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 NEWS - 28.01 / 2


Ruídos macro não afastam interesse por ativos brasileiros, diz UBS BB / Para Anderson Brito, presidente da área de banco de investimento, investidor estrangeiro vê oportunidades em setores considerados resilientes- Valor 28/1


Mônica Scaramuzzo


Na contramão de boa parte da Faria Lima, Anderson Brito, presidente da área de banco de investimento do UBS BB, vê interesse de investidores estrangeiros pelo Brasil, em setores de longo prazo e em ativos considerados resilientes. A operação de venda das ações da Vale pela Cosan é um dos exemplos que ilustram que há ativos no país que podem atrair investidores de fora.


“De uma maneira geral, existe uma visão negativa de Brasil e muito ‘hype’ [entusiasmo] sobre Argentina, por exemplo. Mas a gente tem de dar um passo para trás e olhar a diferença entre mercados endereçáveis”, disse o executivo, que esteve na semana passada em Davos, na Suíça, para participar do Fórum Econômico Mundial (WEF, em inglês). A entrevista foi concedida em Zurique na sexta-feira, poucas horas antes de Brito embarcar para o Brasil.


Segundo ele, a bolsa de valores Argentina, mesmo com a correção positiva do ano passado, movimenta por dia US$ 100 milhões, enquanto a brasileira gira entre US$ 4,5 bilhões e US$ 5 bilhões por dia. O mesmo ocorre em interesse de ativos - Brito observa que o país vizinho cresceu três vezes em fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês), para cerca de US$ 3 bilhões em operações, mas no Brasil o volume fica entre US$ 25 bilhões e US$ 30 bilhões.


“No macro pode ter algum ruído de Brasil, mas tem tantos setores que vão bem, que estão subpenetrados, que no final do dia a gente tem vantagem competitiva. E tem interesse internacional para esses segmentos. Quando se olha o micro, para vários setores, existe uma demanda relevante, seja pelo tamanho de mercado endereçável do país, seja pelo tamanho da população.”


Brito também vê o mercado americano bem posicionado na segunda gestão do presidente americano Donald Trump, apesar dos ruídos e incerteza que sua administração já tem provocado.


“A gente espera um ‘approach’ [abordagem] mais positivo de mercado. De alguma forma, vamos ver os Estados Unidos positivos, com volume de transações maior”, disse, lembrando que os resultados de bancos americanos como J.P. Morgan, Citi, Goldman Sachs e Bank of America vieram fortes em 2024.


“Temos de tirar o ruído. A primeira notícia pode ser negativa e a turma fica um pouquinho mais negativa, mas se você avalia [a gestão anterior de Trump], foi a favor de mercado.”


Para Brito, o mercado de dívida deve continuar positivo, depois do recorde no volume de emissões no ano passado. O executivo prevê que haverá um crescimento de 5% a 10% nas transações de renda fixa local. Já o mercado de “equities” (ações) deverá ver movimentos concentrados em ofertas subsequentes, os chamados “follow-ons”, e muita oferta de venda de ações em bloco.


Neste início de ano, a Cosan colocou à venda seus papéis da Vale e teve forte interesse de investidores, sobretudo estrangeiros. A operação foi da ordem de R$ 9 bilhões.


“Para alguns ativos, o Brasil continua bem interessante”, afirmou, embora reconheça que outros países estejam na frente entre as prioridades do capital internacional. “Obviamente, quando você tem uma correção de mercado, quando o país não está tão ‘hypado’, diferente, por exemplo, a Índia em Davos, com dez casas de cada Estado diferente [se apresentando a investidores].”


O cenário de reestruturação de empresas deverá seguir movimentado, na visão do executivo, com grupos buscando refinanciamento de dívidas. Brito, entretanto, não vê um cenário de “quebradeira”.


De acordo com ele, as discussões em relação à renegociação de prazo de pagamento de dívidas continuam, em um ambiente de custo de crédito mais caro e empresas pedindo para alongar os débitos. Para o executivo, os principais bancos no país se mantêm dispostos a prosseguir com essas renegociações.


