Milei conquistando adesões

 Após quase um ano no cargo, Javier Milei começa, enfim, a ganhar confiança dos CEOs

Executivos têm vislumbre de otimismo com mudanças como redução de limites à importação. Mas sentimento ainda não se converteu em novos projetos

A decisão de Milei de desvalorizar o peso após assumir o cargo em dezembro passado e as medidas de austeridade levaram a economia à recessão.As empresas ficaram com saldos de caixa reduzidos e demanda enfraquecida.

Mas os executivos gostam da forma como o presidente está eliminando medidas protecionistas e reduzindo a burocracia – e começam a ver um caminho para lucros em um mercado que há muito tempo se mostrava frustrante.

Para Alexander Seitz, da Volkswagen, o ponto de virada foi quando Milei facilitou os controles de importação, reduzindo o período de financiamento de 180 para 30 dias. Isso facilita o pagamento previsível aos fornecedores, sem se preocupar com oscilações cambiais.

— As medidas do governo agora estão indo na direção certa —disse Seitz na semana passada em uma entrevista em São Paulo. — Eu me concentro muito mais no meu negócio e posso realmente trabalhar em questões operacionais, e não em questões financeiras complexas.


O otimismo cauteloso de Seitz e outros executivos, de setores como finanças e commodities, tem, no entanto, demorado para se traduzir em novos investimentos.

Muitas empresas se decepcionaram com a anterior guinada da Argentina para políticas pró-mercado, que terminou em 2019, quando o partido peronista derrotou o presidente Mauricio Macri e voltou ao poder. Os investidores dizem que querem ver a remoção completa dos controles cambiais antes de estarem dispostos a se comprometer.

Mas um sentimento crescente está tomando forma de que desta vez é diferente. O Nubank, que em maio se tornou a instituição financeira mais valiosa da América Latina, está reavaliando as perspectivas para a Argentina depois de descartá-la anos atrás. O Mercado Livre, que tem sede no país, tem observado um aumento nas vendas. A atividade de emissão de títulos corporativos também subiu, já que os emissores veem uma onda de demanda.

— É impossível ignorar o que ele está fazendo — disse o CEO do Nubank, David Vélez, sobre os esforços de reviravolta de Milei em uma entrevista durante o Bloomberg New Economy no B20, em São Paulo, na semana passada. —Acho que a velocidade com que a situação na Argentina tem mudado impressionou absolutamente todo mundo.

Mesmo com a economia mergulhada em recessão, as empresas estão otimistas de que uma recuperação inicial não seja mais uma das muitas falsas esperanças da Argentina.

Andre Chaves, chefe da unidade de pagamentos Mercado Pago no Brasil, que pertence ao Mercado Livre, disse que o aumento de vendas do grupo no país está incentivando a empresa a aumentar as atividades de concessão de crédito.

— Agora que as coisas estão melhorando, estamos acelerando novamente muito rápido na Argentina — disse Chaves. — O ambiente de crédito melhorou significativamente e, com um pouco mais de previsibilidade (taxas de inflação e de juros) estamos mais confortáveis em estender mais empréstimos também.

Pobreza ainda atinge metade dos argentinos.

Os executivos ainda têm uma perspectiva econômica moderada para o próximo ano, já que o país emerge de uma de suas piores crises, com mais da metade dos argentinos vivendo na pobreza.

A Argentina ocupa a posição 126 de 190 nações em facilidade de fazer negócios, logo à frente do Irã, de acordo com o Banco Mundial. O investimento estrangeiro continua baixo, e o setor privado cortou empregos formais com carteira assinada por 11 meses consecutivos até julho, segundo dados do governo.

— Não haverá uma explosão milagrosa de crescimento no próximo ano — afirmou Fabian Kon, CEO do Grupo Financiero Galicia, principal banco privado da Argentina, em uma entrevista concedida em 18 de outubro, durante a conferência empresarial Coloquio IDEA, em Mar del Plata. — Mas o importante não é que o país cresça tanto neste primeiro ano, mas que o faça de forma sustentável nos próximos cinco anos.

Polarização política na Argentina: tanto manifestações contra, quanto a favor do governo Milei crescem no país

Apesar das manifestações contra o governo se multiplicarem na Argentina, pesquisa divulgada em maio mostrava que a popularidade de Milei continua em alta, entre 47% e 51% tem uma visão positiva do presidente.

Isso criou um dilema do tipo "o ovo ou a galinha", no qual o governo chama as empresas para contratar e investir, enquanto os executivos pedem que o governo acelere a remoção dos controles de capital. Mas isso é algo que Milei e o ministro da Economia, Luis Caputo, ainda não estão dispostos a fazer, mesmo enquanto tentam delinear um cronograma mais firme antes das eleições de meio de mandato no próximo ano.

Alguns executivos se resignaram à incerteza do plano de Caputo para desmantelar a estrutura dos controles cambiais e de capital da Argentina. Para investir, eles querem ver Milei cumprir sua promessa de remover as restrições enquanto mantém a inflação e o peso sob controle.

— Para aqueles do setor empresarial, cabe a nós sermos pacientes — disse Gabriela Renaudo, que supervisiona as operações da Visa Inc. na Argentina, na conferência de Mar del Plata.

Não se trata apenas de movimentar dinheiro para dentro e fora da Argentina. As empresas também ainda enfrentam dificuldades de recrutamento e retenção que começaram durante o governo anterior. Empresas de tecnologia como a Oracle, que conta com quase 480 funcionários na Argentina, estão ajustando os salários dos trabalhadores em pesos para acompanhar a inflação, enquanto concorrentes no exterior disputam o mesmo grupo de talentos com ofertas de emprego em dólares.

Muitas empresas ainda não investiram em novos projetos após Milei ter aprovado reformas favoráveis aos negócios que oferecem incentivos fiscais para projetos acima de US$ 200 milhões em determinados setores. A maioria dos executivos prevê uma recuperação difícil pela frente.

— Será uma maratona, não uma corrida de 100 metros — disse Gustavo Salinas, CEO da Toyota Motor na Argentina, em uma entrevista. — Eu gostaria de correr os 100 metros e poder vencer, mas é preciso correr devagar e com segurança para chegar aos 42 quilômetros.



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