e econômica, com desvios que podem trazer prejuízos. Toda a indústria brasileira está sob ataque", acrescenta o superintendente da Abit, citando previsões que apontam a um déficit - ou seja, importações superiores às exportações - de US$ 130 bilhões nas trocas de produtos manufaturados do Brasil com o resto do mundo neste ano.
A pressão da indústria já teve alguns frutos, como a elevação gradual do imposto cobrado de carros híbridos e elétricos e o programa Remessa Conforme, que ajudou a inibir a sonegação em compras pela internet. Os setores beneficiados observam, porém, que essas medidas foram insuficientes para colocar os produtos brasileiros em igualdade de condições com os concorrentes asiáticos.
Contato: eduardo.laguna@estadao.com
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