Marcos Lisboa
Marcos Lisboa: ‘Banco Central é agente menor e está refém da política fiscal’ / Para o ex-secretário de Política Econômica, o governo optou por não enfrentar problemas graves nos gastos públicos- O Globo 18/12
Paulo Renato Nepomuceno
O Banco Central (BC) faz o que está a seu alcance para tentar devolver a inflação de volta à meta, mas a pressão fiscal joga contra. Essa é a opinião de Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro governo Lula e ex-presidente do Insper. Segundo ele, o governo optou por não enfrentar problemas graves nos gastos públicos.
Como você vê a atuação do Banco Central, com alta forte na Selic, ata do Copom em tom duro e intervenções no câmbio?
O Banco Central faz escolhas possíveis, mas ele sofre efeito colateral, assim como todo o país, da política fiscal. O câmbio é reflexo. E a política monetária é uma coadjuvante ágil do fiscal. Mas o BC é um agente menor e está refém da política fiscal. Os investidores estão mais pessimistas e preferindo outros países (a saída de estrangeiros na Bolsa este ano supera R$ 32 bilhões).
Exemplo é o diferencial de juros que o Tesouro está pagando, com dificuldade de rolar dívida (títulos atrelados à inflação chegaram a pagar taxas acima de 8% na terça-feira, o maior nível desde 2008). Significa pessimismo grande com o futuro do país. O BC está agindo em função de um quadro preocupante.
Mas o que há de descompasso nas contas públicas?
No Brasil, o fiscal está disfuncional, e ele é uma âncora da política econômica, que sustenta a economia no longo prazo. Um fiscal bem estruturado, funcional, solvente, que em momentos de deflação atua para inflacionar na margem, em momentos comedidos, é normal no resto do mundo. Mas isso não é o caso brasileiro.
Por que as regras atuais não são suficientes?
O gasto no Brasil é 95% rígido. Esse é o quadro mais grave. Com fim do teto de gastos, algumas despesas voltaram a ser indexadas à receita. Além disso, voltou a indexação do salário mínimo, que está atrelado a uma série de benefícios previdenciários, hoje a principal despesa.
O governo sabia desde o começo que o arcabouço era inconsistente, não parava de pé nas suas regras. Deu-se o benefício da dúvida de que ia fazer o dever de casa, ia sinalizar que não ia deixar a dívida crescer, de que íamos ter equilíbrio e saída saudável do processo para não ter inflação alta.
Havia uma crença de que o governo ia entregar o que prometia: um quadro de solvência fiscal, equilíbrio de contas no médio prazo, que ia garantir a sustentabilidade das contas, inflação sob controle, como o primeiro governo Lula. Esse quadro fracassou.
Houve um barulho com anúncio de revisão de gastos, mas o que saiu foi de uma timidez impressionante. E aí muita gente fica cética sobre o país e o que vai ser daqui para frente. Houve a opção do governo por não enfrentar problemas tecnicamente difíceis.
E a reação do mercado, tenso com essa situação?
Não existe tal mercado, agente virtual. Existe uma gestão de poupanças e investimentos, como os maiores detentores de dívida, que são os fundos de pensão, grandes investidores. Existem fundos privados menores, centenas de bolsos pequenos, empresas com gestão de caixa.
Além disso, existem os estrangeiros que apostam no Brasil. É essa soma de recursos descentralizados que é o mercado financeiro. As pessoas tomam decisões com base nos sinais.
O problema fundamental é que a trajetória da dívida aumentou sete pontos percentuais e corre o risco de aumentar mais sete até o fim do governo. E era um bom momento para se discutir um ajuste, diante da atividade e consumo fortes e desemprego em baixa, antes da crise chegar. Se posterga, vamos discutir quando ficar complicado.
E qual seria a solução para esses problemas?
A questão fiscal precisa ser enfrentada de maneira sustentada, não com medidas paliativas aqui e acolá. Pode custar caro para o país nos próximos anos. A volatilidade é muito custosa e as taxas de juros altas também. É muito caro para o país e prejudica o ambiente de negócios e os investimentos.
‘Enquanto o câmbio não se estabilizar, o investidor estrangeiro não entra’, diz presidente da B3 / O executivo Gilson Finkelsztain destaca que mercado de capitais já é maior fonte de financiamento de investimentos- O Globo 18/12
João Sorima Neto
A reação negativa do mercado ao pacote de corte de gastos reflete a decepção dos investidores com o quadro fiscal. Para o presidente da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, Gilson Finkelsztain, o governo precisa fazer o ajuste, mas há um overshooting (reação exagerada, descolada dos fundamentos da economia).
