News 0302
NEWS - 03.02
Desafio do Congresso em 2025 é aprovar o Orçamento e as 25 prioridades de Haddad / Negociações têm início nesta segunda-feira em reunião de Lula com os novos presidentes das Mesas, Hugo Motta e Davi Alcolumbre- Valor 3/2
Estevão Taiar / Fernando Exman / Caetano Tonet / Renan Truffi / Marcelo Ribeiro /
Gabriela Guido
Definidas as novas mesas diretoras do Congresso Nacional, o governo federal tem agora dois desafios principais na frente econômica: aprovar tanto o Orçamento de 2025 quanto uma série de medidas ao longo do ano consideradas prioritárias pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. As negociações devem começar nesta segunda-feira, com a primeira reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os novos presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
Alcolumbre e Motta foram eleitos no sábado para comandar as casas legislativas, com ampla margem e apoio tanto do governo quanto da oposição. Logo após os resultados, Lula parabenizou publicamente ambos. Integrantes da equipe econômica do governo também esperavam apenas a definição das disputas no Congresso para marcar reuniões com os novos comandantes do Legislativo. Após a eleição, Haddad afirmou por meio de sua conta no X que os dois são “pessoas com disposição de contribuir com nosso país”.
No curtíssimo prazo, o maior desafio é a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2025, que está em tramitação na Comissão Mista de Orçamento (CMO).
“Os dois presidentes eleitos têm uma grande responsabilidade: entregar para o Brasil o Orçamento”, disse a jornalistas o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, após a eleição de Alcolumbre. Dias licenciou-se do cargo de ministro e reassumiu temporariamente sua cadeira no Senado pelo PT do Piauí para participar da eleição da mesa. “A entrega do Orçamento é a pauta mais importante neste momento.”
Em entrevista coletiva concedida no sábado, o relator do Ploa, Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que o texto ainda tem muitas “pendências”, como a falta de previsão de recursos para os programas Pé de Meia e Gás para Todos. O relator projeta que o Ploa será votado pela CMO em 10 de março. Até que o texto seja sancionado, o governo só poderá executar 1/18 dos gastos mensais previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Nos bastidores, parlamentares do Centrão apontam dois obstáculos para que o Ploa receba um aval mais célere: as negociações sobre as mudanças no primeiro escalão do governo e novos atos que apaziguem a ainda vigente crise causada pelo bloqueio de emendas parlamentares.
“Todos voltam aos trabalhos com foco na aprovação do Orçamento, mas é preciso um gesto do governo. As conversas sobre a reforma ministerial precisam ganhar ritmo para que o novo desenho da Esplanada supra o apetite de algumas legendas por cargos mais robustos. Também precisamos de acenos mais claros de que o fluxo da chegada de verbas públicas às nossas bases eleitorais será normalizado. Sem isso, é difícil reverter o mau humor de deputados e senadores com o Executivo”, avaliou um líder prestigiado do blocão do qual Alcolumbre e Motta são integrantes.
Em prazos mais longos, a avaliação da equipe econômica é que, das 25 prioridades da frente econômica estabelecidas para este ano, é possível aprovar ou implantar aproximadamente 15 delas. A lista das 25 medidas foi apresentada por Haddad em reunião ministerial comandada em janeiro por Lula.
Nesse grupo de 25 propostas, 14 já estão em tramitação no Congresso ou terão projeto de lei apresentado pelo governo. As outras são mudanças que não precisam da aprovação dos parlamentares, como alterações realizadas por meio de portarias.
A ideia da equipe econômica é que as mudanças que necessitam de aval do Congresso sejam aprovadas ainda neste ano, já que a eleição presidencial de 2026 tende a atrapalhar debates mais amplos. Um desenho inicial estabelecido por integrantes do governo envolve a aprovação da grande maioria dos projetos neste primeiro semestre.
Entre eles, está o projeto de lei complementar que termina de regulamentar em termos legais a reforma tributária sobre consumo, ao instituir o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O texto aguarda despacho da mesa do Senado.
Deputados esperam que eventuais mudanças feitas no texto sejam alinhadas com a Câmara para evitar que a tramitação se arraste por mais tempo do que o previsto, caso seja necessária uma nova apreciação da casa comandada por Motta.
Davi Alcolumbre: para líderes ligados ao presidente do Senado, isenção do IR terá dificuldades para ser aprovada — Foto: Andressa Anholete/Agência Senado - 1/2/2025
Interlocutores do novo presidente da Câmara destacam que tanto ele quanto Alcolumbre teriam o desejo de garantir o avanço da medida rapidamente para conquistar uma primeira marca já nos primeiros meses de suas gestões.
Outros projetos estão ligados à questão fiscal e fazem parte do pacote de ajuste das contas públicas apresentado pelo governo federal em novembro do ano passado. Exemplos são o texto que limita os chamados “supersalários” do funcionalismo público e outro que aumenta a idade mínima de aposentadoria dos militares.
O primeiro será tratado por meio de um projeto protocolado em 2021, que aguarda relatório na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O segundo espera despacho da mesa da Câmara dos Deputados. O assunto deve enfrentar resistência da oposição e da bancada da bala, que promete não economizar nas ferramentas para barrar o avanço da medida.
Há ainda projetos que tratam de infraestrutura e questões microeconômicas, a exemplo da nova Lei de Falências, que aguarda despacho da mesa do Senado, e da modernização dos regimes de concessão e parcerias público-privadas (PPP).
No sábado, o relator da modernização das concessões e PPPs, deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), afirmou que um novo texto está sendo elaborado em conjunto com o Ministério da Fazenda e a iniciativa privada, substituindo um projeto anterior. A expectativa é que o novo texto fique pronto em março. No ano passado, o plenário da Câmara aprovou o requerimento de urgência para acelerar a tramitação.
Para o segundo semestre, o planejamento da equipe econômica estabelece que fique apenas a mais polêmica das medidas: a isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas que ganham até R$ 5 mil, com a consequente cobrança de uma alíquota efetiva mínima de 10% para pessoas físicas que ganham mais de R$ 50 mil por mês. Promessa de campanha de Lula, a proposta foi apresentada pelo governo em novembro do ano passado, junto com o pacote de ajuste, embora tenha enfrentado resistências da equipe econômica. O texto que trará as mudanças ainda não foi oficialmente apresentado pelo governo.
Mas a isenção do IR, segundo líderes próximos a Alcolumbre, terá dificuldades para ser aprovada. De acordo com as fontes, a proposta de compensação precisará ser melhor trabalhada para não provocar novas reações negativas no mercado e colar no governo a imagem de “taxador”. Aliados de Motta concordam que a proposição deverá enfrentar resistências, mas ponderam que esse ambiente desfavorável poderá ser superado caso o governo consiga comunicar bem as compensações fiscais.
