De um amigo

 NOSSA LEITURA MUDOU! A RAZÃO JÁ ERA. O CENTRISMO E A MODERAÇÃO ACABARAM! O SENSACIONALISMO E O POPULISMO VENCERAM.


Gostaram do título chamativo? Pois é, fugi do meu estilo. Mas ele tem um motivo. Vamos à ele. 


Este artigo de John Burn-Murdoch, do Financial Times vai na raiz da questão: mídias sociais podem estar mudando nossa forma de pensar. 


Como trabalho com ciência de redes e como há uma teoria envolvendo esta ciência cuja base é a teoria dos grafos e a topologia - dois ramos da Matemática - já venho escrevendo por aqui e falando sobre isto com amigos há um bom tempo.  


Mas vamos ao texto (meus comentários estão após ele):


"A mídia social está transformando a política e a sociedade.⁠

A mídia impressa está em declínio há várias décadas. Mas talvez menos percebida  seja a queda no consumo das notícias escritas. A parcela de adultos que leem artigos de notícias on-line nos EUA caiu de 70 para 50% desde 2013.⁠

Fundamentalmente, a mudança de artigos de algumas centenas de palavras para 280 caracteres na década de 2010 significou uma mudança até mesmo da modesta quantidade de detalhes e sutilezas no noticiário médio para um mundo de leituras simplificadas demais. Ponderações e complexidade não são vistas nestes textos curtos.⁠

⁠Agora, o feedback instantâneo na forma de curtidas e contagens de compartilhamentos rapidamente ensinou às pessoas que o conteúdo de melhor desempenho é geralmente exagerado e hostil, em vez de conteúdo moderado e com nuances, com matizes. ⁠

⁠O cenário emergente da mídia tornou-se desfavorável a um establishment centrista educado, mas uma bênção para populistas e radicais, diz John Burn-Murdoch do Financial Times."⁠


Nas redes sociais existe um fenômeno chamado "assortatividade" ou "homofilia". Ele pode ser resumido como "semelhante atrai semelhante" ou, inversamente, os "opostos se repelem". O fato de ganharmos as curtidas e aprovações às nossas formas de expressão (escrita, áudio, fotos etc.) mexe bastante com nossas emoções e modificam nossa forma de pensar. A tecnologia das redes sociais não é neutra, ela modifica nosso pensamento. É capaz de unir pessoas com interesses e paixões similares. Mas também potencializa, em escala jamais vista, a união de ódios que se assemelham...  E políticos e vigaristas aprenderam a usá-la para nos manipular. 


Uma evidência: há tempos que a  tecnologia mostrou não ser neutra. Quando, ainda no final do século XIX,  Friedrich Nietzsche ficou doente e teve dificuldades físicas para elaborar seus manuscritos, um inventor o presenteou com uma das primeiras máquinas de escrever criadas. Nietzsche - a quem Freud se referiu como o único homem que realmente conhecia a si mesmo - adorou escrever à máquina. Mas... adorou tanto que acabou mudando seu estilo de redação. Pois é, um dos maiores filósofos da história acabou mudando sua forma de expressar seus pensamentos, os quais passaram a ser mais concisos e menos profundos. Vê só: o filósofo mudou com o uso de uma tecnologia que hoje é rudimentar, uma simplória máquina de escrever. 


Agora,  imagina o que um celular com rede social pode fazer com cérebros infantis e adolescentes. Ou mesmo com cérebros adultos emocionalmente ou cognitivamente menos resilientes ou  imaturos? Lembra: esses cérebros votam, pois o voto é obrigatório...


Bem, queria encerrar o texto com esta pergunta. Não gostaria de torná-lo longo e acabar por fazê-lo incoerente com seu próprio propósito. 


Mas não resisto a te dar os parabéns por ter lido até aqui. Este é um "textão" enorme para muitas pessoas  que nunca enfrentaram a leitura concentrada de um jornal dominical ou de uma revista semanal. Ou que só leram os romances, contos, poemas e crônicas que foram obrigadas por um professor do ensino médio ou fundamental. Ler é uma das formas mais prazerosas de aproveitar a vida, como dizia Jorge Luis Borges, poeta argentino. 


Além disto, como hoje se sabe, ler pode ser quase uma terapia. Defende seu cérebro contra o pensamento raso, torna-o mais analítico, focado e menos suscetível às demagogias e apelações dos algoritmos que fazem os trilhões de dólares das Big Techs. 


Pensar por conta própria não é fácil. E é algo quase impossível sem a prática da leitura, embora tenham existido alguns raros intelectuais orgânicos e completamente iletrados. Só que eles não tinham mídias sociais...

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