Imbróglio fiscal
NEWS - 01.11
ESTADÃO: LIMITE DE 2,5% ESBARRA EM RUBRICAS ATRELADAS A MÍNIMO E À ARRECADAÇÃO- 1/11
Sob pressão para apresentar propostas mais efetivas de corte de gastos, o governo Lula estuda limitar as principais despesas do Orçamento a um crescimento real de 2,5% ao ano - o mesmo teto do arcabouço fiscal. Como o Estadão informou, a mudança poderia valer, por exemplo, para os pisos constitucionais da Saúde e da Educação, que hoje estão atrelados à arrecadação. Mas a equipe econômica terá dificuldade para fazer valer essa medida se não mexer nas regras e nas políticas que fazem crescer as despesas, especialmente os gastos da Previdência Social.
Na quinta-feira, 31, com a indefinição sobre a data de anúncio e o teor desse pacote de corte de gastos, o dólar voltou a subir e renovou a maior cotação desde março de 2021.
A avaliação é de que não adianta escrever no papel e colocar numa lei que os benefícios previdenciários, por exemplo, não podem crescer mais do que 2,5% se, por outro lado, ainda ficarem vinculados ao aumento do salário mínimo. O que origina o gasto na política pública vai continuar pressionando o teto da despesa orçamentária. Essa percepção ficou mais latente com as recentes notícias sobre o pacote de corte de gastos.
A equipe econômica já concorda há tempos com o diagnóstico de que o arcabouço fiscal tem um problema estrutural. Se existe um teto de 2,5% para o crescimento total dos gastos, há rubricas específicas subindo muito acima dessa taxa, o que acaba por comprimir outras despesas. Por isso, como revelou o Estadão em junho, está em estudo pelo Ministério da Fazenda uma proposta para tentar fazer todo mundo “correr no mesmo ritmo”, ou seja, com alta de no máximo 2,5%.
O grande problema ocorre justamente na principal despesa do Orçamento, que são os gastos com a Previdência. Como se aposentar é um direito, desde que as regras para a concessão sejam cumpridas, não há como o Ministério da Previdência deixar de conceder o benefício. O que fazer com a pessoa que, pela lei e pelas regras vigentes, passa a ter direito ao benefício se a despesa já bateu no teto?
De um lado, há o envelhecimento da população brasileira, que tem acelerado os pedidos de aposentadoria. De outro, a indexação do salário mínimo com o Produto Interno Bruto (PIB), que garante um crescimento real do gasto (acima da inflação) todos os anos. A combinação dos fatores torna praticamente impossível estabelecer um teto para essa rubrica, segundo especialistas. No Ministério da Previdência, o entendimento é o mesmo. (Alvaro Gribel e Daniel Weterman)
ESTADÃO: TETO PARA GASTOS PODERIA VALER TAMBÉM NOS CASOS DE INDEXAÇÃO AO MÍNIMO- 1/11
Como iniciativa para conter gastos, o governo avalia a possibilidade de estabelecer o teto de 2,5% para a indexação do salário mínimo. Ou seja, o crescimento real de benefícios seria preservado, mas levando em conta o teto máximo do arcabouço fiscal. A medida é vista como benéfica, mas poderia ter pouco efeito nos próximos anos, pois o mercado financeiro não projeta crescimento do PIB do País acima desse patamar.
Uma das vantagens é que a iniciativa alcançaria os gastos previdenciários atrelados ao salário mínimo. Segundo dados do Tesouro Nacional, as despesas do governo chegaram a R$ 2,322 trilhões em 12 meses encerrados em agosto. Desse total, R$ 960 bilhões são benefícios previdenciários, com cerca de 44% desse valor atrelado ao salário mínimo, ou R$ 422 bilhões.
Também estão atrelados ao salário mínimo os gastos com Benefícios de Prestação Continuada (BPC), que chegaram a R$ 107 bilhões na mesma comparação, além de outros R$ 80 bilhões com abono e seguro-desemprego. Tudo somado, há cerca de R$ 609 bilhões (ou 26% do total do Orçamento) crescendo mais fortemente por causa da indexação.
O teto de 2,5% poderia ter mais efeito sobre outros gastos importantes do governo, como os pisos da Saúde, da Educação, o ProAgro e as emendas parlamentares. Mas não sem dificuldades.
No caso da Saúde, os municípios são responsáveis pela maior parte dos gastos no setor público (mais que a União e os Estados), mas dependem de recursos federais. Os repasses são pactuados entre prefeituras, governos estaduais e Ministério da Saúde. As verbas do Sistema Único de Saúde (SUS), que também compõem o piso salarial da Saúde, remuneram procedimentos como consultas, exames e cirurgias de acordo com a produção dos governos locais.
Com um teto definido, o que fazer com essas demandas? Além dos desafios técnicos, há os impasses políticos, pois dependem de aprovação do Congresso, apoio dos prefeitos e governadores. E, antes deles todos, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. (Alvaro Gribel e Daniel Weterman)
PT cobra ‘projeto de país’ da gestão Lula 3 / Inspiração, que vem sendo mencionada, é o “Plano de Metas” do ex-presidente Juscelino Kubitschek- Valor 1/11
Por Andrea Jubé
Diante do recado das urnas ao partido, alas do PT intensificaram as cobranças internas para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dê uma espécie de “cavalo de pau” na gestão atual, a fim de apresentar aos brasileiros um “projeto de país” de longo prazo, que contemple grandes obras estruturantes e um modelo arrojado de sistema educacional para vigorar na próxima década.
“Qual é o nosso projeto para o Brasil, olhando para os próximos dez anos? Não tem”, questionou um decano do PT em conversa com a coluna. Ele defende a elaboração de um ambicioso projeto com grandes obras estruturantes, uma espécie de “Super PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], associado a uma proposta consistente de uma política educacional moderna e eficiente.