Segundo ele, “enquanto o câmbio não estabilizar, o estrangeiro não entra.” Sem novas aberturas de capital (IPOs) este ano, Finkelsztain destaca que há pujantes transações de renda fixa e o mercado de capitais já é a maior fonte de financiamento de investimentos no Brasil.
Para o mercado, o pacote do governo é tímido. Como avalia?
Desde abril ou maio veio a mensagem do BC de que precisamos fazer um ajuste nas contas públicas. O atraso provocou nervosismo nos investidores, que querem saber se o ajuste será feito ou não.
O senhor considera que há um “overshooting”?
Eu concordo que é um overshooting, mas acho que seria fácil de resolver se o governo demonstrasse, com ações, que vai fazer um ajuste fiscal considerável. Não ajudou a divulgação do ajuste fiscal com o incremento de despesa (isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil). A minha visão é que há um overshooting, pois o Brasil não está mal em relação a crescimento do PIB, desemprego, e mesmo inflação.
Só que o filme futuro está deixando os investidores nervosos. Eles estão antecipando desaceleração econômica e inflação. E o governo acha que isso não vai acontecer. Essa falta de sintonia entre investidores e governo deixa o mercado nervoso e só piora.
O fiscal é a principal barreira para o estrangeiro voltar a investir no Brasil?
Se o câmbio não estabilizar, o estrangeiro não entra. Ele está vendo o país crescer, preços muito baratos, câmbio competitivo, e tem sido remunerado pela inércia. A cada mês que ele espera está ficando mais barato. A gente só quebra esse círculo vicioso dando uma mensagem forte a política fiscal.
Na Bolsa, foi mais um ano sem novas aberturas de capital. Mas o mercado de crédito, com muitas emissões, vai bem. Qual o balanço?
O mercado de capitais definitivamente não está parado, porque não é só Bolsa. Nossa parcela de receita vinculada à renda variável é de apenas 20%. Vamos enfatizar isso no B3 Day, que acontece nesta quarta em São Paulo. Tivemos lançamentos de fundo imobiliário, BDRs, ETFs, recorde de emissões privadas, mais de R$ 500 bilhões emitidos entre instrumentos de renda fixa privada, entre debêntures, CRIs, CRAS, letras financeiras.
O mercado de balcão cresceu. Todos os nossos negócios cresceram dois dígitos em 2024, com exceção do mercado de ações. A mensagem é: temos um mercado novo de renda fixa muito pujante, que está nascendo, e tem muito para se desenvolver.
E os “follow-ons” (emissão de ações de empresas já listadas)?
A gente teve R$ 25 bilhões de follow-ons, e o destaque foi a Sabesp. Desde 2022, foram R$ 100 bilhões em follow-ons. É pouco, mas diversificamos a receita com outros ativos. Hoje o mercado de capitais é a maior fonte de financiamento de investimentos no Brasil. Brigamos muito por isso. Era o BNDES, depois os bancos e agora é o mercado de capitais. É uma grande vitória e ainda tem muito para andar.
A tributação de dividendos pode afastar o investidor?
Sempre pode. Acho que a carga tributária brasileira já é muito alta. A tributação de dividendos deveria vir com uma adequação do Imposto de Renda da pessoa jurídica, caso contrário a carga aumenta. Se a empresa já é tributada, há uma dupla tributação. Deveria ser um olhar mais de justiça tributária.
E a gente tem um problema a resolver com o tema de “pejotização” no Brasil. Mas isso é mais uma agenda para a reforma do Imposto de Renda.
Quais produtos a B3 deve lançar em 2025?
Estamos abrindo fronteiras, parcerias com corretoras globais para que estrangeiros e brasileiros que moram no exterior abram uma conta de forma simplificada e invistam aqui. Vamos implementar no começo do ano. Para entrar na Bolsa, o tíquete inicial era de R$ 5 mil. Hoje é R$ 150, R$ 200.
Há sucesso nessa democratização de acesso a investimentos. Temos 5 milhões de CPFs que têm acima de R$ 50 mil reais investidos, que é o investidor mais sofisticado. Lançamos o Gift Card do Tesouro Direto para que as pessoas deem de presente para a família neste Natal.
Nós estamos lançando uma calculadora de Imposto de Renda para ações, para simplificar a vida dos investidores. E um sistema de negociação de renda fixa no mercado secundário, para dar mais liquidez. Já lançamos um derivativo de cripto. Acho que vem outro futuro de cripto em 2025. A gente vai continuar incentivando o lançamento de ETFs e de BDRs. Também vamos pedir aprovação para relançar o futuro de ouro no ano que vem.
E como vê a possibilidade de uma nova Bolsa no Rio?