“A gente tem que ver onde vai bater essa taxa de juros. Mas a economia brasileira tem sido resiliente. Surpreendendo do ponto de vista de crescimento. O humor da Faria Lima está negativo. Mas quando você vai lá conversar com o ‘founder’ [empresário], há mais otimismo.”


Mesmo quando se trata do posicionamento de Trump em relação à transição energética, o executivo faz uma ponderação. Brito disse não ver pragmatismo do americano sobre o tema interferindo na meta em relação a emissões de gases nem em energias renováveis.


“O Brasil tem uma vantagem competitiva e é uma matriz verde. Não é agora, porque Trump está um pouco mais pragmático em relação ao mercado, que isso vai atrapalhar”, disse. Por conta disso, avalia, é preciso um pouco mais de pés no chão. “O Brasil é tão grande que a gente tem de olhar micro por setor.”


BC deve mirar parte de cima da meta da inflação, defende Aloisio Araújo / Para economista, busca por alta de 3% nos preços pode levar a dominância fiscal- Valor 28/1


Alex Ribeiro


O economista Aloisio Araújo defende que o Banco Central utilize a flexibilidade do intervalo de tolerância da meta para acomodar temporariamente uma inflação mais alta. Para ele, o objetivo de 3% definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) é inadequado para a economia brasileira, que vive uma situação de fragilidade fiscal.


Ele afirma que, ao mesmo tempo, o governo deveria reforçar o arcabouço fiscal, gerando um superávit. “Estamos numa situação perigosa porque, se aumentarem muito os juros, pode-se entrar em dominância fiscal”, diz Araújo, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV EPGE) e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).


Araújo também desaconselha que o governo altere a meta. “Pode ser complicado, pois pode ser interpretado como licença para gastar”, afirma.


Seus argumentos em favor de uma meta de inflação superior a 3% são expostos, com rigor acadêmico, no artigo “Inflation Targeting Under Fiscal Fragility” (em tradução livre, “Meta de Inflação sob Fragilidade Fiscal”), escrito em coautoria com outros pesquisadores e recentemente aceito para publicação no American Economic Journal: Macroeconomics, uma das mais importantes revistas internacionais de macroeconomia.


Ao definir uma meta de 3%, o CMN se alinhou a uma corrente de economistas que defende que não há razões para o Brasil operar com um objetivo maior do que o do Chile. Parte desses economistas argumenta que, se o governo fizer sua parte no lado fiscal, nada impede que o Banco Central busque essa meta de inflação mais ambiciosa.


“Essa é uma discussão mais complexa”, diz Araújo. “Um dos fatores que definem a relação entre a dívida e o PIB é a taxa de juros. A taxa de juros é determinada em função da meta de inflação.” Para ele, o ajuste fiscal necessário para justificar uma meta de inflação de 3% seria muito profundo. “Esquece, esquece, esquece”, afirma. “O Brasil está há décadas tentando fazer isso e nunca conseguiu.”


A seguir, os principais trechos da entrevista.


Valor: Como o senhor tem visto o trabalho do Banco Central, que indicou que levará o juro para pelo menos 14,25% ao ano?


Aloisio Araújo: O problema não é o Banco Central, o problema é a meta de inflação. O CMN estabeleceu uma meta de 3%, e a meta [anterior] de 4,5% já não era tão fácil de atingir. Foi furada para cima algumas vezes. Mas, durante 15 anos, quebrou o galho. Havia uma promessa de mudança, de melhora nas condições econômicas, quando foi definida uma trajetória de redução da meta. O Brasil não mudou tanto assim para melhor, a ponto de justificar a redução da meta. Acho que foi uma visão errada. Não adianta o CMN, com essa meta mais baixa, indicar alguma coisa para o futuro, achando que o resto do Brasil vai se enquadrar a esse desejo. Ou seja, acreditar que, porque a meta é menor, ela vai enquadrar a Câmara, o Senado, o Tribunal de Contas da União (TCU), o Supremo Tribunal Federal (STF), o restante do governo atual e os futuros governos.


Valor: O senhor apresenta esses argumentos, de maneira formal, em um artigo acadêmico. Qual é a mensagem principal do artigo?