Esse “projeto de país” seria financiado com a antecipação das receitas da Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA), estatal responsável pela venda do óleo e gás natural produzido no pré-sal - atualmente, cerca de 75% da nossa produção de petróleo. O cálculo é de que a empresa arrecade cerca de R$ 300 bilhões com a comercialização desse óleo nos próximos dez anos. Em julho deste ano, o leilão de petróleo realizado pela PPSA arrecadou R$ 17 bilhões, com a venda de 37,5 milhões de barris.
“Poderíamos investir, pelo menos, R$ 50 bilhões num projeto bem elaborado”, defendeu este petista. Uma inspiração, que vem sendo mencionada por esse grupo de petistas, é o “Plano de Metas” do ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960), que teve como slogan de campanha um pacote de ações que representariam “50 anos em 5”. O projeto ancorava-se em um amplo programa de industrialização e modernização do Brasil, com grandes obras de infraestrutura, que incluíram a construção de Brasília em apenas 42 meses. Sob JK, a indústria deu um salto, especialmente a automobilística; ele entregou hidrelétricas, como Furnas, e siderúrgicas, como a Usiminas, abriu estradas, como a Belém-Brasília, mas encerrou o governo com aumento da inflação e da dívida externa.
Para este petista, filiado ao partido desde os anos 80, o governo “Lula 3” precisa descolar-se de programas do passado, como Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e Farmácia Popular, e olhar para o futuro. Há críticas, igualmente, de que o PAC 3 ainda não mostrou a que veio.
A percepção desse bloco de descontentes é de que o governo gasta energia com políticas que não atraem mais a população, ao mesmo tempo em que bons resultados da economia não se refletem no cotidiano dos brasileiros.
A reflexão desse petista ocorre em meio ao anúncio de mais um dado positivo da economia: a notícia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de que a taxa de desemprego caiu para 6,4% no trimestre terminado em setembro, a segunda menor da série histórica, iniciada em 2012. Mas para este aliado de Lula, esse dado se traduziria em empregos formais com remunerações baixas, entre 1 ou 2 salários mínimos, que não geram entusiasmo, e vêm empurrando milhares de jovens para os trabalhos de aplicativos.
Durante a recente campanha eleitoral, petistas ouviram queixas de que o preço da carne não baixou o suficiente, e o desejado “churrasco de picanha”, alardeado por Lula nos comícios de 2022, continua sendo um sonho. Os gastos com alimentos e bebidas foram alguns dos que mais pressionaram a inflação nos últimos meses.
Diante dessa conjuntura, esses petistas estudam apresentar um projeto de lei no ano que vem para antecipar as receitas da PPSA dos próximos dez anos, a fim de investir esses recursos em obras de grande porte e no desenvolvimento de um avançado sistema educacional. A ideia já foi apresentada ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que advertiu que a iniciativa ameaça o arcabouço fiscal. Projeto semelhante foi protocolado na Câmara dos Deputados em 2022, encaminhado pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, mas com o objetivo de zerar o déficit fiscal.
Anistia
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), apresentou a aliados a saída viável que ele vislumbra para o projeto de lei que concede uma anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2024, defendido pelo PL e pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
A ideia seria aplicar o benefício, exclusivamente, àqueles condenados com penas leves, passíveis dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) que o Supremo Tribunal Federal (STF) já vem firmando com esses réus. No lugar da prisão, penas alternativas como tornozeleiras eletrônicas e a proibição do uso de redes sociais.
Na visão de Lira, o Congresso “oficializaria” esses acordos no formato de lei. Porém, a anistia só pode alcançar réus que já foram condenados. Essa premissa exclui o ex-presidente Jair Bolsonaro, que ainda não foi denunciado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, pela possível ligação com os atentados.
Levantamento obtido pela repórter Flávia Maia, do Valor, mostrou que, até o momento, há 221 condenados por crimes mais graves, como a depredação dos prédios. Entre as ofensas de grau leve, já foram 428 acordos homologados e 780 estão em andamento. Há 171 denunciados que ainda não viraram réus.
Andrea Jubé é repórter de Política em Brasília. Escreve às sextas-feiras
Eleição nos EUA pode atingir emergentes em cheio, alerta UBS Wealth / Cenário de mais tarifas e dólar forte tende a adiar perspectiva de alívio da Selic- Valor 1/11
Anaïs Fernandes / Victor Rezende
A percepção de que ganha força a possibilidade de vitória do republicano Donald Trump na corrida eleitoral à presidência dos Estados Unidos e a avaliação de que ele deve implementar parte relevante das promessas de campanha no front econômico, sobretudo em relação a tarifas de importação, começam a assustar e trazem junto a perspectiva de que países emergentes como o Brasil vão ter de navegar por um ambiente global ainda mais adverso de juros mais altos, dólar forte e crescimento menor. Nesse contexto, um eventual choque inflacionário, ainda que temporário, poderia indicar um ambiente ainda mais complexo para o Brasil e apontar para uma Selic em níveis ainda mais altos.
Essa é a avaliação da equipe do UBS Global Wealth Management compartilhada com o Valor. De acordo com a diretora de macroeconomia para Brasil, Solange Srour, a disputa à Casa Branca dominou os debates no encontro anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em Washington. Dependendo de quem ganhar as eleições - Trump ou a adversária democrata, Kamala Harris - e da força que o novo mandatário conquistar no Congresso, a sensação é que políticas econômicas “muito diferentes” podem ser adotadas, diz Srour.
Ainda que pesquisas de intenção de voto nos EUA indiquem uma disputa apertada, o mercado começou a contar com maior chance de Trump ganhar a eleição nas últimas semanas, aponta Srour, em um cenário consensual de que o Senado será dominado pelos republicanos, mas também de que há chance de a Câmara dos Deputados ter maioria do partido - um “red sweep”, como dizem os analistas, em inglês, algo como “varredura vermelha”, a cor do Partido Republicano dos EUA.
Nesse cenário, ou mesmo que o partido conquiste apenas o Senado, Srour e Luciano Telo, executivo-chefe de investimentos (CIO) para o Brasil da UBS Wealth Management, têm a avaliação de que as promessas de política econômica de Trump podem não ser apenas “retórica de campanha”. “Parece que há uma visão mais unificada, realmente do partido, sobre as políticas em que Trump destoa mais”, afirma Srour.