Por outro lado, a equipe econômica tende a enfrentar dificuldades na Câmara para aprovar a proposta contra o chamado “devedor contumaz”, considerado importante para combater o crime organizado e a concorrência desleal. Não há consenso na base em relação ao texto, que tem apoio do setor produtivo e agentes do mercado.
Segundo o Valor apurou, Hugo Motta e o ministro da Fazenda mantêm uma boa relação. A expectativa é que o deputado diga, durante o encontro com o presidente Lula, que a agenda do ministro da Fazenda terá seu apoio. No caso do Senado, Haddad contou com a ajuda do agora ex-presidente da casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para se aproximar de Alcolumbre.
“Sem o Davi não teria PEC da Transição, arcabouço fiscal e reforma tributária”, afirmou no sábado durante a sessão o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP).
Lideranças próximas de Alcolumbre avaliam que o governo precisa focar em temas mais consensuais neste primeiro semestre, para garantir a melhora da imagem na condução da pauta econômica.
“O ideal é que sejam pautas com menos teor ideológico”, afirmou uma dessa fontes, acrescentando que têm mais chances de prosperar as propostas voltadas à melhoria do ambiente econômico e medidas microeconômicas.
Entre esses temas, estão justamente a criação do Comitê Gestor do IBS e a nova Lei de Falências. O novo líder do PSD no Senado, Omar Aziz (AM) é cotado para ser o relator do texto que cria o Comitê Gestor.
Em levantamento sobre as 25 medidas, o Centro de Liderança Pública (CLP), instituto de avaliação de políticas públicas, destaca que o pacote tem o potencial de “promover crescimento econômico, ampliar a competitividade do país e atrair investimentos nacionais e estrangeiros”. Mas afirma que as medidas enfrentam “o desafio de coordenação entre diferentes esferas governamentais” e dependem “de tramitações legislativas complexas para sua implementação efetiva”. Das 14 propostas que precisarão da aprovação do Congresso, o CLP é totalmente favorável a quatro e favorável com ressalvas a cinco. Outra é considerada insuficiente, e sobre três o instituto afirma que faltam informações para uma avaliação mais completa. O CLP se diz contrário apenas a uma única medida, a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil mensais.
“No curto prazo, essa reforma poderia até trazer alívio para as faixas de renda mais baixas e médias, mas, no médio e longo prazo, implicaria riscos à sustentabilidade do orçamento público e à busca por um sistema tributário mais amplo e equilibrado”, afirma.
Para além da pauta econômica, Motta afirmou em entrevista coletiva concedida no domingo para veículos da Paraíba que as pautas de costume não são prioridade.
“Essas pautas ideológicas, as pautas de costumes, penso eu que não estão na prioridade do dia. É um debate interessante, às vezes até nos motiva mais do que debater coisas mais burocráticas, mas o que temos visto ao longo do tempo? Essas pautas muito mais dividem o país do que trazem benefícios imediatos”, disse, segundo o portal g1.
Ele também afirmou que o projeto que concede anistia para os envolvidos nas invasões às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro será debatido nos próximos dias. O texto está na Câmara.
“É o que mais divide a casa hoje. Temos o PL que defende a votação da anistia, enquanto o PT defende que o assunto não seja votado”, disse. “Será um tema levado para essas reuniões [com líderes] nos próximos dias, e vamos conduzir com a maior imparcialidade possível.”
Após eleição de Motta e Alcolumbre, ministros e líderes no Congresso esperam avanço de reforma ministerial- O Globo 3/2
Victoria Abel
Confirmadas as vitórias do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) para comandar, respectivamente, o Senado e a Câmara, integrantes do governo e líderes governistas do Congresso acreditam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve avançar com mudanças na sua equipe de ministros. A expectativa que é que as trocas possam ser anunciadas ainda nesta semana.
De acordo com ministros e líderes governistas ouvidos em caráter reservados, Lula esperava a nova configuração do Legislativo para definir as mudanças em conjunto com deputados e senadores. Nesta segunda-feira, o presidente de se reunir com os novos eleitos.
Aliados de Motta afirmam que o novo presidente da Câmara deve tentar convencer Lula da necessidade de uma mudança na Secretaria de Relações Institucionais do Planalto, órgão responsável pela mediação com o Executivo. Mesmo que a relação de Motta com Alexandre Padilha seja melhor do que a mantida pelo ministro com o ex-presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a troca é vista como necessária pelo grupo.
Líderes de partidos do Centrão argumentam que Padilha está desmoralizado diante dos demais parlamentares, principalmente por causa do impasse envolvendo as emendas parlamentares do fim de 2024.
O círculo mais próximo de Motta defende ainda que a Secretaria de Relações Institucionais saia das mãos do PT e fique sob o comando de um partido de centro, seja MDB ou PP. O líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), além de Lira, são dois dos nomes citados como opção para o cargo.
Também é uma reivindicação do Centrão que seja ampliada a representatividade da Câmara na Esplanada dos Ministérios. Lira afirmou em entrevista ao GLOBO na semana passada que o Senado foi priorizado na construção ministerial de 2023.
A mudança na articulação política é considerada a mais fundamental pelos líderes do Centrão, já que há projetos importantes a serem negociados pelo Palácio do Planalto com o Congresso, como a proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Orçamento, PL e Lira podem embolar mapa de comissões / Expectativa é que negociações para a distribuição do comando das comissões sejam encerradas apenas depois do carnaval, em março- Valor 3/2
Marcelo Ribeiro / Murillo Camarotto
Com a chegada de Hugo Motta (Republicanos-PB) à presidência da Câmara, as negociações sobre a distribuição dos comandos das comissões permanentes devem ganhar ritmo a partir desta semana, mas o PL ameaça embolar a construção desse mapa, já que promete requerer o direito de estar à frente de seis colegiados da Casa - um a mais do que nos anos anteriores da atual legislatura. O embate direto entre MDB e União Brasil pela relatoria do Orçamento gera reflexos na definição de quem presidirá a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), principal colegiado da Câmara, o que também deve fazer com que as articulações para a distribuição dos espaços se arraste por algumas semanas.
Segundo apurou o Valor, o tema das comissões deve ser abordado por Motta em sua primeira reunião com líderes partidários, marcada para esta segunda-feira. O novo presidente da Câmara ouvirá as demandas de cada uma das legendas e tentará, a partir daí, avançar na construção de um acordo para que os postos sejam distribuídos a contemplar todas as siglas aliadas. Eleito com 444 votos, Motta contou com o apoio formal de 17 partidos e não quer desagradar a nenhum deles, pelo menos nesse início de gestão.