Araújo: Esse modelo é uma crítica, em certo sentido, aos monetaristas, que acreditam que a taxa de juros resolve tudo. E também, de certa forma, aos primeiros modelos de metas de inflação, que não estavam errados, mas foram pensados para países desenvolvidos, onde há a chamada dominância monetária. Ou seja, você estabelece a meta de inflação e coordena as expectativas para atingi-la. Acho que essa visão é incompleta, principalmente em países como o Brasil.


Valor: Por que funciona para outros países, e não para o Brasil?


Araújo: De forma simplificada, havia duas situações em termos de relação entre a dívida pública e o PIB, obviamente levando em conta as características próprias de cada país. Quando a relação dívida/PIB é baixa para esse país, você tem a dominância monetária. O governo estabelece a meta de inflação de forma a minimizar a inflação, pois a inflação é algo ruim. Na outra ponta, você tem a dominância fiscal. Nessa situação, não adianta mais nada, o Banco Central perde o controle [sobre a inflação]. A novidade que apresentamos [no artigo] é que existe uma zona intermediária, de fragilidade fiscal, que é particularmente importante para países emergentes. Se o país se encontrar nessa zona de fragilidade, quando ocorre um choque ruim, como a crise financeira global de 2008 ou a pandemia, pode ficar numa situação em que não consegue cumprir a meta de inflação. Isso deve inspirar maior cuidado de um país como o Brasil ao definir sua meta de inflação. Se colocar a meta um pouco mais alta, você sai dessa zona de fragilidade fiscal. Um país que está em dominância monetária não precisa de uma meta de inflação maior. Um emergente com fragilidade fiscal, sim. Um país perto da fragilidade fiscal não deveria diminuir a meta, pois isso poderia levá-lo para a fragilidade fiscal. A Turquia tem uma meta de inflação mais alta. Mas não podemos ter a mesma do Chile, que é 3%. Da mesma forma que os chilenos sabem que não podem ter 2%, que seria igual aos Estados Unidos. Para aumentar agora a meta, pode ser complicado, pois isso pode ser interpretado como licença para gastar.


Valor: O Brasil, em sua visão, não está em dominância fiscal. Por quê?


Araújo: Acho que estamos numa situação perigosa porque, se aumentarem muito os juros, podemos entrar em dominância fiscal. A relação dívida/PIB vai aumentar. O que está contribuindo para a alta da dívida são os próprios juros. Isso eu verifico claramente no meu modelo, quando o país está na zona de fragilidade fiscal e sofre um choque ruim. Veja a posse de Trump, que descreve bem essa situação. Traz mais uma incerteza, ninguém sabe muito bem o que pode acontecer. Os mercados ficaram mais nervosos, e o dólar subiu. Se você está com uma meta que não deveria ser a sua meta, pior ainda.


Valor: O que acontece se você coloca a meta de inflação muito baixa, estando na situação de fragilidade fiscal?


Araújo: Vai ter uma inflação muito maior. Ninguém acredita nos seus títulos, que passam a exigir juros cada vez maiores. O governo monetiza e tem uma inflação muito maior. Eu não gosto de inflação. Mas detesto ainda mais as grandes inflações.


Valor: Hoje, temos uma meta contínua de 3%. O que, na prática, o Banco Central e o governo podem fazer diante dessa realidade?


Araújo: Têm que fortalecer o arcabouço fiscal. Algumas medidas que já foram anunciadas pelo governo são muito boas. O supersalário, por exemplo. Não está definido que existe um teto salarial? Como algumas pessoas ganham acima dele? É preciso parar de contratar funcionários e não conceder aumentos salariais. Mas acho que não se deve seguir a ferro e fogo o centro da meta [de inflação]; acho que isso é impossível. A meta contínua é uma boa ideia. Devíamos atingir, o mais rápido possível, no ano que vem, ou em algum momento, a parte de cima da meta.


Valor: Ou seja, em vez do centro de 3%, o Banco Central deve trabalhar no intervalo de tolerância, que vai até 4,5%?


Araújo: Não quero dar um conselho específico ao Banco Central, mas acho que seria razoável pensar dessa forma.