A economista cita como exemplo a questão tarifária, ao dizer que se trata do “maior risco hoje” no curto prazo. Trump tem dito que irá impor tarifas às importações americanas da China em mais de 60% e as do restante do mundo de 10% a 20%. “Os investidores estão aumentando a incerteza em relação a quão séria é essa proposta, porque, vendo as pessoas mais próximas dele [Trump], a sensação é de que tem apoio dos republicanos e vai vir mesmo”, diz Srour, ao lembrar que o presidente pode impor tarifas comerciais via decreto.
Mesmo que os democratas também sejam favoráveis a tarifas, a expectativa é de que um governo republicano seria mais agressivo e tempestivo na implementação dessas medidas, afetando mais rapidamente a economia e a geopolítica no curto prazo.
Para os EUA, o efeito seria “superinflacionário” e “certamente recessivo”, diz Srour. “Não dá para ter um choque de nível de preços dessa magnitude sem achar que o consumo vai sofrer, porque a renda disponível [das famílias] vai cair”, avalia a economista.
Internamente entre republicanos, nota Srour, parece haver a visão de que outras promessas de Trump, como a manutenção dos impostos baixos e a desregulamentação de setores, vão elevar a produtividade e, assim, acomodar choques. Há também, de acordo com ela, um argumento de que tarifas não são inflacionárias, já que Trump impôs barreiras na primeira gestão e não houve um choque.
“Há consenso na literatura econômica de que tarifa é negativo. E o que o Trump está prometendo hoje é muito maior do que o que ele fez em 2017, quando o ambiente geopolítico também era menos polarizado”, afirma Srour.
Além disso, afirma Telo, a percepção é de que os republicanos estariam dispostos a aceitar mais inflação e um pouco menos de crescimento diante de questões geopolíticas que envolvem uma rivalidade mais profunda - especialmente em relação à China, que tem dependido das exportações para crescer - e, muitas vezes, encarada até como uma questão de defesa de hegemonia dos EUA. “A sensação é a de que é uma decisão tomada acima da economia, em nível de segurança nacional.”
Para países emergentes, como o Brasil, a perspectiva é “muito ruim”, diz Srour, já que as medidas vão levar a um cenário de juros mais altos nos EUA e de “guerra tarifária” pelo mundo. “É visão majoritária a de que os países vão responder”, afirma. Ela alerta, inclusive, que essa guerra comercial poderia desembocar em uma guerra cambial, caso a China use como contrapartida a depreciação de sua taxa de câmbio. “Aí, os emergentes também sofreriam.”
Telo pondera que, até hoje, a China já passou diversos momentos de pressão externa e não optou por desvalorizar a moeda como retaliação. “Um dos objetivos da China de longo prazo é tornar o renminbi [a moeda chinesa] reserva de valor. É uma barreira alta para eles desvalorizarem a moeda”, diz.
No caso do Brasil, a possibilidade de juros americanos mais altos por mais tempo e de dólar mais forte globalmente poderia dificultar ainda mais a política brasileira em “tentar segurar a situação”, avalia Telo. Ele nota que o Brasil já está em um contexto de alta da Selic, mas também de desvalorização do real. “Uma das coisas que poderia ser um canal bom para o Brasil seria proteger um pouco o câmbio, parar a desvalorização cambial, para tentar segurar a expectativa de inflação futura, o que não está acontecendo, a despeito de o Banco Central estar subindo juros.”
No caso de vitória de Kamala, atual vice-presidente dos EUA, os desafios para o Brasil continuam os mesmos, diz Srour, mas, talvez, a “aceleração da urgência” que o mercado tem colocado ao governo brasileiro em termos de entregas no âmbito fiscal pode ser menor, já que os movimentos de dólar forte e de alta dos juros lá fora também tenderiam a ser mais lentos, diz.
Srour pondera que todos esses alertas não são, necessariamente, os cenários mais prováveis caso Trump seja eleito, “mas vai aumentar a incerteza”, afirma.
O cenário base da equipe, diz Telo, continua sendo o de que o Federal Reserve (Fed) vá cortar os juros até 3%, 3,5%. “A dúvida que temos é se vai ter um barulho no meio do caminho que possa atrasar um pouco esse movimento.”
Também ficaria um pouco postergada, de acordo com Telo, a discussão de que o Brasil, ao subir os juros agora, poderia segurar o câmbio, contribuir para a convergência da inflação e, no segundo semestre de 2025, eventualmente, com as condições financeiras mais favoráveis no exterior, voltar a reduzir a Selic, como aponta o Focus.
Se a conclusão for de que, qualquer que seja o presidente dos EUA, ele vai implementar tarifas de maneira rápida e relevante, provavelmente, a perspectiva para os juros americanos no médio e longo prazo será recalibrada, enfatiza Telo. “Trabalhando com dólar mais forte e juros mais altos lá, traz para o Brasil uma pressão para juros mais altos também. A gente pode recalibrar um pouco a visão de, por exemplo, quanto tempo os juros podem ficar mais altos [no Brasil] ou o prêmio embutido para ter papéis mais longos”, diz Telo, ao reforçar que mudanças de alocação devem aguardar os desdobramentos das eleições americanas.
O viés é, porém, ter uma visão de que a renda fixa vai trabalhar com juros mais altos por mais tempo, inclusive no Brasil, diz. “Não fizemos nenhuma mudança de alocação até agora. Estamos com posição até de baixo risco, neutros em bolsa, com um pouquinho mais de ativos ligados à inflação do que costumamos ter. Vamos calibrar um pouco se esse cenário lá fora se confirmar e, se o Brasil receber de fora uma curva de juros americana mais inclinada [taxas longas mais altas], podemos avaliar se realmente o prazo mais longo dos papéis é onde deveríamos continuar - estamos na parte intermediária - ou, talvez, se deveríamos encurtar”, já que, para ele, o ambiente global exige posições mais curtas.