Apesar da disposição do paraibano em negociar, fontes do Centrão avaliam que dificilmente as presidências das comissões serão assunto encerrado antes de março. A expectativa é que o mapa seja construído ao longo das próximas semanas, mas que o martelo seja debatido apenas após o carnaval.
Articulações para a distribuição dos espaços deve se arrastar por algumas semanas
Um dos obstáculos para a concretização rápida da divisão dos espaços é a disputa entre deputados do União e do MDB pela relatoria do Orçamento, posto que não é designado por Motta, mas tem impactos na definição de quem ficará com a presidência da CCJ.
Em acordo costurado pelo ex-presidente Arthur Lira (PP-AL) ainda em 2023, ficou estabelecido que PT, PL, MDB e União se revezariam á frente da principal comissão da Câmara até 2026. Rui Falcão (PT-SP) e Caroline de Toni (PL-SC) presidiram o colegiado em 2023 e 2024, respectivamente. Em 2025 e 2026, a principal cadeira ficará com os outros dois partidos.
Originalmente, a relatoria do Orçamento ficaria com o União neste ano, mas o MDB pleiteia o posto por ter embarcado na candidatura de Motta antes da legenda de Elmar Nascimento (União-BA), que chegou a colocar seu nome para suceder Lira. Lideranças do União por sua vez, alegam que, apesar do atraso em endossar a postulação do paraibano, entraram na base de apoio do deputado do Republicanos.
A avaliação é que apenas após a resolução desse impasse será possível ter mais clareza sobre a distribuição dos colegiados.
Partido com a maior bancada da Casa, o PL deve recorrer ao regimento interno e exigir o direito de presidir seis comissões no próximo biênio. Em 2023, a sigla fechou um acordo com Lira para destravar as negociações em torno da distribuição dos principais postos na CCJ e na Comissão Mista do Orçamento (CMO). Na época, cedeu o comando de um dos colegiados ao qual teria direito para o PDT.
“É só uma questão de regimento interno. É nosso direito regimental. Não vamos abrir mão de nenhum direito. Pela proporcionalidade, temos direito a seis presidências de comissões. No primeiro biênio, cedemos uma delas em negociação feita pelo nosso ex-líder Altineu Côrtes (PL-RJ), novo vice-presidente da Câmara. Se era o PDT o beneficiado, eu nem sabia. Não é questão de ser contra nenhum outro partido. É só o cumprimento do nosso direito regimental”, explicou o líder do PL na Casa, Sóstenes Cavalcante (RJ) ao Valor.
O movimento deve provocar reação dos pedetistas. Novo líder do PDT, o deputado Mário Heringer (MG) afirmou que lutará para que a legenda mantenha seus espaços na Casa e nas comissões.
A eventual permanência de Lira no Congresso, caso o alagoano decida não integrar a equipe ministerial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também pode afetar a distribuição das comissões. Isso porque parlamentares do Centrão já adiantam que não aceitarão que o ex-presidente da Casa fique no Legislativo sem ter um papel de destaque. Para isso, seria necessário um redesenho do mapa dos cargos. Esse capítulo, porém, dependeria do eventual convite de Lula e da resposta do deputado do PP.
Os recados do novo presidente da Câmara para Supremo e Lula no discurso de posse- O Globo 3/2
Malu Gaspar
O discurso de posse de Hugo Motta (Republicanos-PB) foi entendido na base governista e na esquerda como símbolo de uma guinada para a conciliação no comando da Câmara dos Deputados, pelas citações a Ulysses Guimarães, à democracia e ao filme “Ainda Estou Aqui”, sobre a família do ex-deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura. Mas essa pode ter sido uma conclusão precipitada. Quem conhece bem o deputado e acompanhou a fala com lupa identificou ali vários recados bem preocupantes para o Supremo e para o governo.
Em meio a vários trechos em defesa do Parlamento e das emendas impositivas – que Motta disse terem representado “o fim das relações incestuosas entre Executivo e Legislativo e a afirmação e a independência como resposta” —, uma parte em especial chama a atenção. O trecho em que o novo presidente da Câmara diz ser a favor da transparência, mas “transparência total” de todos os poderes – incluindo, é claro, o Executivo e o Judiciário.
“Tem razão os que pregam por mais transparência. Sou o 1º dessa fila. Sou a favor de uma radicalização quando falamos da transparência nas contas que são, por definição, públicas”, afirmou Motta. “Por que este Parlamento, responsável que é pelo orçamento, como determina a Constituição, não oferecer à sociedade uma plataforma integrada de todos os poderes – todos -para que os brasileiros e as brasileiras possam acompanhar todas as despesas em tempo real de todos os poderes?”
A menção à “todos os poderes” é uma referência ao argumento, muito repetido por deputados sobre o embate com o Supremo Tribunal Federal em torno das emendas, de que a Corte prega transparência com o dinheiro aplicado pelo Congresso mas não informa com transparência seus próprios gastos – como por exemplo os gastos com viagens dos ministros, as passagens e hospedagens que eles recebem quando participam de eventos promovidos por empresas e associações no exterior e até mesmo os cachês que eventualmente ganham para fazer palestras.
O recado é também para o Executivo, que protagoniza um outro embate em torno do sigilo imposto a informações sobre agendas e salários de equipes de integrantes do governo, como a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.
“Na questão da transparência, o que não pode haver é opacidades e transparências relativas. Porque o princípio é da igualdade entre os Poderes. “A praça, sempre lembremos, é dos 3 e não de 1 nem de 2 poderes. E quando não é dos 3 não é a praça da democracia”, discursou Hugo Motta.
Aliados do novo presidente da Câmara afirmam que ele não será radical e nem vai botar fogo no circo promovendo crises, mas não pretende ceder ao Supremo na disputa em torno das chamadas emendas impositivas, que somaram R$ 50 bilhões em 2024.
Esse trecho do discurso mostra que ele tem a resposta pronta para o caso de o ministro Flávio Dino, relator do processo sobre as emendas pix, insistir em saber quem são exatamente os autores das emendas, quais os beneficiários e quais os critérios – obrigar todo mundo a abrir seus gastos também.
Outras falas que vão na mesma linha são “ninguém é dono da Constituição” e “passou o tempo do dedo na cara. É hora do olho no olho. O respeito não grita. O respeito ouve e se faz ouvir”.
Nesse contexto, o gesto de Motta de erguer a Constituição e gritar “viva a democracia” como fez Ulysses Guimarães, visto como um aceno contra os golpistas, também pode ser entendido como um alerta contra a “ditadura do Judiciário”.
