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Fernando Dantas: Brasil ainda está antecipando política monetária das grandes economias?
Quando o Banco Central (BC) elevou a Selic de 2% para 2,75% em março de 2021, a autoridade monetária brasileira pulou na frente em termos globais na decisão de iniciar um ciclo de aperto monetário para conter o surto inflacionário da Covid. O Federal Reserve (Fed, BC dos EUA) só começou a elevar os Fed Funds, taxa básica norte-americana, um ano depois, em março de 2022.
O BC brasileiro fez sua primeira redução de juros em setembro de 2023, e o Fed, em setembro de 2024. Agora, o Brasil retomou a elevação da Selic em setembro de 2024, mas a expectativa não é a de que o Fed venha a elevar a sua taxa básica no horizonte principal das projeções de mercado. A visão de muitos é que o Brasil errou a mão na política econômica, com excesso de estímulo fiscal durante a pandemia e depois, e criou para si mesmo um novo soluço inflacionário, a ser combatido com mais um ciclo de alta da taxa de juros.
Mas o economista Samuel Pessôa (Julius Baer Family Office e IBRE-FGV) vê como provável que a nova guinada de política monetária no Brasil a partir de setembro possa, sim, ser de novo um movimento que antecipa o que pode ocorrer em outras partes do mundo. Uma ressalva importante é que Pessôa não considera que o Fed vá elevar as taxas de juros, mas sim que o ciclo de queda atual possa ser menor do que se supõe, com uma taxa terminal ainda bastante elevada para os padrões recentes (antes da alta inicial para combater a inflação da pandemia).
No Brasil, diz o economista, um erro de avaliação fundamental foi sobre a temperatura da economia em 2024. Em dezembro de 2023, Pessôa previu que a economia ia crescer 1,5% este ano, e que a inflação seria de 4%. Hoje, ele diz, caminha-se para crescimento de 3,5% e a inflação deve ficar por volta de 5%. O aquecimento do mercado de trabalho também surpreendeu, com a taxa de desemprego caindo para pouco mais de 6%, possivelmente um recorde de baixa desde pelo menos 2000.
Pessôa traça um paralelo com os Estados Unidos, onde também a atividade econômica vem surpreendendo constantemente, com previsão de crescimento anualizado no último trimestre de 3%, e uma expansão do PIB no ano ligeiramente abaixo desse nível. A surpresa de crescimento nos Estados Unidos, em relação às previsões um ano antes, está em torno de 1,2 ponto porcentual (pp), enquanto a do Brasil é de aproximadamente 2pp, nota o economista. Já a inflação americana também está um pouco mais elevada que as projeções, mas o destaque são indicadores como serviços, cujo “supernúcleo”, que exclui aluguéis, tem flutuado em torno de 4,4%.
Recentemente, empurrado por declarações de Jerome Powell, chairman do Fed, e de outros diretores, o mercado reprecificou o ciclo de queda à frente, no sentido de reduzi-lo.
“A impressão é de que os Fed Funds [hoje na faixa 4,25-4,50%] vão ser cortados mais uma ou duas vezes, talvez nem duas, e acho que tem chance de a taxa básica se estabilizar por um ou dois anos em torno de 4%”, diz Pessôa.
O economista também vê possibilidade de surpresas em termos de encurtamento do ciclo de afrouxamento monetário na Europa, em que as taxas de desemprego estão em níveis históricos de baixa. Já o baixo nível de utilização da capacidade na indústria na Europa, que muitos interpretam como ociosidade conjuntural, corresponde, na visão do analista da JBFO e do IBRE, a uma mudança estrutural, ligada à desindustrialização na esteira da competição com a China. Pessôa acrescenta que a inflação de serviços na Europa também se estabilizou em nível muito acima da meta de inflação de 2%.
“Considero que podemos ter taxas terminais desse ciclo de afrouxamento monetário nos Estados Unidos e na Europa bem mais baixas do que se supunha, mas essa percepção deve ficar clara dentro de uns seis meses, no caso americano, e dentro de um ano, no caso europeu”, prevê o economista.
Se isso for verdade, ele diz, é mais uma má notícia para o Brasil, porque o juro alto no resto do mundo pressiona os juros domésticos ainda mais para cima.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras.
O colunista entra de folga de final de ano e volta a escrever neste espaço em 3 de janeiro de 2025.
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