Nos últimos dias, na medida em que Trump ganhou mais espaço sobre Kamala nas bolsas de apostas junto com a possibilidade de os republicanos levarem as duas casas do Congresso, as taxas dos Treasuries de longo prazo subiram de maneira relevante diante, entre outras coisas, da leitura de que Trump poderia comprometer ainda mais a situação fiscal americana. “Os dois [candidatos] podem ser irresponsáveis [fiscalmente]. E, inclusive, a Kamala não está propondo subir todos os impostos de uma vez nem voltar ao que era antes [dos cortes tributários de Trump]. A questão é que Trump pode trazer mais preocupação para o fiscal no curto prazo porque ele pode ter mais apoio político no Congresso”, diz Srour.
Para Telo, no entanto, “seria esticar demais a corda” dizer que, dado o nível de déficit americano, seria necessário um prêmio maior para a rolagem da dívida do país. “Não estamos nesse tipo de discussão.”
Se o déficit fiscal americano não é o problema principal na cabeça dos investidores no momento, por outro lado, caso Trump ou Kamala sejam mais expansionistas nos gastos, “significa que vai ter de pagar um prêmio maior”, diz Srour. “Não é uma discussão de solvência da dívida americana, de crise fiscal. É uma discussão sobre o prêmio ser maior; o juro neutro [ que não retrai nem acelera a inflação] vai ser maior. E quem mais vai sofrer, de novo, são os emergentes. No fundo, vamos sofrer o problema fiscal americano, mas porque também temos problema fiscal no Brasil”, diz Srour.
Para ela, a maior incerteza externa pode catalisar uma piora adicional nos ativos brasileiros se o governo Lula não entregar “algo que satisfaça” em termos de ajuste de despesas. “Tem de ser estrutural, porque o mercado não está olhando 2024; está olhando a sustentabilidade do arcabouço fiscal e vendo que, em 2026, ele não se sustenta com os gastos crescendo como estão”, afirma. Essa mudança estrutural depende, na visão de Srour, de mudanças no desenho e nas regras de diversos programas de governo.
O “fiscal frouxo”, diz Telo, está trazendo crescimento econômico e pressionando a inflação, e o BC reagiu subindo juros, mas nem as expectativas futuras de inflação nem o câmbio cederam. “Existe uma desconfiança fiscal tamanha que faz o mercado pensar que o BC é ‘carona’, que tudo o que ele fizer não será suficiente para trazer a inflação para a meta”, afirma Srour.
E, diante de tal incerteza, Srour considera justo o nível de Selic a 13,5% em meados de 2025 precificado na curva. “O juro está muito alto? Está, mas temos de ver uma ação de desaceleração de inflação. Se o fiscal ficar totalmente desordenado, como está hoje, a expectativa de inflação tem de subir e o BC não tem outra coisa a fazer a não ser subir [a Selic]”, diz. Por isso, para ela, é difícil enxergar uma discussão sobre queda de juros em 2025. “Se o fiscal não for arrumado, se nada for apresentado, vai ser o BC que vai ser colocado em teste já já”, alerta.
“Seria muito importante o instrumento fiscal ser usado para corrigir essa inflação, porque ele é o mais eficiente neste momento, dado o ponto em que ele está, em relação aos juros”, diz Telo.
Arminio Fraga - Hora de desarmar a bomba fiscal / O Brasil está diante de dois ajustes relevantes: gerar um superávit primário que reduza o endividamento do governo e repensar as prioridades do gasto público- Valor 1/11
As principais lideranças do país parecem estar se dando conta de que o quadro fiscal, precário faz tempo, se agravou. Alguns indicadores contam a história: relação dívida pública de cerca de 80%, taxas de juros reais (acima da inflação) que o governo paga em sua dívida de longo prazo batendo em 7%, expectativas de mercado para a inflação acima de 5% a perder de vista, e o dólar, que na virada do ano passado estava abaixo de R$ 5, beira os R$ 5,80. Ou seja, o mercado elevou bastante o tom de seus alertas.
Com frequência se ouve reclamações de que a Faria Lima, os bancos e o Banco Central são os responsáveis por esses sinais de alerta. Na verdade, eles resultam das crenças e das ações de todos os agentes econômicos. Dentre esses, destaca-se o governo, o maior devedor e o maior tomador de empréstimos.
O Arcabouço Fiscal proposto pela Fazenda no ano passado corretamente reconheceu a necessidade de um ajuste nas contas públicas, hoje claramente insustentáveis. As metas apresentadas incluem um superávit primário de 1% do PIB no último ano do atual mandato presidencial. Infelizmente, seu cumprimento parece pouco provável.
De qualquer forma, o ajuste necessário para estabilizar a dívida pública como proporção do PIB é maior do que 1%. Isso porque só de juros reais o governo paga mais do que 5% do PIB. Para estabilizar o tamanho da dívida, é necessário que seu crescimento seja igual ao crescimento do PIB. Vejamos as contas.
Quanto à economia, as perspectivas são modestas. A expansão fiscal recente da demanda agregada não é sustentável. O Brasil vem investindo muito pouco (menos do que 17% do PIB) e a produtividade não dá grandes sinais de vitalidade há décadas. Para não ser acusado de pessimista, trabalho com uma taxa de crescimento de 2,5%, aproximadamente igual à média anual desde o Plano Real.
A dívida cresce com o saldo primário e com a conta de juros. O primário realista para 2024, segundo a Instituição Fiscal Independente, é de um déficit em torno de 1% do PIB. Fazendo a conta, conclui-se que, para estabilizar a dívida/PIB, seria necessário um superávit primário de 3% do PIB, o que demanda um ajuste de 4% do PIB (de menos 1% para mais 3%).
Verdade que um ajuste fiscal convincente teria o dom de reduzir os prêmios de risco na economia, o que por sua vez reduziria a taxa de juros e estimularia o investimento. Permitiria, portanto, que um superávit primário menor do que 3% estabilizasse a razão dívida/PIB.