Isso mostra que o novo presidente da deve tocar sua gestão assim, apostando na ambiguidade (ou na neutralidade) quando for possível, mas impondo limites quando se tratar da defesa das emendas ou do que ele chamou no discurso de “prerrogativas” do Congresso.
Alerta ao governo
No caso do governo, o limite desenhado por Motta tem a ver com a economia. Depois de dizer que nada é pior para os mais pobres do que a inflação e a falta de estabilidade econômicas, ele afirmou que “a estabilidade é a resultante de um conjunto conhecido e consensual de medidas de responsabilidade fiscal. Não se apaga fogo com gasolina. Não existe uma nova matriz de combate ao incêndio. Isso é apenas atear fogo com outro nome. E nosso dever é apagá-lo, pelo bem do povo brasileiro”.
Traduzindo: medidas que representem um afrouxamento da responsabilidade fiscal ou levem a mais gastos não terão chance em sua gestão.
Em resumo, quem achava que o jeito de bom moço e a fala mansa de Motta significam vida mais fácil para o governo Lula na próxima gestão deveria reler o discurso de posse e pensar um bocadinho mais.
MB/SERGIO VALE: ELEIÇÕES NO LEGISLATIVO NÃO TRAZEM GRANDES MUDANÇAS; PROBLEMA É EXECUTIVO- Broadcast 2/2
Por Gabriela Jucá
São Paulo, 02/02/2025 - O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, avalia que as eleições no poder Legislativo - com a liderança de Hugo Motta (Republicanos) na Câmara dos Deputados e de Davi Alcolumbre (União) no Senado - não devem trazer grandes mudanças para o andamento da agenda econômica. "A grande mudança macro que precisaria ser feita, que seria um ajuste fiscal mais agressivo, depende mais do Executivo, que já sinalizou que não deve acontecer", salienta.
Vale considera que a agenda da isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas que recebem até R$ 5 mil mensais deve ser o foco da pauta econômica em 2025, e não deve enfrentar dificuldades para avançar tanto na Câmara como no Senado.
A leitura do economista é de que a Câmara dos Deputados, que tinha uma abordagem política mais agressiva sob a liderança de Arthur Lira (PP), deve ser mais conciliadora com Hugo Motta. Já o Senado, que tinha uma característica mais apaziguadora com Rodrigo Pacheco (PSD), deve vir a se tornar mais negociador com Alcolumbre. "No final, não muda muita coisa. O problema vai continuar sendo o Executivo", frisa.
Vale ainda destaca que as últimas declarações de Gilberto Kassab (PSD) sobre o governo Lula antecipam o processo eleitoral, em um contexto de enfraquecimento do presidente da República. "É um cenário em que Lula chega muito enfraquecido, e estamos vendo um filme de desaceleração da economia, o que deixa a situação mais delicada. Esse enfraquecimento do presidente também paralisa qualquer processo reformista no Congresso, que é de centro-direita. Isso pode colocar mais dificuldade para as agendas que são positivas para o governo", avalia.
A lamentação de um graúdo do PT sobre a alta dos juros decretada pelo BC- O Globo 2/2
Por Lauro Jardim
Um importante líder do PT se lamentava na semana passada com a alta de um ponto percentual nos juros decretada pelo BC e com as projeções que apontam para uma recessão no segundo semestre: "Me explica como é que dá para fazer política e vencer eleição assim?".
Os desafios para a atividade econômica em 2025 / PIB deve ter desaceleração mais forte a partir do segundo trimestre, num ambiente marcado pelo quadro externo adverso e incertezas fiscais que pressionam juros- Valor 3/2
Sergio Lamucci
A economia brasileira terminou 2024 num ritmo mais fraco do que nos três trimestres anteriores, e a desaceleração da atividade tende a continuar ao longo de 2025, embora a agropecuária deva levar o PIB a um crescimento expressivo no período de janeiro a março. Juros altíssimos e o esgotamento dos estímulos fiscais e de crédito afetarão especialmente os segmentos mais cíclicos da economia, como a indústria de bens de consumo duráveis e grande parte dos serviços, avalia a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Como pano de fundo, além do cenário externo mais adverso, as incertezas sobre as contas públicas tendem a manter o dólar e os juros de longo prazo em níveis ainda muito elevados, turvando o quadro econômico neste ano.
A perda de fôlego da atividade ficará mais clara no segundo trimestre, e o risco de uma recessão técnica em 2025 - com queda do PIB por dois trimestres consecutivos - é considerável. É um ambiente de muita imprevisibilidade para as empresas, com dólar vólátil e juros básicos muito altos, e em que a inflação se mantém distante da meta de 3%. Projetos de modernização e ampliação da capacidade produtiva podem ser adiados, afetando a retomada do investimento observada em 2024.
O cenário externo será marcado por muita indefinição. Na semana passada, Donald Trump mostrou a que veio, elevando as tarifas de importação sobre México, Canadá e China, depois de algumas semanas em que se criou a expectativa de que o presidente dos EUA poderia ser brando na política comercial. Novas pressões sobre o dólar no mercado global podem aparecer a partir deste mês, o que é negativo para moedas de emergentes como o Brasil.
Ao longo de janeiro, o dólar cedeu por aqui, recuando 5,54% no mês, para R$ 5,8372. Além de o forte fluxo de saída de recursos de dezembro ter ficado para trás, a moeda perdeu força porque Trump não anunciou de imediato aumentos de tarifas de importação sobre os principais parceiros comerciais. O dólar se enfraqueceu no mercado global e a moeda no Brasil caiu abaixo de R$ 6. Esse quadro, porém, tende a mudar. Além de taxar mais as compras provenientes de México, Canadá e China, os EUA devem fazer o mesmo com a União Europeia dentro de um mês ou dois e também planejam implementar uma tarifa universal em abril, diz a Capital Economics, em relatório. Para a consultoria, a imposição de tarifas de 25% para as importações do México e do Canadá e uma taxa extra de 10% para as da China “são apenas o primeiro golpe do que pode se tornar uma guerra comercial global muito destrutiva”. Na visão da Capital, o impacto dessas tarifas e de outras medidas sobre a inflação nos EUA deve ser mais rápido e maior do que se esperava inicialmente. Com isso, a janela para cortes dos juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) nos próximos 12 a 18 meses acabou de se fechar, diz a consultoria.
Nesse cenário, é possível que o dólar por aqui volte a subir, ou pelo menos interrompa a queda que levou a cotação abaixo de R$ 5,85. Para evitar um quadro mais negativo, seria fundamental que o governo reduzisse as incertezas sobre as contas públicas, ainda o maior fator de pressão sobre o câmbio e sobre os juros de longo prazo. Sem isso, a desaceleração da economia pode ser ainda mais expressiva do que já se desenha.
