*Leitura de Sábado: Brasil será o mais endividado dos grandes emergentes, diz Martinez, da Fitch*
Nova York, 11/07/2025 - O Brasil está à mercê da falta de consenso entre o Executivo e o Congresso para solucionar o seu dilema fiscal, o que o mantém distante do grau de investimento, perdido há dez anos. A janela política apropriada para endereçar a questão só virá depois da eleição de 2026, diz o co-chefe de títulos soberanos da América Latina da Fitch Ratings, Todd Martinez. Mas, a situação fiscal do Brasil deve piorar antes de melhorar.
"Projetamos que o Brasil será, entre os maiores mercados emergentes, o mais endividado do mundo nos próximos anos, superando a África do Sul e a Índia", diz Martinez, em entrevista exclusiva ao Broadcast. A Fitch estima que a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) do País deve bater os 79,3% em 2025 e subir a um ritmo anual de 3 pontos porcentuais à frente. A mediana de outros países com mesmo rating é de 53%.
A agência de risco avalia que a baixa exposição comercial do Brasil aos EUA deve limitar possíveis danos das tarifas de 50% impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No entanto, monitora eventuais efeitos colaterais. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Broadcast: Qual o impacto das tarifas de 50% impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao Brasil?
Todd Martinez: É difícil saber quão seriamente devemos levar a ameaça de Trump de uma tarifa de 50% sobre o Brasil. Se for implementada, a baixa exposição comercial do País aos EUA, menos de 2% do PIB, deve limitar os danos. E, mesmo que não seja implementada, a própria ameaça pode ter algumas ramificações financeiras e políticas que estaremos observando. O Brasil é uma economia muito fechada quando se medem exportações e importações como parcela do PIB. É uma das economias mais fechadas do mundo - tradicionalmente uma fraqueza, mas tem sido, sem dúvida, também uma de suas forças.
Broadcast: A Fitch afirmou o rating do Brasil em BB, com perspectiva estável. Quais fatores foram cruciais nessa decisão?
Martinez: O País tem finanças externas muito robustas, um déficit em conta corrente que aumentou, mas permanece administrável, um investimento estrangeiro direto (IED) forte e estável e um mercado de capitais local desenvolvido. O Banco Central, embora enfrente alguns ventos contrários da política fiscal, é muito forte e crível, sendo uma forte âncora para a confiança. O Brasil é um dos poucos países com classificação BB que pode se financiar quase inteiramente no mercado doméstico, em vez de recorrer ao exterior. Essas são as forças duradouras do Brasil que permanecem intactas.
Broadcast: Quais são as fraquezas?
Martinez: As fraquezas duradouras são o crescimento lento e as finanças públicas fracas. O Brasil tem apresentado uma história mais positiva em termos de crescimento. Revisamos novamente nossa projeção e prevemos uma expansão de 2,5% este ano, ante alta de 1,9%. Isso pode indicar um potencial de crescimento maior, apoiado por esforços de reforma contínuos, em vez de resultar apenas de estímulos políticos. Mas, mesmo assim, o crescimento brasileiro é fraco em comparação ao de outros mercados emergentes. É uma fraqueza que talvez não seja tão fraca quanto costumava ser, mas ainda não é uma força.
Broadcast: E o fiscal?
Martinez: As finanças públicas continuam sendo o calcanhar de Aquiles do Brasil. O País tem um déficit fiscal muito grande e uma dívida alta, que aumenta rapidamente. Projetamos que o Brasil será, entre os maiores mercados emergentes, o mais endividado do mundo nos próximos anos, superando a África do Sul e a Índia.
Broadcast: A Fitch vê reversão à frente?
Martinez: O governo merece crédito por reconhecer o problema e tentar avançar com medidas para melhorar a situação fiscal, mas a política atrapalha, e muitas das iniciativas são paliativas e temporárias, não estruturais. É improvável vermos muito progresso até depois das eleições do próximo ano. Como se viu no fim de 2024, o problema fiscal pode gerar repercussões negativas para o resto da economia, ser uma fonte de volatilidade no câmbio e forçar o Banco Central a manter uma política monetária mais rígida do que o necessário.
Broadcast: Há alguma política recém-aprovada ou aguardando análise do Congresso que possa minar a estabilidade macroeconômica ou a perspectiva de crescimento?
Martinez: Há muito barulho no Brasil em torno do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que o Congresso derrubou; esperamos algo semelhante em relação ao limite de isenção do Imposto de Renda, à forma de compensar essas medidas; as emendas parlamentares e o aumento no número de congressistas. Elas ressaltam a difícil situação das finanças públicas, evidenciando fadiga em torno de aumentos de impostos e rigidez quando se tenta conter as pressões de gastos. São importantes, mas não devem gerar grandes decepções macroeconômicas nem levar a explosão fiscal antes das eleições.
Broadcast: Como a Fitch vê a judicialização do aumento do IOF? É um sinal de fragilidade institucional? Pode afetar o rating?
Martinez: O fato de a questão ser levada aos tribunais indica que as instituições fazem o que devem, não que haja fraqueza institucional. Falta consenso sobre a melhor forma de melhorar as finanças públicas. O Executivo está interessado em consolidação fiscal mais orientada para a receita, e o Congresso insiste em uma estratégia voltada para o corte de gastos, mas não ajuda nesta direção. Quando o governo tenta conter despesas, surgem as emendas parlamentares. O Congresso diluiu as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e há propostas para aumentar o número de congressistas.