Que ajuste seria esse? O gasto do governo consolidado (todas as esferas e poderes) no Brasil subiu de 25% do PIB, há 35 anos, para cerca de 33% hoje. Nesse mesmo período, o investimento público caiu de um pico de 5% do PIB para menos do que 2%. Isso mesmo: os gastos subiram e o investimento caiu! Portanto, não temos “apenas” um problema fiscal macroeconômico - temos um problema sério de falta de prioridade no gasto.
A mais lamentável lacuna está no subfinanciamento do SUS, mas há outras. Além disso, estabilizar a dívida no atual patamar me parece de todo imprudente. Além dos juros elevados, que para cair exigem o tratamento fiscal, estamos vivendo uma era de grandes desafios, tais com mudança climática, epidemias, novas tecnologias, guerras e o avanço do autoritarismo.
O Brasil está, portanto, diante de dois ajustes relevantes: gerar um superávit primário que reduza o endividamento do governo e repensar as prioridades do gasto público. São desafios enormes, sobretudo quando se leva em conta que parte relevante dos ajustes dependem dos Estados e dos municípios.
No campo dos gastos, três contas chamam a atenção. Duas delas são fáceis de ver: a Previdência (de longe a que mais aumentou e segue aumentando) e a folha de salários são cada uma responsável por quase 40% do gasto público primário. São porcentagens totalmente fora da curva quando se compara internacionalmente. Não há solução crível para a armadilha fiscal que dispense reformas estruturais e um tanto radicais nessas duas áreas. Na área de pessoal, além de eliminar iniquidades, uma boa reforma administrativa teria o condão de aumentar a produtividade do próprio Estado. Ambas teriam impacto limitado no curto prazo, mas a médio prazo praticamente resolveriam a questão fiscal.
Há um terceiro tipo de gasto, menos visível, mas não menos importante: os gastos tributários do governo. São subsídios que hoje chegam a 6% do PIB. Incluem os regimes especiais do imposto de renda (Simples e Presumido, este ainda ausente das estatísticas), deduções do IRPF, empréstimos a juros abaixo de mercado etc. Seu impacto é muito regressivo e pouco transparente. Parte do assunto está em pauta, mas o ambiente político não me parece favorável a avanços. Pena que o PT, quanto tinha mais poder, não aproveitou a oportunidade. Espero que algum dia a ficha caia e permita a correção desses absurdos. Se eliminados, aumentariam a carga tributária, algo que me parece inevitável (sem prejuízo de discussões futuras sobre o tamanho do Estado).
No momento, as fragilidades fiscais do Brasil não estão sendo tratadas com a profundidade necessária. O orçamento é rígido e repleto de vinculações. Itens de peso não estão sequer em pauta. Contingenciamentos não são o melhor remédio, e não darão conta do recado. Sem esses ajustes, o país não terá condições de lidar com emergências futuras. E mais - não crescerá de forma acelerada, equitativa e sustentável.
Arminio Fraga é economista e ex-presidente do Banco Central.
Fabio Giambiagi - Um ‘superteto’ daria realismo ao debate sobre as prioridades das políticas públicas/Nove de cada dez especialistas na temática fiscal no país consideram que a regra atual do arcabouço não sobreviverá a 2027. Regime caminha para esgotamento- O Globo 1/11
Já comentei algo do assunto neste espaço, mas vale a pena aprofundar o tema: assumindo a despesa prevista para o Fundeb este ano na última avaliação bimestral feita pelo Ministério de Planejamento (R$ 48,7 bilhões) e uma hipótese de variação do deflator do PIB no ano de 4,5%, utilizando este critério para inflacionar os valores antigos a preços de 2024, a despesa nessa rubrica terá aumentado a uma taxa acumulada em 4 anos de nada menos que 141,8% em termos reais em relação a 2020.
Em outras palavras, 24,7% de crescimento real anual, num período em que (com um crescimento de 3% este ano) a economia terá crescido a uma média anual de 3,4%. Noves fora a pergunta óbvia (houve um salto na qualidade da educação entre 2020 e 2024?), a outra pergunta natural (como foi possível aumentar tanto a rubrica, num contexto de restrição fiscal?) tem uma resposta clara: a restrição estava “fora do teto” na “regra do teto” de 2016.
O caso serve de exemplo do tipo de “drible” que se tenta fazer nas restrições fiscais quando elas são adotadas. Por isso, da reflexão dos especialistas acerca do ocorrido com o “teto de gastos” de Temer de 2016/2022 e do “arcabouço fiscal” de Lula de 2024 (o ano de 2023 foi uma espécie de transição de regras) começa a decantar uma conclusão que, a rigor, deveria ser bastante óbvia: as exceções ao teto precisam acabar.
Esta questão é muito importante, porque minha impressão é que 9 de cada 10 especialistas na temática fiscal no Brasil consideram que a regra atual do arcabouço não sobreviverá a 2027, porque o regime atual caminha para o esgotamento em 2025/2026, assim como a regra do teto tendeu a se esgotar, fiscal e politicamente falando, durante 2021/2022.
É desejável, portanto, que haja um debate público prévio de certa qualidade acerca do que colocar no lugar da regra atual.
A questão contempla diversas nuances (Que aumento real considerar? Será preciso ter um componente anticíclico? Qual o indexador?) que não há aqui espaço para abordar em detalhes, mas um ponto crítico se refere à abrangência da regra.
Nesse sentido, a sugestão aqui feita é que a restrição abarque todas as despesas primárias da União, deduzidas as transferências aos governos subnacionais que são subtraídas da receita bruta para chegar ao conceito de receita líquida do governo central na forma padrão de divulgação do resultado fiscal por parte da Secretaria do Tesouro Nacional.
Evidentemente, também ficariam de fora os créditos extraordinários, com um detalhe a ser explicado daqui a pouco.