Nas contas de Silvia Matos, o PIB cresceu no quarto trimestre de 2024 0,7% em relação ao trimestre anterior, depois de ter avançado 0,9% de julho a setembro. Para o primeiro trimestre deste ano, ela espera um crescimento de 1%, mas esse desempenho se deverá principalmente à agropecuária, que poderá ter alta de 10% no período.
O resultado tende a piorar significativamente a partir de abril. Para Silvia, o PIB ficará estável no segundo trimestre, recuando 0,1% no terceiro e crescendo 0,3% no quarto, em todos os casos na comparação com os três meses anteriores, feito o ajuste sazonal. Como os percentuais são baixos, é possível que haja recessão técnica, diz ela.
O mercado de trabalho deu sinais de desaceleração no fim de 2024, como mostraram os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua divulgados na semana passada. Silvia observa ainda que já há “indicação das sondagens setoriais e do consumidor sinalizando perda de fôlego. “As atividades mais cíclicas crescem menos, com desaceleração do consumo de duráveis, impactando a indústria, e os serviços ficam mais fracos também”, afirma ela. Entre os setores não cíclicos, a indústria extrativa deve ir bem, além da agropecuária. Para 2025, há o impacto sobre a atividade da Selic elevada, que poderá superar 15% ao ano, menores estímulos fiscais da União e de crédito e piores condições financeiras (o conjunto formado por indicadores como juros de longo prazo, câmbio, risco-país e ações).
O FGV Ibre estima que a economia cresceu 3,6% em 2024, devendo avançar 1,8% neste ano, com uma variação do PIB bem fraca a partir do segundo trimestre. O número “cheio” de 2025 deverá ser muito influenciado pela herança estatística de 2024, que Silvia estima em 1,3%. Isso significa que, se o PIB não crescer nada em relação ao quarto trimestre do ano passado, o crescimento de 2025 será de 1,3%. Para comparar, a herança estatística de 2023 para 2024 foi de apenas 0,2%, nota Silvia.
A desaceleração da economia em 2025, desse modo, será mais forte do que sugere a previsão de um crescimento para o ano um pouco inferior a 2%. Num momento em que o cenário externo será marcado por grande imprevisibilidade, seria ainda mais importante o governo atuar para reduzir as incertezas, concentradas no front fiscal. Nesse ambiente, é desanimadora, ainda que nada surpreendente, a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na entrevista coletiva na semana passada, afirmando que não pretende adotar novas medidas de contenção de gastos neste ano.
Sergio Lamucci é editor-executivo e escreve quinzenalmente
Claudio Adilson Gonçalez - Renegociação de dívida de Estados é bomba fiscal- Estadão 3/2
É curioso que os analistas observem com lupa qualquer sinal de desarranjo no Orçamento federal e deem pouca importância ao processo de descentralização fiscal que vem se acentuando desde 2020, e que gera enormes incertezas para as contas públicas.
Segundo dados levantados pela Fundação Getulio Vargas (FGV), as transferências da
União aos Estados e municípios (Fundos de Participação, Fundeb, Auxílios a Estados e municípios, Lei Kandir, Royalties e Participações Especiais, Fundo para o Distrito Federal e Emendas Pix), medidas a preços de setembro de 2024, subiram de R$ 390 bilhões, em 2018, para cerca de R$ 600 bilhões, em 2024, crescimento real de quase 55%. Como as unidades federativas não têm incentivos para poupar, ou seja, gastam da mão para boca, o resultado é expressivo aumento das despesas primárias totais.
Ainda segundo dados da FGV, enquanto a despesa primária da União, descontadas as transferências, cresceu 13,8% em termos reais no terceiro trimestre de 2024 contra a média dos quatro trimestres de 2019, a de Estados e municípios, até o segundo trimestre de 2024 (último dado então disponível), cresceu 38%.
A Lei Complementar n.º 212, de 14/1/2025 (LC), que instituiu o Programa de Pagamento de Dívidas dos Estados com a União, não só ampliou esse processo de descentralização fiscal, como também o estendeu para o longo prazo. Essa LC é extensa e complexa, mas, em resumo, abre várias possibilidades para a redução da taxa de juro real que os Estados pagam por suas dívidas com a União (que montam cerca de R$ 800 bilhões) para o intervalo de zero a 2% ao ano, bem como possibilita a extensão do prazo de amortização para 30 anos. Enquanto isso, para financiar os Estados, a União paga atualmente quase 10% de juro real aos detentores de títulos públicos federais. Ou seja, tratase de um enorme subsídio à custa das finanças federais.
Uma das formas estabelecidas na LC para reduzir a taxa real de juro para zero desses créditos da União é o Estado amortizar até 20% de seu saldo devedor. Mas essa amortização extraordinária não necessariamente deve ser feita por transferências de recursos financeiros para a conta única do Tesouro no Banco Central. É possível transferir ativos de várias naturezas, tais como bens móveis e imóveis, créditos, empresas estatais, entre outros. A LC estabelece apenas que tais ativos devem ser avaliados a preço justo, o que é vago e aumenta a incerteza sobre os impactos dessas operações.
Os mais favorecidos são os Estados com maiores dívidas em valor absoluto: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, ou seja, os mais ricos da Federação.
Se já é difícil estimar os custos e benefícios das políticas públicas conduzidas pelo governo federal, tal avaliação é quase impossível para 27 entes federativos. É isso o que acontece em governos politicamente fracos como o de Lula da Silva. •
Henrique Meirelles - Guardar distância de Lula fará bem a Galípolo- Estadão 3/2
O Banco Central agiu corretamente ao elevar em um ponto porcentual a Selic, para 13,25% ao ano, como havia anunciado que faria. Isso é fundamental para trazer a inflação para a meta de 3% e para ancorar as expectativas. Mas não apenas isso. É importante para Gabriel Galípolo consolidar a imagem de independência logo no início de sua gestão como presidente do BC, em um momento de certa desconfiança na economia brasileira.
Galípolo é o primeiro presidente do Banco Central escolhido sob a lei da autonomia. Foi apontado pelo presidente Lula e desfruta de proximidade com ele. O mercado desconfia da política fiscal do governo e cobrou um preço alto no final do ano por não acreditar nas medidas de controle de despesas. Assim, pode levar tempo para o mercado abandonar qualquer desconfiança de que Galípolo possa fazer algo para ajudar um governo que gasta mais do que deveria. Isso não é bom para um presidente de BC.
