Pular para o conteúdo principal

Leitura de sábado

 Leitura de Sábado:China não voltará a comprar soja dos EUA como antes, diz professor da Cornell

10:00 19/04/2025 


Por Gabriel Azevedo


São Paulo, 17/04/2025 - O professor de economia aplicada Wendong Zhang, da Universidade Cornell, no Estado de Nova York, avalia que, mesmo que os Estados Unidos e a China cheguem a um acordo para encerrar a disputa envolvendo a questão tarifária, os chineses dificilmente voltarão a importar soja do país nos mesmos volumes de antes. "Não acho que veremos o retorno aos números antigos, a menos que haja uma mudança política dramática", afirma ele, em entrevista ao Broadcast Agro. Nesta semana, o governo Donald Trump afirmou que as tarifas aplicadas contra produtos chineses chegaram a 245%, após sucessivas rodadas de sobretaxas. Do outro lado, a China impôs retaliações, elevando a até 84% taxas de importação sobre bens norte-americanos.


Trump justifica as medidas como forma de pressionar a China por acordos comerciais mais vantajosos. Já Pequim classificou a atitude como "erro sobre erro" e prometeu lutar "até o fim". Em meio a esse embate, o agronegócio brasileiro observa com atenção os desdobramentos. Uma reaproximação comercial entre Estados Unidos e China, como já ocorreu no primeiro acordo entre os dois países em 2020 (chamado de "Fase 1"), poderia afetar diretamente os embarques brasileiros de soja e carne - produtos que hoje lideram a pauta de exportações do Brasil para o mercado chinês.


Zhang é especialista em comércio agrícola, China e política internacional. A seguir, os principais trechos da entrevista:


Broadcast Agro - A China está formando estoques e ampliando o plantio de soja, enquanto aumenta as compras do Brasil. Como o senhor analisa essa estratégia? É uma mudança estrutural ou apenas um reflexo da guerra comercial com os EUA?


Wendong Zhang - Nos últimos anos, a China aumentou seus estoques de soja em mais de 25%, principalmente através da empresa estatal Sinograin. Isso dá ao país margem para pausar ou redirecionar compras em momentos de tensão política. Junto com os esforços para expandir a área plantada internamente, essa estratégia claramente reduziu a dependência chinesa da soja americana no curto prazo. Não é apenas uma questão de estabilizar preços, mas de garantir segurança caso as relações se deteriorem novamente. Ao mesmo tempo, vemos a forte preferência chinesa pela soja brasileira como parte de um realinhamento de longo prazo, não apenas uma reação de curto prazo. Em 2024, o Brasil forneceu mais de 70% de todas as importações chinesas de soja, número que seria considerado alto mesmo uma década atrás. Os importadores chineses preferem os grãos brasileiros não apenas pelo preço, mas pela logística mais previsível e pelas relações comerciais mais amigáveis. Com empresas estatais chinesas investindo diretamente em portos brasileiros, isso parece mais uma mudança estratégica do que um ajuste temporário.


Broadcast Agro - Quanto impacto a guerra comercial de 2018/19 causou às exportações americanas? Os agricultores dos EUA conseguirão recuperar o espaço perdido no mercado chinês?


Zhang - A guerra comercial de 2018/2019 deixou marcas duradouras. As exportações americanas de soja para a China caíram drasticamente, e, mesmo com a recuperação parcial dos volumes, o dano à reputação não foi totalmente reparado. Em 2024, a participação dos EUA nas importações chinesas de soja permaneceu em torno de 26%, bem abaixo dos níveis anteriores à guerra comercial. Um estudo do Centro de Pesquisa Agrícola mostrou que, embora os agricultores americanos tenham recebido dinheiro do governo como compensação, as relações comerciais foram enfraquecidas e a confiança foi perdida. Isso é muito mais difícil de restaurar com um cheque. Nossas projeções indicam que a participação dos EUA nas importações chinesas ficará entre 28% e 32% em 2025/26, dependendo da evolução das tarifas e do clima. Isso está bem abaixo dos níveis de 40-45% antes de 2018. Mesmo com safras americanas mais fortes, não acredito que veremos o retorno aos números antigos, a menos que haja uma mudança política dramática ou um problema grave na oferta de outros países. O mundo mudou - e a forma como a China compra também.


Broadcast Agro - O Brasil conseguirá manter sua posição de liderança, apesar dos problemas de infraestrutura? E como secas ou enchentes extremas podem afetar esse cenário?


Zhang - O Brasil fez progressos reais, não há como negar. A expansão do Arco Norte (sistema de portos nas regiões Norte e Nordeste) e os investimentos em ferrovias ajudaram a aliviar os congestionamentos. Mas gargalos sazonais e custos de frete interno ainda são barreiras. Meus modelos sugerem que o Brasil poderia atingir cerca de 100 milhões de toneladas de soja em exportações até 2026, se tudo correr bem. Mas isso pressupõe investimento contínuo e logística mais eficiente da colheita ao porto. Então sim, a infraestrutura é uma limitação - mas uma que está melhorando com o tempo. Os impactos climáticos são extremamente importantes nessa equação. Vimos isso durante a seca argentina de 2023/24 - a China rapidamente redirecionou compras para o Brasil e, em menor medida, para os EUA. Se Mato Grosso enfrentasse uma seca severa ou inundações, eu estimaria um redirecionamento de 5 a 8 milhões de toneladas de demanda. Os choques climáticos são o fator imprevisível nesse sistema, e eles forçam a China a manter planos B - e fornecedores - alternativos.