Valor: Tem muita gente que acha que, se o Banco Central desistir do centro da meta, haverá uma desancoragem adicional de expectativas.


Araújo: Já está tudo desancorado.


Valor: O argumento é que, se mudar a meta, desancora mais e o custo fica mais alto.


Araújo: Não estou fazendo uma recomendação normativa. A questão é que, se você continuar subindo o juro, pode chegar na dominância fiscal. O perigo maior, para mim, é esse.


Valor: O sr. está propondo não apenas ter mais flexibilidade utilizando o intervalo de tolerância da meta, mas também medidas fiscais. O que pode ser feito?


Araújo: O governo deve tentar fazer um pouco mais do que o arcabouço. Há coisas que têm que ser feitas em outra magnitude, mais complexas, como uma nova reforma da Previdência e a reforma administrativa. São, obviamente, coisas muito difíceis de superar em dois anos. É algo para fazer no começo do mandato. Este governo fez uma reforma muito importante, do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), que não é perfeita, mas foi muito boa. E teve o arcabouço fiscal, que podia ter sido mais forte, mas houve essa opção. Fortalecer o arcabouço fiscal acho que é essencial.


Valor: Muitos economistas entendem que esse arcabouço é insuficiente para garantir uma trajetória sustentável da dívida pública.


Araújo: Essa é uma discussão mais complexa. Um dos fatores que definem a relação entre a dívida e o PIB é a taxa de juros. A taxa de juros é definida em função de sua meta de inflação. É o equilíbrio geral; deve-se olhar de forma integrada, interativa. A meta obriga o Banco Central a colocar o juro do tamanho de um bonde. Isso não afeta a relação entre a dívida e o PIB? Veja bem: inflação é ruim. Mas perder a credibilidade porque você não cumpre a meta é muito ruim também. Você perde a credibilidade porque coloca uma meta que não cumpre. Quer ver os Estados Unidos perderem a credibilidade? Bota a meta em 1% para o ano que vem.


Valor: O pacote lançado no final de novembro decepcionou o mercado porque mostrou pouca vontade política do governo para enfrentar o problema.


Araújo: O ajuste fiscal, a gente tem que ver a magnitude dele. Um ajuste fiscal para justificar essa meta de inflação? Esquece. Esquece, esquece, esquece. O Brasil está há décadas para fazer e nunca fez. Há alguma confusão das pessoas sobre isso. Muitos dizem que não cumprem a meta de inflação por causa do fiscal, que está ruim. Mas, em quatro anos de independência do Banco Central, não cumpriram a meta em três anos. Em um ano, cumpriram na beiradinha. O que é o ajuste fiscal? Essa é uma expressão vaga. Sou favorável a mudar o Brasil. Posso citar várias coisas que vão deixar você de boca aberta. Mas, no curto prazo, você não vai ser capaz de fazer tudo isso. Agora, fazer um arcabouço fiscal mais duro, que é o que pode ser feito, eu acho que sim.


Valor: O que seria possível fazer?


Araújo: Tem que fortalecer o arcabouço fiscal e gerar um superávit. E ter avanços nas reformas micro, como a regulamentação do IVA. O governo está falando na nova Lei de Falência. Acho delicado, porque o que passou na Câmara não foi como o governo queria. Essa seria a terceira reforma e, como saiu da Câmara, piora as anteriores. Outra reforma importante é a Lei de Resolução Bancária. Acho que ela tem um defeito: dá poder ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC) de intervir em bancos grandes. É diferente de entrar em pequenos e médios. Nos grandes bancos americanos, quem intervém é o Fed junto com o Tesouro. No Brasil, deveria ser o mesmo. Nosso FGC tem gerência privada. Se colocá-lo para usar recursos públicos nas intervenções, seria complicado. Deveria ser o Banco Central quem faz as intervenções. Uma coisa muito importante, que acho que não deveria deixar recuar, é a reforma trabalhista feita oito anos atrás. O Supremo Tribunal Federal está mexendo muito nela. Está havendo um aumento de casos trabalhistas. É uma questão judiciária, mas o STF tem que ser alertado.

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