A gente sempre teve concorrência. São as bolsas internacionais. Bolsa é um negócio que precisa de reputação, segurança, tecnologia, credibilidade. Esse é o nosso mantra e por isso somos reconhecidos globalmente. Então, a concorrência é bem-vinda e nos mantém criativos para enfrentá-la.
Receio com disciplina fiscal continua, mas Brasil pode atrair fluxos, diz Hardenberg, da Mobius / Para Hardenberg, da Mobius, lucros fortes, boa gestão e preço trazem oportunidades- Valor 18/12
Por Bruna Furlani e Maria Fernanda Salinet — De São Paulo
O aceno dado pelo governo com a divulgação de um pacote de corte de gastos acompanhado por um projeto de ampliação da isenção do Imposto de Renda (IR) não diminuiu o receio com a “falta de disciplina fiscal” do governo. A avaliação é de Carlos Hardenberg, fundador da Mobius Capital Partners. Ainda que o imbróglio esteja distante de ser resolvido no Brasil, a combinação de lucros fortes, boa gestão corporativa e preços muito altos no mercado de ações americano torna a bolsa brasileira cada vez mais atrativa, na visão do executivo, o que pode atrair fluxos para ações locais.
Com US$ 390 milhões em ativos sob gestão, a gestora sediada em Londres está “overweight” em Brasil (acima da média) e afirma que tem aumentado a compra de ações domésticas nos últimos 12 meses, na contramão de investidores locais. Leia abaixo os principais trechos da entrevista com o gestor:
Valor: Como o senhor vê o Brasil? Há oportunidades?
Carlos Hardenberg: Gostamos de situações que não são tão claras. Quando há incerteza, você geralmente encontra as melhores oportunidades. Se todos concordassem que o Brasil é uma oportunidade incrível, provavelmente estaria sendo negociado a múltiplos muito caros. Todo mundo compraria o Brasil. Há dois componentes para entender a alocação em Brasil: a situação econômica local e a geopolítica global. O Brasil parece mais aberto e mais interconectado com o mundo do que nunca, mas a situação econômica na China preocupa.
Valor: Por quê?
Hardenberg: Uma das razões pelas quais existe algum ceticismo é porque a China é frágil. Há dúvidas em torno da saúde do consumo chinês. Isso é potencialmente negativo para o Brasil. Ao mesmo tempo, outra preocupação global está ligada aos Estados Unidos. Eu desisti de tentar fazer previsões sobre o que está na cabeça de Donald Trump. Acredito que ele vê o Brasil como uma espécie de nação amigável e um parceiro comercial confiável e importante. O Brasil não está muito alto na lista de países que ele quer punir. Isso é potencialmente uma boa notícia para os exportadores brasileiros. As empresas brasileiras podem se beneficiar do fato de que outras empresas, em outros países, como México, China, Alemanha e demais países da Europa, serão penalizadas. O outro componente para entender o Brasil é o que está acontecendo localmente. O mercado de trabalho está muito forte. A inflação está caindo, mas não o suficiente. Existem algumas questões sobre o déficit orçamentário e sobre o tipo de disciplina fiscal e monetária no país. Há um certo ceticismo com o local e que foi refletido no enfraquecimento do real este ano.
Quando há incerteza, você geralmente encontra as melhores oportunidades de mercado”
Valor: Como vê o pacote fiscal anunciado pelo governo no fim de novembro?
Hardenberg: O pacote de corte de despesas não foi longe o suficiente para aliviar as preocupações de investidores com a falta de disciplina fiscal do governo. A expansão fiscal alimentou a inflação no Brasil e espera-se que o Banco Central aumente ainda mais as taxas de juros. Isso pode colocar pressão sobre certos setores e deixar investidores cautelosos no curto prazo. Porém, nem todas as pressões inflacionárias foram impulsionadas por gastos do governo. A economia brasileira está a todo vapor com números mais fortes de consumo, emprego e de crescimento do crédito. Como investidores de longo prazo, continuamos a ver oportunidades em empresas mais voltadas para o consumo, especialmente com marcas fortes, clientes fiéis e balanços saudáveis.
Valor: O que é preciso para que o país fique no caminho certo?
Hardenberg: Para o Brasil se recuperar de forma mais significativa, precisamos de uma perspectiva de curto prazo menos nebulosa, ou seja, precisamos entender se há disciplina suficiente por parte da administração para combater a inflação de forma crível. As taxas precisam cair para acelerar a atividade econômica. E, claro, tudo isso tem que vir junto com dados fortes de exportação e com uma boa safra agrícola. A boa notícia é que há empresas incríveis e fortes, como Embraer e WEG, por exemplo. O Brasil está em uma boa posição e, neste momento, os ‘valuations’ estão muito atraentes.