Como funcionaria a regra, se já vigorasse? O total da despesa prevista oficialmente para 2024, com exceção dos créditos extraordinários, é R$ 2.210 bilhões. Digamos, por hipótese, que a inflação correspondente ao indexador a ser adotado fosse 4,40%. Nesse caso, o valor de referência da despesa para 2025 seria de 2.210 x 1,044 = R$ 2.307,2 bilhões. A esse número se adicionaria o plus real decorrente da regra a ser adotada (1,5%, 2,0% ou 2,5%).
Mesmo que, “por fora” desse valor, pudessem ser aprovados créditos extraordinários para responder à emergência A ou B (tais como o atendimento a desabrigados por enchentes ou a regiões assoladas por uma seca), esse total, para o ano, ficaria “escrito em pedra”, de modo que não possa ser ultrapassado em hipótese alguma.
Assim, quaisquer pressões por mais gastos teriam que ser compensadas pela redução de outros, princípio saudável para dar realismo ao debate sobre as prioridades das políticas públicas.
Resta a questão de como limitar o valor dos créditos extraordinários, para não vulgarizar o instrumento. Minha proposta é definir uma regra para isso: i) até um montante total anual de 0,2% do valor do teto (grosso modo, em torno de R$ 5 bilhões) isso poderia ser por MP; ii) se o valor for maior que isso, até 0,5% do valor do teto, os créditos terão quer ser por projeto de Lei; e iii) acima disso, só por Lei Complementar. Bom debate a todos.
Inflação de alimentos ganha força e deve subir em torno de 1% ao mês no 4º tri / Com alta forte das carnes, preços de comida em casa caminham para fechar o ano com aumento de 6,5% a 7%, depois de terem caído 0,5% em 2023- Valor 1/11
Anaïs Fernandes
Os preços da alimentação no domicílio ganham fôlego neste trimestre, devendo subir em torno de 1% ao mês no período. Neste ano, a inflação dos alimentos, que pesa mais no bolso dos mais pobres, voltou a avançar com força. No IPCA, as cotações do grupo devem aumentar de 6,5% a 7% em 2024, com influência significativa da alta das carnes, após o recuo de 0,5% em 2023.
Nas contas do economista Fábio Romão, da LCA Consultores, a inflação da alimentação no domicílio no quarto trimestre de 2024 deve superar com folga a variação registrada pelo grupo nos últimos dez anos nesse período. Ele espera altas mensais um pouco superiores a 1% neste trimestre, bem acima dos aumentos de 2014 a 2023, com medianas de 0,58% em outubro, 0,67% em novembro e 0,88% em dezembro.
O consenso do mercado para a inflação dos alimentos em casa, que começou o ano em 4,1%, já está em 6,6%, segundo o Boletim Focus do Banco Central. No caso da LCA, a projeção subiu com força a partir de agosto, passando de 4,9% para 7,1%.
A alimentação no domicílio subiu muito mais que a inflação média de 2018 a 2022 e voltou a acelerar neste ano, após a deflação do ano passado. De junho de 2023 a maio de 2024, a variação em 12 meses ficou abaixo do índice geral, invertendo a mão em junho. O grupo saiu de 3,27% nos 12 meses até maio para 6,27% até setembro, enquanto o IPCA foi de 3,93% para 4,42%.
O comportamento dos preços das carnes tem surpreendido os economistas. A fase do ciclo do boi, com a diminuição dos abates e o aumento das exportações, já era um fator de pressão esperado para a virada de 2024 para 2025. A seca e os incêndios nas áreas produtoras trouxeram pressão adicional. Alexandre Maluf, economista da XP, projeta aumento de 7% para os preços da alimentação no domicílio em 2024, e de 12,5% para o grupo carnes. Além disso, as cotações do arroz e do feijão têm altas expressivas. Com o salto da inflação da comida em casa, o IPCA fechará 2024 perto do teto da banda de tolerância da meta, de 4,5%. Os serviços também estão pressionados, com o mercado de trabalho aquecido. A alta do dólar é outro fator que preocupa.
Desemprego tem menor taxa no 3º tri desde 2012 / Desocupação no país caiu para 6,4% entre julho e setembro deste ano, ante 6,6% no trimestre até agosto, 6,9% no 2º trimestre de 2024 e 7,7% no 3º trimestre de 2023, de acordo Pnad, do IBGE- Valor 1/11
Anaïs Fernandes / Lucianne Carneiro
O mercado de trabalho brasileiro segue forte. No terceiro trimestre, a taxa de desemprego ficou em 6,4%, a menor para o período na série do IBGE, iniciada em 2012. Nos cálculos com ajuste sazonal da MCM Consultores, a taxa ficou em 6,5%, a menor de todo o período nessa base de comparação, registrando o décimo recuo seguido. O terceiro trimestre reuniu um conjunto de recordes, como o de pessoas ocupadas, com cerca de 103 milhões, e o de trabalhadores com carteira assinada (39 milhões). Já a renda tem dado sinais de acomodação. No trimestre, o rendimento médio ficou em R$ 3.227, 0,4% abaixo do valor do segundo trimestre. Já sobre igual período de 2023, houve alta de 3,7%.
Petrobras pressiona Petros a indicar ex-diretor da Previ processado pelo próprio fundo / Suplente de senadora petista, Francisco Ferreira Alexandre tem longo vínculo com o partido e tem escolha atribuída a João Vaccari Neto- Malu Gaspar – O Globo 1/11
Johanns Eller
A Petrobras está pressionando o Conselho Deliberativo da Petros, o fundo de pensão dos servidores da estatal, a acatar a indicação de um diretor de investimentos denunciado em 2019 pelo Ministério Público Federal (MPF) por gestão temerária na Previ, do Banco do Brasil, no âmbito da operação Greenfield. O escolhido, Francisco Ferreira Alexandre, é suplente da senadora Teresa Leitão (PT-PE) e sua indicação é atribuída no fundo a João Vaccari Neto, ex-tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff que tem atuado nos bastidores do governo Lula apadrinhando dirigentes para os fundos de pensão das estatais.