Já contei aqui que, ao assumir a presidência do BC em 2003, enfrentei desconfiança semelhante. Demonstramos independência logo de saída – e o mercado entendeu que não haveria leniência com a inflação.
Como disse em uma conferência na semana passada, acredito que, diante deste quadro, Galípolo deveria manter uma distância respeitosa e técnica da Presidência da República. Deveria evitar fazer muitas reuniões com ministros. Faz parte do trabalho de um presidente de Banco Central dar sinais além das decisões técnicas. Fiz bastante isso em meus oito anos no cargo. Em determinados períodos antes de reuniões do Copom, eu recusava convites e chamados para reuniões. Posso dizer que funciona.
O cargo de presidente do BC tem particularidades devido à sua missão institucional e, em certa medida, a lei da independência facilita isso. Guardar certa distância de outras autoridades pode ajudar Galípolo a consolidar a imagem de independência que está construindo e convencer alguns agentes do mercado mais céticos de que não está no cargo para ajudar o governo, mas para trabalhar pela estabilidade da economia. Deve mostrar claramente que fará o que for necessário para trazer a inflação à meta.
O momento da economia é de cautela e certa desconfiança, mas o BC tem totais condições técnicas de levar a inflação para a meta de 3%. É preciso fazer com que o mercado acredite que Galípolo e toda a diretoria tomarão as medidas necessárias para isso, independente da conveniência delas para o governo. Com isso, o BC assumirá o controle das expectativas. •
ESTADÃO/EDITORIAIS: O PACOTINHO FISCAL – 3/2
É sintomático que, ao anunciar em cadeia nacional, no final de novembro, o pacote de “corte de gastos” do governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não tenha pronunciado uma única vez a palavra “corte”. Deliberadamente ou não, foi sincero. Mesmo em sua idealização original, o pacote não trazia nenhuma redução nas despesas totais da União. Na melhor das hipóteses, desaceleraria o seu crescimento na expectativa de que ele não superasse o crescimento da economia. Como essa expectativa não era sólida, os agentes de mercado se refugiaram no dólar. Agora, o que já não era sólido se desmanchou no ar. À época se dizia que a montanha pariu um rato. Mas até o rato era ilusão de ótica.
O Orçamento de 2025 foi enviado pelo governo ao Congresso em agosto, mas sua aprovação foi adiada e deve acontecer só neste mês. Conforme apurado pelo Estadão/Broadcast, os gastos que precisarão ser incluídos praticamente empatam com os “cortes” projetados no pacote fiscal. Isso porque algumas despesas crescerão mais que o previsto e programas que foram surrupiados da proposta orçamentária original precisarão ser incorporados.
Segundo consultores do Congresso, só o impacto da inflação sobre o reajuste do salário mínimo, que forma a base de cálculo da Previdência Social, deve elevar os gastos com os benefícios em R$ 14 bilhões. As maracutaias do governo para excluir do Orçamento os gastos do Auxílio Gás (R$ 2,8 bilhões) e das bolsas estudantis do programa Pé-de-Meia (R$ 3,6 bilhões) foram desarmadas, e eles também precisarão entrar na conta. Além disso, há os R$ 8 bilhões para o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, criado pela reforma tributária para compensar empresas que perderão benefícios concedidos pelos Estados, que também não constavam da proposta orçamentária original. Tudo somado, são pelo menos R$ 28 bilhões, o que absorve praticamente todo o ajuste de R$ 29,4 bilhões estimado pela equipe econômica no pacote fiscal.
Para piorar, o aumento dos gastos pode ser ainda maior, porque a economia projetada pelo governo depende, entre outras coisas, de medidas ainda não aprovadas, como a mudança no regime de aposentadoria dos militares, e medidas administrativas que podem não ser consideradas na proposta orçamentária, como o pente-fino em benefícios sociais.
Para piorar ainda mais, as projeções de arrecadação do governo foram com toda certeza superestimadas. A única dúvida é quanto. Projetos como o do aumento das alíquotas da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido ou o dos Juros Sobre Capital Próprio estão parados no Congresso, e suas receitas dificilmente se concretizarão. As receitas extraordinárias de R$ 28,5 bilhões projetadas para 2025 após a volta do voto de qualidade pró-Receita Federal no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) são pura miragem.
Para dar uma ideia, dos R$ 55 bilhões que o governo esperava arrecadar em 2024, o Carf entregou só R$ 307 milhões, uma realidade 99,5% menor que a fantasia de Haddad.
Entre as receitas e despesas, a Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado, calcula que o governo fechará 2025 com um resultado negativo nas contas públicas de 0,7% do PIB, léguas de distância dos 2% de superávit que seriam necessários para estabilizar a dívida pública.
O apetite arrecadatório do Planalto já atingiu o limite de suas possibilidades. De resto, da maneira como o arcabouço fiscal foi projetado, o aumento das receitas eleva automaticamente as despesas obrigatórias, criando um círculo vicioso. Se algum otimista nutria a esperança de que o governo enfrentaria seriamente reformas estruturais pelo lado das despesas, como a revisão da política de aumento real do salário mínimo ou novas regras para os reajustes dos benefícios previdenciários e dos gastos mínimos com saúde e educação, ela morreu em novembro com a apresentação do pacote fiscal. Se o pacote já era apenas um pacotinho em 2024, quem o abre no ano pré-eleitoral de 2025 vê que mesmo o pacotinho está vazio.
O presidente Lula gosta de dizer que, passada a primeira metade do governo, a segunda será dedicada à colheita. Mas na seara fiscal ele só semeou vento.
'A dúvida é saber se o Brasil sofrerá taxação geral ou de produtos específicos', diz ex-vice-presidente do Banco Mundial / Para Otaviano Canuto, é questão de tempo até o país ser taxado pelo governo Trump- O Globo 3/2
Carolina Nalin
O governo brasileiro já deve ter se preparado para reagir com tarifas a uma possível imposição tarifária por parte do governo dos Estados Unidos, afirma Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial.
Para o economista, a taxação sobre produtos brasileiros - especialmente aço e alumínio - é apenas questão de tempo, assim como a que vem se desenhando sobre a União Europeia. Ontem Trump, voltou a citar o déficit comercial com o bloco, indicando que deve anunciar algo em breve.
Embora o Brasil possa seguir os passos da China e recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), Canuto aponta que a entidade está paralisada e não será o canal mais eficiente no novo cenário de fragmentação econômica global que se configura.
Canuto, que também é pesquisador do Policy Center for the New South, projeta um choque de preços como efeito imediato do "tarifaço" de Trump. Mas avalia que o Federal Reserve (banco central americano) aguardará a magnitude desses impactos para determinar os próximos passos da política monetária.