Broadcast: Qual seria a consequência para o rating da revisão da meta fiscal para 2025 e 2026?
Martinez: Projetamos que o governo pode cumprir o mínimo exigido por sua regra fiscal este ano, o que significa um déficit primário de 0,6% do PIB, após toda a margem de tolerância e exclusões. Para 2026, prevemos um déficit primário também de 0,6%, acima do permitido pela meta. Não vemos o Brasil atingindo sua meta fiscal no próximo ano.
Broadcast: E uma mudança da meta?
Martinez: Manter a meta, sem alcançá-la, ou revisão não está incorporado em nossas expectativas para 2026. Portanto, isso não deve ser fonte de más notícias para o rating. Seria preciso uma deterioração significativa do fiscal no próximo ano, em vez de apenas não atingir as metas, com repercussões negativas no câmbio, na curva de juros e na confiança. Esse não é o nosso cenário base.
Broadcast: Quais seriam as evidências de melhora na perspectiva de crescimento e na economia do Brasil monitorada pela Fitch? A agência considera a pesquisa Focus?
Martinez: Consideramos nossas próprias projeções de médio prazo, mas também olhamos para a Focus. Conversamos com muitos economistas e analistas que acompanham a economia brasileira de perto. No momento, projetamos expansão de 2% no médio prazo. São necessárias taxas de crescimento acima de 3% para que esse fator sozinho leve a um rating melhor. O que é mais provável e mais importante é a melhora na situação fiscal.
Broadcast: É sempre sobre o fiscal...
Martinez: Sim, mas o fiscal e o crescimento estão muito interligados. É positivo que a economia do Brasil continue superando as expectativas, mas não vemos isso se traduzir em um desempenho fiscal muito melhor. Nosso rating não se baseia apenas na situação fiscal, mas em quão bem posicionado estaria o País suportaria um choque inesperado no crescimento. Uma situação fiscal fraca enquanto a economia do Brasil é forte representa vulnerabilidade.
Broadcast: No começo do governo Lula, as principais agências, incluindo a Fitch, melhoraram o rating, a visão sobre o Brasil, abrindo esperanças de retorno ao grau de investimento. Como isso evoluiu desde então?
Martinez: Continuamos bastante confiantes na nossa decisão de melhorar o rating do Brasil há dois anos. Na época, projetávamos que a dívida em relação ao PIB seguiria trajetória ascendente. Não fizemos o upgrade porque achávamos que o governo havia resolvido a situação fiscal, mas porque o Brasil se recuperou muito bem da pandemia, e tínhamos confiança suficiente de que o governo Lula pelo menos moveria as contas públicas gradualmente em uma direção positiva.
Broadcast: O Brasil está mais longe do grau de investimento desde então?
Martinez: Está na mesma posição. As projeções de dívida/PIB estão próximas das nossas projeções há dois anos atrás. O País cresce mais rápido do que qualquer grande mercado emergente, em linha com o esperado. O que não prevíamos, no entanto, era que o Banco Central precisaria elevar juros novamente, uma das razões para o déficit fiscal tão grande.
Broadcast: O que o Brasil precisa fazer para recuperar o grau de investimento?
Martinez: Há tempos dizemos que queremos ver a dívida/PIB se estabilizar, e estamos longe disso. Isso exige melhora significativa no resultado primário, provavelmente com reformas difíceis no lado dos gastos, mudanças em mecanismos de indexação de programas sociais e alguma reforma administrativa. São ações possíveis, mas politicamente difíceis. No momento, é difícil enxergar um caminho para as reformas fiscais necessárias antes das eleições.
Broadcast: Quais impactos podemos esperar da eleição de 2026 para a economia? Por exemplo, mais estímulo fiscal?
Martinez: Esse sempre será um risco, seja com governo de esquerda ou de direita. No último ciclo eleitoral, houve incentivo para ampliar o Bolsa Família e, no próximo ano, veremos estímulos semelhantes. Nossa perspectiva estável considera que podem surgir medidas populistas, mas sem deterioração fiscal significativa. O mercado é exerce disciplina no Brasil. Isso não garante resultados perfeitos nem melhorias estruturais, mas limita o tipo de medida populista a que qualquer governo poderia recorrer antes das eleições, pois poderia ser contraproducentes.
Broadcast: Se, após a eleição de 2026, não houver perspectiva de corte ou desvinculação de benefícios sociais, isso seria um elemento negativo para o rating?
Martinez: Somos agnósticos quanto à forma de consolidação fiscal. Queremos uma estratégia crível o bastante para gerar superávits primários que estabilizem a dívida/PIB. O País atingiu um ponto de fadiga tributária; parece cada vez mais inevitável reformar gastos com benefícios sociais. Se, após as eleições, esse caminho se mostrar politicamente muito difícil e não houver um plano de receita viável, haverá déficits fiscais grandes e dívida crescente, com reação negativa do mercado. Esse não é nosso cenário base. Parece haver um consenso político crescente de que o Brasil precisa de reforma fiscal mais profunda, e a janela apropriada virá depois das eleições.
Contato: aline.bronzati@estadao.com
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