O movimento tem provocado resistência de parte dos conselheiros e perplexidade nos bastidores. Isso porque, além de ter sido denunciado pelo MPF por irregularidades em um fundo de investimentos em participações do Banco do Brasil, Francisco também é réu em um processo na Justiça Federal por improbidade administrativa no qual a própria Petros figura como assistente da acusação, cobrando ressarcimento pelos prejuízos provocados pelos escândalos nos fundos de pensão.
O fundo Global Equity Properties investia em empreendimentos imobiliários e causou perdas para a Petros, a Previ e a Funcef, da Caixa Econômica Federal, estimadas em quase meio milhão de reais pelo MPF em razão de um esquema em que os gestores desses fundos superestimavam o valor dos ativos a serem adquiridos em troca de propina. Como diretor de Administração da Previ, Francisco chancelou um aporte de R$ 50 milhões no fundo em 2009, o que o colocou na mira da Greenfield.
A diretoria de Investimentos está vaga desde junho, quando o titular, Paulo Werneck, deixou o cargo alegando nos bastidores receio de interferências e aparelhamento político na Petros, como antecipou o colunista Lauro Jardim. Desde então, o cargo é ocupado por um interino.
A indicação do petista foi encaminhada à Petros em julho pelo CFO da Petrobras, Cesar Rosa, junto com o nome de um servidor que foi rapidamente descartado. Para integrantes do fundo ouvidos pela equipe do blog, o funcionário foi incluído apenas para constar, já que o candidato para valer é Francisco.
O escolhido pela Petrobras também não passou pelo processo de recrutamento conduzido por uma empresa que selecionou inicialmente 50 candidatos, dos quais restaram três. O regramento do fundo não obriga que os cargos sejam preenchidos por companhias headhunters.
Desde então, a indicação tem sofrido forte resistência dentro e fora do conselho, mobilizando integrantes da Petros para tentar barrá-la. Na reunião do colegiado da última quarta-feira, a Petrobras tentou acelerar o processo de escolha do novo diretor, pressionando pela formação da lista tríplice que tem que ser votada nesta instância para que o nome de Ferreira seja chancelado. Mas o procedimento foi adiado após questionamentos ao histórico e currículo dele.
Dos seis conselheiros da Petros, três são indicados pela Petrobras e outros três eleitos diretamente. Entre eles estão dois sindicalistas, um deles ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e à Federação Única dos Petroleiros (FUP), que exerce forte influência na gestão de Magda Chambriard à frente da empresa. O terceiro eleito é considerado independente.
Para além do fato de Ferreira ser processado pelo próprio fundo cujos investimentos agora pretende gerir, outro elemento que tem provocado desconforto é o fato de ele integrar o Comitê de Pessoas e Governança da Invepar, administradora da concessão da Linha Amarela, via expressa do Rio.
Parte dos conselheiros acredita que sua eventual nomeação pode configurar um conflito de interesses, uma vez que a Petros detém 25% da companhia de infraestrutura. A Invepar tem dado seguidos prejuízos, reduzido substancialmente seus ativos e hoje representa uma das principais dores de cabeça para a entidade.
Há ainda questionamentos sobre a compatibilidade de Francisco com o cargo de diretor de Investimentos. Isso porque uma resolução da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), que regulamenta os fundos de pensão, exige um certificado específico para a área e experiência mínima de três anos no setor de investimentos, o que alguns conselheiros contestam.
Apesar das raízes no sindicalismo, Francisco tem passagens por conselhos de corporações como a Vale, a Perdigão e a Kepler Weber, além de ter atuado como superintendente da BRF Previdência e de integrar o conselho fiscal da metalúrgica catarinense Tupy. No entanto, segundo fontes da Petros, a experiência é limitada a atividades administrativas ou fiscais, sem ligação direta com investimentos.
Fundos pelo PAC
Na leitura de integrantes da Petros, a pressão da Petrobras faz parte da articulação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para mudar o regulamento dos fundos de pensão e viabilizar a injeção de dinheiro destas entidades nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC – sempre com o objetivo de impulsionar obras federais de olho nas eleições de 2026 no contexto de uma meta fiscal apertada.
Segundo fontes ouvidas pela equipe do blog, a articulação para emplacar o ex-diretor do fundo do BB tem o envolvimento do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que desde o retorno de Lula à presidência tem atuado como um interlocutor informal do partido nos fundos de pensão.
Além de correligionários, os dois foram contemporâneos no sindicalismo. Vaccari presidiu o Sindicato dos Bancários em São Paulo quando Francisco era secretário de imprensa da Confederação Nacional dos Bancários. O postulante à diretoria da Petros também foi vice-presidente da CUT em Alagoas quando o ex-tesoureiro do PT foi secretário-geral da entidade.
Recentemente, como revelou Lauro Jardim, Vaccari emplacou uma aliada como gerente de compliance da Invepar, onde Ferreira já integra o Comitê de Pessoas e Governança.
Nós questionamos a Petrobras sobre os critérios técnicos que balizaram a indicação do petista para a Diretoria de Investimentos da Petros, levando em conta, inclusive, sua denúncia na Greenfield e a ação em que o próprio fundo de pensão processa Francisco.
“A Petros é entidade fechada de previdência complementar, de direito privado, e detém independência para, segundo seus critérios de governança e conformidade, conduzir o processo de seleção”, afirmou a companhia em nota.
Nós também perguntamos se a estatal se manifestaria sobre os relatos de pressão sobre os conselheiros, mas não houve resposta.
Procurado para comentar a ofensiva da Petrobras pela nomeação de Francisco Ferreira Alexandre e as denúncias de gestão temerária na Previ com prejuízos para a própria Petros, o fundo afirmou, por meio de nota, que não poderia “comentar processos seletivos em andamento” em função de “suas normas internas de governança”.
Francisco, por sua vez, não retornou o contato da equipe da coluna. O espaço segue aberto.