Há risco de o Brasil ser atingido por tarifas?
É uma mera questão de tempo. Trump vai anunciar algo sobre a União Europeia. É inevitável que ele não fique só nisso. O Brasil será afetado. Depois da vitória de Trump, vejo duas trajetórias possíveis na área comercial.
Uma delas, de acordo com os termos e a designação do secretário do Tesouro, tem fins transacionais ou seja, uma ameaça para negociar e obter concessões, inclusive no setor comercial dos demais países. Há uma segunda linha, dos que acreditam, de fato, que as tarifas são um mecanismo legítimo para resolver déficits comerciais. Para eles, os déficits comerciais representam um dano à economia americana.
De uma maneira ou de outra, Trump vai ter que compensar esse tiro no próprio pé, estabelecendo tarifas sobre os outros. Isso pode ser o começo de uma história dolorosa. A dúvida apenas é como isso vai chega ao Brasil. Ele pode optar por uma tarifa geral ou por medidas específicas. O nosso pessoal de aço e alumínio tem que estar preocupado agora.
O presidente Lula falou em reciprocidade. Temos condição de responder à altura?
A China vai aplicar (taxas), assim como fez no primeiro mandato do Trump. Até porque a OMC está, na prática, paralisada como órgão apelativo. O tribunal de apelação está incompleto porque os juízes que deveriam ser indicados pelos Estados Unidos não foram nomeados.
Infelizmente, a ordem global está de cabeça para baixo. Nós não temos nesse momento nenhum sistema de regras que prevaleça. Então, por isso mesmo, o Canadá não esperou ação na OMC para responder e já anunciou sua retaliação.
O Brasil pode querer fazer como a China, que prometeu entrar com processo legal, mas as ações unilaterais americanas não vão ser constrangidas esperando pela OMC. Imagino que o governo brasileiro esteja fazendo ou já tenha feito o dever de casa de verificar como poderá jogar tarifas de volta.
O Brasil tem um escopo mais limitado do ponto de vista daquilo que pode fazer feito. Os americanos poderão não usufruir tanto das exportações brasileiras de suco de laranja, de cana-de-açúcar e alguns outros produtos, mas não é tão doloroso. Mas, para o Brasil, pior é não fazer. É claro que isso pode dar lugar a outras rodadas do Trump, mas nós já vimos esse mundo nos anos 1930.
No limite, todo mundo sofre. Ainda que a dor seja um pouco maior no início para os países que vão ser afetados pelas tarifas imediatas do Trump.
Como isso vai afetar o comércio global?
Quando muita gente anteviu essa tendência de fragmentação, esse movimento foi visto como algo que teria um conteúdo regional. Virou moda falar em “nearshoring”, “friend shoring” (prática de transferir a produção para países mais próximos ou considerados aliados políticos ou comerciais). Agora, com essas tarifas do Trump sobre Canadá e México, quer mais “friend shoring” que esse?
A fragmentação tende a aumentar. E não apenas a retaliação em relação aos Estados Unidos, mas se a União Europeia - e ela é meio dividida nisso - resolver retomar políticas de proteção em relação aos chineses, isso vira uma espiral terrível. Mas há nomes mais sensatos na Europa a esse respeito do que Trump.
Aliás, é até possível que esse movimento do Trump acelere outros tipos de acordo regional. A Europa tem anunciado interesse em aprofundar acordos com o México. Assim como finalmente parece que vai ter um acordo com o Mercosul. A arquitetura vai mudar. O movimento de Trump contra os vizinhos, amigos, realmente vai contra qualquer lógica de fragmentação organizada regional e assim por diante.
O que a escalada de tarifas representa para as trocas comerciais?
Os preços vão subir porque as cadeias produtivas não mudam da noite para o dia a configuração de produção. Essas cadeias são integradas. E há também o impacto nas taxas de câmbio. Nãoé fortuito que desde a campanha eleitoral, especialmente após a vitória do Trump, o peso mexicano e o dólar canadense tenham se deteriorado em relação ao dólar americano, antevendo um impacto maior e mais imediato sobre os parceiros comerciais dos EUA.
Além disso, os Estados Unidos têm outros fatores impulsionando o dólar para cima. Tem a perspectiva de que o dólar vai se beneficiar dos juros, que vão continuar mais altos, e podem até subir dependendo da inflação.
Tem a perspectiva de que a excepcionalidade americana vai ser mantida e exacerbada com as políticas de desregulamentação, então tem um lado que explica esse otimismo com a economia americana que reforça o dólar para cima.
Esse choque de preços pode ser parecido com o que vimos na pandemia?
Tem uma controvérsia sobre a magnitude que os especialistas estimam desse choque de preços. Em termos de proporção do PIB americano, as importações não são tão grandes.
Durante a primeira guerra comercial entre os EUA e a China, o efeito sobre os preços nos EUA não foi muito grande porque houve uma substituição de produtos chineses por fornecedores de outros países ou até mesmo por produtos chineses disfarçados, o que acabou reduzindo o impacto em termos de preço nos Estados Unidos.
Agora, dessa vez, dada a abrangência provável, vai ser difícil ignorar. Tem quem já esteja estimando, só com esses anúncios, uma subida de inflação de pouco acima de 2% para 3%. Não estamos falando de hiperinflação, mas tem um pequeno efeito inflacionário nos Estados Unidos.
E se os preços subirem nos EUA, o país não pode acabar “exportando inflação” para o resto do mundo? Ou ainda é cedo para pensar isso?
Sim, essa é uma preocupação. A preocupação será a reação do Federal Reserve parando de baixar juros e talvez até subindo os juros lá adiante. O principal canal de transmissão do impacto americano sobre o Brasil hoje não é tanto pelo comércio direto, mas sim pela política monetária.
Mas como isso vai afetar negativamente a China, aí indiretamente nos pega. Os chineses podem vir a fazer alguma nova rodada de substituição de agricultura americana por agricultura brasileira. Mas o fato é que o menor dinamismo da China impactaria o Brasil e o mundo inteiro, que virou comercialmente dependente da relação com a China.
Com esse cenário, o que podemos esperar para as próximas reuniões do Fed?
Na última reunião, o Fed já sinalizou que pretende esperar antes de tomar novas decisões. Essa reunião ocorreu antes dos anúncios de tarifas do Canadá, México e outros, e o Fed não poderia comentar sobre isso. Mas a fala do presidente Jerome Powell já denota uma ideia de que é preciso esperar para ver o que vem nos próximos meses em termos de impacto inflacionário.
Agora, se Trump ampliar ainda mais as tarifas, isso reforçará a posição do Fed de ficar onde está e não baixar mais os juros.