Broadcast Agro - Muitos analistas falam em "desglobalização". O senhor concorda? Como essa tendência afeta o comércio agrícola global?


Zhang - Eu chamaria de desglobalização seletiva ou estratégica. Os países ainda comercializam, mas estão mais cautelosos agora. Após a pandemia, a guerra na Ucrânia e as tarifas EUA-China, as nações importadoras de alimentos estão repensando os riscos. O comportamento de compra da China - construindo estoques, diversificando fornecedores, investindo em logística - mostra uma clara mudança do comércio baseado na busca pelo menor preço para um comércio baseado em segurança. É um padrão que espero que continue. Essa nova lógica mudou fundamentalmente os fluxos globais. Em 2024, a China importou quase 9 milhões de toneladas da Argentina, Uruguai e Rússia - países que vendiam muito menos há uma década. E não são apenas as importações - a China também está investindo em alternativas proteicas e aumentando a produção doméstica de soja. O resultado é um sistema mais flexível e menos dependente dos EUA.


Mesmo que as tarifas desapareçam, não espero que a China retorne aos padrões de compra anteriores a 2017 tão cedo. Nossas simulações mostram que a guerra tarifária custou cerca de 2,5% do PIB aos EUA e ainda mais à China. As exportações agrícolas americanas caíram mais de US$ 25 bilhões entre 2018 e 2020. Os estados do Meio-Oeste americano, onde se concentra a produção de soja, foram os mais afetados, mesmo com os pagamentos do governo. As tarifas chamaram atenção para os desequilíbrios comerciais? Sim. Mas trouxeram mudança estrutural na China? Não, longe disso. No final, os agricultores americanos pagaram um preço alto por uma mensagem política.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Call Matinal ConfianceTec

 CALL MATINAL CONFIANCE TEC 30/10/2024  Julio Hegedus Netto,  economista. MERCADOS EM GERAL FECHAMENTO DE TERÇA-FEIRA (29) MERCADO BRASILEIRO O Ibovespa encerrou o pregão na terça-feira (29) em queda de 0,37%, a 130.736 pontos. Volume negociado fechou baixo, a R$ 17,0 bi. Já o dólar encerrou em forte alta,  0,92%, a R$ 5,7610. Vértice da curva de juros segue pressionado. Mercados hoje (30): Bolsas asiáticas fecharam, na sua maioria, em queda, exceção do Japão; bolsas europeias em queda e  Índices Futuros de NY em alta. RESUMO DOS MERCADOS (06h40) S&P 500 Futuro, +0,23% Dow Jones Futuro, +0,05% Nasdaq, +0,24% Londres (FTSE 100),-0,46% Paris (CAC 10), -0,83% Frankfurt (DAX), -0,43% Stoxx600, -0,59% Shangai, -0,61% Japão (Nikkei 225), +0,96%  Coreia do Sul (Kospi), -0,82% Hang Seng, -1,55% Austrália (ASX), -0,81% Petróleo Brent, +1,20%, a US$ 71,97 Petróleo WTI, +1,29%, US$ 68,08 Minério de ferro em Dalian, +0,38%, a US$ 110,26. NO DIA (30) Dia de mais ind...

Matinal 0201

  Vai rolar: Dia tem PMIs e auxílio-desemprego nos EUA e fluxo cambial aqui [02/01/25] Indicadores de atividade industrial em dezembro abrem hoje a agenda internacional, no ano que terá como foco a disposição de Trump em cumprir as ameaças protecionistas. As promessas de campanha do republicano de corte de impostos e imposição de tarifas a países vistos como desleais no comércio internacional contratam potencial inflacionário e serão observadas muito de perto não só pela China, como pelo Brasil, já com o dólar e juros futuros na lua. Além da pressão externa, que tem detonado uma fuga em massa de capital por aqui, o ambiente doméstico continuará sendo testado pela frustração com a dinâmica fiscal e pela crise das emendas parlamentares. O impasse com o Congresso ameaça inviabilizar, no pior dos mundos, a governabilidade de Lula em ano pré-eleitoral. ( Rosa Riscala ) 👉 Confira abaixo a agenda de hoje Indicadores ▪️ 05h55 – Alemanha/S&P Global: PMI industrial dezembro ▪️ 06h00 –...

Prensa 2002

 📰  *Manchetes de 5ªF, 20/02/2025*    ▪️ *VALOR*: Mercado de capitais atinge fatia recorde no nível de endividamento das empresas                ▪️ *GLOBO*: Bolsonaro mandou monitorar Moraes, diz Cid em delação          ▪️ *FOLHA*: STF prevê julgar Bolsonaro neste ano, mas há discordância sobre rito     ▪️ *ESTADÃO*: Moraes abre delação; Cid cita pressão de Bolsonaro sobre chefes militares por golpe