Receita Federal eleva Imposto de Renda das transmissoras de energia elétrica / Em solução de consulta, órgão altera base de cálculo de receitas de operação e manutenção- Valor 1/11
Por Luiza Calegari — De São Paulo
A Receita Federal publicou entendimento que eleva o Imposto de Renda (IRPJ) das transmissoras de energia elétrica. Esse aumento veio com a alteração, por meio de solução de consulta, da margem de presunção de lucro sobre receitas de operação e manutenção de infraestrutura. A decisão, segundo tributaristas, pode abrir uma nova frente de contencioso com a União.
Na Solução de Consulta nº 250, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), o órgão informa que a margem de presunção de lucro deve ser de 16% para o IRPJ e de 12% para a CSLL - até então, as empresas aplicavam 8% e 12%, respectivamente. Essa é a fatia sobre a qual incidirão as alíquotas dos tributos recolhidos pelas empresas que operam no regime do lucro presumido. Assim, uma margem maior significa que o imposto devido será mais alto, mesmo sem a alteração na alíquota.
Em 2018, na Solução de Consulta Cosit nº 259, a Receita já tinha determinado a aplicação de margem de presunção de lucro de 16% para o IRPJ, segundo o tributarista Diogo Olm Ferreira, sócio do VSBO Advogados. Mas a orientação teria sido revogada.
Desde então, em outras orientações sem efeito vinculante, a Receita Federal vinha adotando a margem de 8% para o IRPJ, conforme explica Ferreira. A da CSLL se manteve em 12%. A mudança de entendimento, sustenta o advogado, vai abrir uma nova frente de questionamentos judiciais.
Para Leonardo Lucci, tributarista do Gaia Silva Gaede, a mudança trouxe insegurança para o contribuinte. “É um risco relativamente alto continuar considerando a margem de 8% para o IRPJ e de 12% para a CSLL. Embora os entendimentos judiciais sejam mais favoráveis aos contribuintes, existe o risco de autuação”, diz.
A controvérsia vem a reboque de outra ainda maior, com o mesmo cerne de discussão: a separação, para fins contábeis, da fase de construção e de prestação de serviços das transmissoras de energia. Para adequar as empresas brasileiras ao sistema de demonstrações financeiras internacionais, a Lei nº 12.973, de 2014, instituiu a diferenciação das atividades de construção, recuperação, reforma, ampliação ou melhoramento de infraestrutura vinculados a contrato de concessão de serviço público (artigo 15, inciso III, alínea “e”).
Em 2015, a Solução de Consulta Cosit nº 174 definiu que as receitas com construção da transmissora deveriam ser tributadas com base na nova previsão legal, que instituiu margem de presunção de lucro de 32% para o IRPJ e para a CSLL. Contra esse entendimento, muitos contribuintes se insurgiram na Justiça, e conseguiram decisão favorável.
Segundo levantamento de Diogo Olm Ferreira, foram proferidas desde 2015, em segunda instância, 30 decisões sobre o assunto. Deste total, 21 foram favoráveis aos contribuintes. Apenas os Tribunais Regionais Federais (TRFs) da 5ª e 6ª Regiões não analisaram o tema ainda.
Em abril, por exemplo, a 4ª Turma do TRF-2 negou um recurso da Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional e manteve a margem de presunção de lucro de 8% para o IRPJ de uma transmissora. “Embora se possa alegar que a impetrante tenha assumido as obrigações de construir e de manter as instalações de transmissão, não se deve perder de vista que referidas incumbências se apresentam como meio necessário para viabilizar a atividade-fim (prestação do serviço de transmissão de energia elétrica)”, diz o acórdão (processo nº 5005875-27.2019.4.02.5101).
Em maio de 2023, o TRF-3 também decidiu que uma transmissora “não é prestadora de serviços de construção civil estrito senso e nem a sua receita advém dessa espécie de atividade empresarial; ao contrário, é remunerada (receita anual permitida - RAP) em contrapartida aos serviços de transporte de carga (fornecimento de energia elétrica)” - (processo nº 5019886-78.2018.4.03.6100).
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), não há precedente colegiado, apenas uma decisão monocrática que avaliou o mérito, do ministro Francisco Falcão, de agosto de 2023, desfavorável ao contribuinte (AResp 2211982).
Para Celso Costa, sócio do Machado Meyer, ao também reafirmar o entendimento de presunção de lucro de 32% para a fase de construção na nova solução de consulta, a Receita privilegia uma ficção contábil sobre a atividade real. “A natureza da empresa é transmitir energia elétrica. Ao construir uma nova linha, a empresa não está no negócio da construção, até porque na maior parte das vezes ela contrata uma construtora para fazer isso, terceiriza. Ela não está fazendo aquilo para ter receita de construção, mas para viabilizar o objeto-fim, de transmissão de energia”, afirma.
Se a base para o questionamento judicial da margem de 32% está na definição que a Receita aplica para a etapa de construção, a instituição, nessa nova solução de consulta, da margem de 16% na operação e manutenção também pode gerar uma controvérsia semelhante, de acordo com Diogo Olm Ferreira. Isso porque, acrescenta, a Receita considera que o serviço prestado pelas transmissoras de energia é de transporte.
Segundo o artigo 15, parágrafo 1º, inciso III, alínea “a”, da Lei nº 12.973, acrescenta, a atividade de transporte deve ser tributada a partir de presunção de lucro de 16%, exceto nos casos de transporte de carga, cuja margem de presunção seria de 8%.
Até agora, a interpretação da Receita tinha sido de que o transporte de energia equivale ao de carga. Agora, com a nova normativa, ela passou a encarar a transmissão como um tipo de transporte “sui generis”. Os tributaristas criticam essa interpretação.
“Se o transporte não for de carga, deve ser de seres humanos”, diz Ferreira. “No caso da energia, que deve ser equiparada à mercadoria, tem que se tratar como transporte de carga.”
A energia é equiparada à carga para tributação pelo ICMS, aponta Celso Costa, e assim é tratada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “A Receita vem testando teses, o que é um horror. Depois, tem de lançar programas para reduzir a litigiosidade, todo ano surge um novo programa para resolver o problema que a própria Receita criou”, diz.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.
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