Contra o Estado, G.K. Chesterton
O livro traz transcritos dois grandes debates públicos do grande escritor e pensador inglês do século XX em face de dois titulares de Prêmio Nobel de literatura. Daí a ênfase na genialidade de Chesterton (1874-1936) diante de Bertrand Russel (1872-1979), filósofo já celebrado desde o início do século, e Bernard Shaw (1856-1950), dramaturgo de renome internacional, premiados com o Nobel em 1950 e 1925 respectivamente.
Na época em que o debate público não se cingia apenas aos círculos acadêmicos e políticos de universidades e Parlamento, mas era abrangente e frequente através da intermediação de uma imprensa e rádio como veículos de alta cultura e não apenas de narrativas de grupos de interesses e entretenimento vulgar. Uma imprensa com ideais para além de opiniões a vender.
Ambos os debates, transcritos em livro, ocorreram com transmissão ao vivo pela BBC, em 1927, com Bernard Shaw sobre a propriedade privada e coletiva e o papel do Estado, e com Bertrand Russel, em 1935, sobre a educação pública e privada, ou “Quem deve criar os nossos filhos?”, este já um ano antes do prematuro falecimento de Chesterton.
Aqui vale a pena ter em perspectiva que o grande debate público da época não se restringia apenas as concepções socialistas e capitalistas que caracterizaram a política mundial com a ascensão do sistema comunista soviético a partir de 1905 e 1917, e a consolidação do livre mercado norte-americano com a proteção da competição instituída pelo Sherman Act de 1890. Na verdade, duas concepções bem diversas do princípio da liberdade de iniciativa e do papel do Estado na economia resultaram na terceira via do distributismo como um forte divisor de águas, muito antes das propostas da social-democracia ou da democracia cristã do continente europeu. Todavia se exauriu no transcurso do século com a polarização crescente entre as figuras retóricas do capital x trabalho.
A doutrina distributivista até a escalada da segunda grande guerra ainda era polo de uma fértil crítica, tanto da centralização da economia planejada pela burocracia do Estado, quanto da concentração ilimitada da renda capitalista. Como vemos, uma questão essencial do conceito de liberdade da ação humana versus as garantias de justiça e equidade como objetos da filosofia política desde a Antiguidade clássica. Tenhamos em tela a recém-editada encíclica Rerum Novarum pelo papa Leão XIII, de 1891, que se consolidou como “doutrina social da Igreja” em 1931, com a encíclica Quadragesimo Anno, do papa Pio XI. Estas, por sua vez, inspiradoras da tese distributivista do economista, crítico, historiador e poeta franco-inglês Hilaire Belloc (1870-1953), lançada pela sua obra O Estado servil, de 1912, e razão da grande admiração e amizade do próprio Chesterton.
Se o primeiro debate com Russell a questão da extrapolada competência do Estado na própria educação das crianças é desmontada pela denúncia de uma simples falácia de espantalho por Chesterton, uma vez que a garantia da sobrevivência física dos futuros cidadãos não abrange a formação do caráter como expressão de virtudes que só aos pais naturais compete prover a seus filhos, no debate com Shaw a questão se amplia incomparavelmente, uma vez a centralidade da propriedade dos meios de produção, das terras de plantio, dos mares dos pesqueiros, da caça das florestas e das minas de minérios nobres, até instrumentos, equipamentos e cabedais dos mestres de artes, profissionais liberais e prestadores de serviços.
O resumo final de Chesterton é de uma clareza e simplicidade luminares quando, se referindo a Bernard Shaw, conclui que, se a proposta de distribuição do grande autor fabiano inglês é relativa à riqueza, a sua proposta como conservador e cristão, ao contrário, é a de distribuição do poder.
Trata-se, enfim, de mensagem bastante oportuna para países que, pela omissão de elites ignorantes ou interessadas apenas em acumulação de riqueza, acabam por aumentar o déficit de cidadania do povo para fazer frente aos sanguessugas do estamento burocrático incrustrados nas tetas do estado.
Rio de Janeiro, Flamengo, 23 de junho de 2025
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