Valor: Está comprando ações neste momento ou não?
Hardenberg: Estamos “overweight” em Brasil e temos comprado mais exposição ao país nos últimos 12 meses. Temos exposição a Totvs, por exemplo, que é a principal aposta. Temos exposição ao Mercado Livre. Possuímos também ações de uma operadora de academias que atua no Brasil e no México. Adicionamos não faz muito tempo também uma exposição a uma joalheria brasileira.
Valor: Mudou algo na carteira depois da eleição de Trump?
Hardenberg: Estamos acompanhando atentamente o que Trump está falando. Já reagimos em certa medida. Já tínhamos vendido quase tudo o que tínhamos em China, porque vimos que o país estava cada vez mais sob pressão. Ele está sendo atacado por mais barreiras comerciais e existem grandes problemas, como a questão imobiliária. Há investimentos excessivos em muitos setores e uma demanda muito fraca do consumidor chinês. Temos pouca exposição à China hoje. Preferimos outros países asiáticos como Vietnã e Coreia. Temos investimentos também na Índia, que pode ser a grande vencedora dos fluxos que iam para a China e atrair mais investimentos estrangeiros diretos. Também vejo outros países latino-americanos que podem se tornar vencedores nesse comércio.
Valor: As políticas comerciais de Trump podem afastar o investidor dos emergentes?
Hardenberg: Tem sido o caso dos últimos sete anos. O dólar ficou cada vez mais forte, e as moedas de mercados emergentes ficaram cada vez mais fracas. Olhe para o real, por exemplo, que se enfraqueceu consideravelmente. Se a economia dos EUA continuar indo muito bem, o dólar se fortalece, há mais confiança. No entanto, uma coisa é diferente hoje: as moedas e os mercados de ações emergentes estão sendo negociados com um desconto recorde em relação ao mercado americano. Acho que há cada vez mais consciência de que talvez o mercado americano tenha se tornado caro demais. Os mercados emergentes agora estão se recuperando e o crescimento está voltando. Parecem muito atraentes. Esperamos que os investimentos voltem aos mercados emergentes a médio prazo. Todo mundo já tem tudo dos EUA, como Amazon, Google, Facebook, Meta, as “sete magníficas”, no portfólio.
Há dúvidas em torno da saúde do consumo chinês. Isso ainda é potencialmente negativo para o Brasil”
Valor: Quais empresas poderiam se beneficiar dessa tensão entre China e Estados Unidos?
Hardenberg: Algumas das maiores que todos conhecem, porém eu não investiria em nenhuma delas. Eu costumava investir e era bastante próximo da Vale e da Petrobras. Mas houve o grande escândalo de governança da Petrobras. Não estou muito interessado nisso, mas existem algumas empresas como, por exemplo, a Totvs, que está fornecendo um ótimo software e poderia se beneficiar disso também.
Valor: Por que não compra mais Petrobras e Vale?
Hardenberg: Procuro por campeões menores que ainda não são conhecidos por todos. Há várias varejistas competitivas. Muitas empresas de tecnologia e negócios de saúde. Tem muitos outros negócios que estão crescendo mais rápido do que os negócios clássicos de commodities. Estaria mais interessado em olhar para campeões de energia alternativa devido à transição energética.
Valor: Antes das eleições americanas, mudou a carteira Brasil?
Hardenberg: Nós mantivemos nossa exposição em Brasil, mantendo nosso peso em 8%, 9% do portfólio. Estamos analisando a ação de uma joalheria brasileira, por exemplo, que poderia ser uma candidata a comprarmos mais ações, porque a empresa está se saindo muito bem e o ‘valuation’ é interessante.
Valor: A Índia está roubando um pouco da alocação em emergentes?
Hardenberg: Temos cerca do dobro da exposição à Índia, e investimos em um grupo diversificado de empresas. Algumas delas são baseadas no país, mas são realmente globais, como os serviços de TI [tecnologia da informação], caso da Persistent Systems. A Índia é um contraponto ao Brasil, com um governo que é extremamente pró-negócios e o mercado indiano atraiu muitos investimentos estrangeiros diretos no último período. O país é visto como um dos maiores vencedores contra a China, porque estão oferecendo todo tipo de incentivo para as empresas globais investirem.
Valor: Os investidores locais estão saindo do mercado de ações. Como vê isso?
Hardenberg: Tudo é impulsionado por sentimento e acho que tem a ver com o medo de perder, com a falta de confiança na forma como o orçamento está sendo administrado no momento, com o medo em relação à política dos EUA. Para mim, é sempre uma ótima oportunidade se os locais estão vendendo, fico muito interessado.
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