‘Se você não jogar no time de Trump, será punido’, diz Global X / Ex-diretor do Federal Reserve (Fed) Randall Kroszner diz que manutenção da política de juros americana em 2020 tende a pressionar taxa de câmbio em países como o Brasil- Valor 3/2
Eduardo Magossi
O posicionamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá tornar o Brasil menos atraente para os investidores durante a nova gestão de Donald Trump nos Estados Unidos. É o que afirma o analista de investimentos sênior e cogestor de portfólio da Global X, Paul Dmitriev, em entrevista ao Valor durante passagem pelo Brasil. Ucraniano de nascimento, Dmitriev acredita que os investidores globais tendem a preferir neste momento a Argentina, onde o presidente Javier Milei se mostra mais alinhado ao discurso de Trump e tem reformas que ajudam a melhorar o cenário econômico do país.
“Veja o que aconteceu na Colômbia recentemente”, disse ele, referindo-se ao confronto entre o presidente Gustavo Petro e Trump sobre o acolhimento de imigrantes colombianos deportados dos EUA. “Se você não joga no time de Trump, será punido”, disse o profissional, que já teve passagens pelo HSBC e pela Mirae Asset.
Valor: Qual o sentimento de risco dos investidores estrangeiros em relação ao Brasil durante a nova gestão de Donald Trump?
Paul Dmitriev: Obviamente, Trump irá preferir trocar figurinhas com governos mais alinhados ao pensamento de direita e isso, de certa forma, deixará o Brasil mais vulnerável em relação a outros emergentes da América Latina, como a Argentina de [Javier] Milei, por exemplo. O mundo está criando dois blocos diferentes: um mais liberal, onde Lula seria o exemplo aqui na região, e outro mais à direita, em que Milei está. Além disso, o Banco Central do Brasil começou a subir os juros novamente, o que gera um novo obstáculo para as ações domésticas.
Valor: Então, neste momento, as ações argentinas seriam uma opção melhor do que as brasileiras?
Dmitriev: Sim. Em primeiro lugar, acredito que Trump está muito mais disposto a fazer acordos com Milei, que é alguém que está fazendo mudanças. Alguns dizem ser radicais, mas, na minha visão, são apenas medidas de normalização em um país que foi heterodoxo por muito tempo e isso faz o normal parecer extremo. Mas está funcionando bem porque a Argentina tem um caminho mais claro e eleições de meio mandato em outubro, onde o partido de Milei deve consolidar seu poder e facilitar a aprovação de reformas. As empresas voltaram a crescer, com uma relação preço/lucro das ações de 8 vezes, acima do visto aqui, de 7,6 a 7,9 vezes. Elas estão finalmente pagando dividendos, a inflação desacelerou, companhias estão investindo, consumidores estão gastando mais, bancos finalmente voltaram a emprestar de forma lucrativa... O ímpeto está com a Argentina.
Valor: Qual o problema aqui?
Dmitriev: Eu sou otimista em relação ao Brasil. Está a caminho do ‘grau de investimento’, conseguiu realizar reformas estruturais importantes, como a tributária, previdenciária, trabalhista... Mas as incertezas em relação ao déficit [primário] tiraram o foco do investidor. A relação entre a dívida e o PIB está entre 8% e 9% maior que outros países da região. E, com a incerteza se o governo continuará gastando, as expectativas estão desancoradas e os investidores ficam nervosos. E tudo isso deriva em grande parte da falha de comunicação do governo. E qual o catalizador para mudar isso? As eleições presidenciais ainda estão a dois anos de distância... Até lá precisamos de boas histórias.
Valor: Alguns desses problemas já existiam no governo anterior e os investidores não reagiam tão mal...
Dmitriev: A diferença entre agora e Bolsonaro é que a dívida está maior e as incertezas de para onde ela está indo são grandes. E, em termos de expectativa de inflação, o ambiente é muito diferente do que víamos no governo anterior e há essa falta de clareza do que o governo fará adiante. Parece que ele está apenas colocando ‘band-aid’ em tudo, chutando lata pela rua... E, além disso, temos o Trump.
Valor: Trump pode ser um obstáculo considerável aos investimentos em ativos financeiros no Brasil?
Dmitriev: Veja o que aconteceu na Colômbia com Petro... Ao rejeitar a entrada dos deportados americanos, o presidente da Colômbia entrou em atrito direto com Trump que já aplicou tarifas, o que fez Petro voltar atrás. Mas, nessa gestão, Trump não está para brincadeira. Ou você joga no time dele, ou será punido. A mensagem é clara para toda a América Latina. Dessa vez, ele está mais empenhado em cumprir suas promessas, o que deixa o Brasil bastante vulnerável porque Lula é historicamente um líder ideológico com posições firmes e provavelmente veremos manchetes de que Lula e Trump não se falam mais. Mas, no longo prazo, sou otimista com a bolsa brasileira.
Valor: Por que?
Dmitriev: Hoje, um outro obstáculo é a taxa de juros elevada. Por que arriscar nas bolsas se fundos oferecem retorno de até 17% livre de riscos? E o S&P 500 também tem oferecido retornos excelentes há cerca de uma década e acho que isso não é mais sustentável. Mas, com a inflação voltando para a meta de 3% e o Banco Central voltando a cortar os juros, o que deve acontecer no fim deste ano, os investidores voltarão para as ações, que estão baratas, com múltiplos abaixo da média de cinco a dez anos. O Brasil tem excelentes empresas integradas ao mercado internacional e vemos uma excelente oportunidade de comprar essas empresas ‘high quality’ em um horizonte de três a cinco anos. Agora, o que fará com que os investidores voltem? Será que algo tem que mudar domesticamente? Ou uma melhora nas relações bilaterais?
Valor: E o dólar?
Dmitriev: Quando o dólar enfraquece 1%, as ações dos mercados emergentes sobem 3,5%. No caso do Brasil, a alta é de 4,5%. Mas acredito que o dólar seguirá forte no curto prazo devendo enfraquecer gradualmente ao longo dos próximos quatro anos. Isso é decorrente de empresas que se financiam em dólar. Estamos vendo o dólar subir em função das incertezas em relação às tarifas e políticas de Trump. Possivelmente, os EUA precisarão voltar a elevar os juros porque essas políticas são inflacionárias e isso vai acontecer em um momento em que o Brasil estiver cortando os juros, o que será outro impulso para as bolsas. Por isso, acredito que, em três a cinco anos, o desempenho da bolsa brasileira pode ficar melhor que o da bolsa da Argentina, mas, no prazo de um ano, a Argentina vai ter melhor desempenho.
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