segunda-feira, 19 de junho de 2017

The Last - Despedida (11)

Além do jazz e dos museus (e de zanzar pela cidade, é claro), nosso lazer por aqui consiste principalmente em teatro e concertos. Em ambos há uma certa frustração, porque a oferta de alternativas é enorme, mas os preços subiram violentamente nos últimos anos, especialmente o de entradas para teatro. Poucos anos atrás, a entrada mais cara numa produção Broadway (teatro, não musicais) custava 70 dólares. Hoje, custa 150 dólares ou mais. Alguns espetáculos simplesmente não têm como ser vistos, com entradas esgotadas meses antes da estreia, como o “Hamilton”. Alguns fazem loterias de vez em quando, mas aí é loteria mesmo, é preciso muita sorte porque há sempre muita gente concorrendo. Há uma alternativa barata, que é o quiosque na Times Square que vende entradas poucas horas antes de a peça começar, por preços mais baixos (reservas canceladas e coisas assim), mas você não pode escolher o que quer ver, ou lugar, nada. É’ pegar ou largar.
Ir a um teatro aqui, especialmente para quem mora no Rio, é uma grande experiência. Em São Paulo ainda sobrevive um teatro mais profissional. No Rio, o que sobrou de plateia são as velhinhas da van. As peças duram, em geral, uma hora, porque a van vem buscar as senhorinhas e não pode ficar esperando. Grande parte do que se monta são monólogos ou diálogos. Três atores já é “grande elenco”. Cenários são normalmente cadeiras e cortinas pretas. Textos mais importantes são apresentados no que chamam de “leitura do diretor”, ou seja, tesouradas de tudo o que for possível, para caber em uma hora e baratear a produção.
Quando ainda estávamos no Rio, costumávamos ir a São Paulo periodicamente para ver um texto inteiro e, bênção das bênçãos, cenários! Aqui, a cadeira e as cortinas pretas são usadas só em vanguardas marginais, para quem gosta. Textos são sempre integrais (os espetáculos duram em média duas horas, duas horas e meia, às vezes três). A “leitura do diretor” está no modo como é montada, mas não tem essa história de um bobão qualquer cortando textos originais.
Teatro sempre foi uma das minhas maiores demandas. Houve época, nos bons tempos das entradas mais baratas, em que vi seis peças em sete dias passados aqui. Agora temos que escolher bem e depois torcer para que consigamos entradas. Vimos grandes, embora relativamente poucas, peças nesses dois anos, todas muito boas. Eu tendo a escolher pelo elenco (bons textos sempre podem ser lidos; para mim, ler as peças já satisfaz). Bons atores normalmente são cuidadosos ao escolher em que trabalham, porque uma crítica desastrosa pode ter consequências sérias.
Vimos coisas belíssimas (como “The Band’s Visit”), coisas muito impactantes (como “Blackbird”). Quem gosta de teatro (e está com o ouvido em dia com a lingua) vindo aqui, não deve perder a chance. Os musicais têm muito público, ficam muito conhecidos, mas hoje em dia viajam pra todo lugar, é possível ver as mesmas coisas no Brasil, mas o teatro de texto não viaja. Uma frustração é o Shakespeare in the Park, montagens gratuitas que são feitas no verão do Dellacorte, no Central Park. As entradas são distribuidas no dia da apresentação, e as filas começam a se formar não sei a que horas. Já tentamos bem cedo e a fila já era maior que a disponibilidade de ingressos. Há também uma loteria diária, mas nós nunca ganhamos nada em sorteios. Agora estão montando uma versão do “Júlio César” que está fazendo um certo auê, porque puseram o César parecido com o Trump, e a cena do assassinato no senado gerou muita conversa. Pessoalmente, me parece que comparar Trump com Júlio César é uma infelicidade para Cesar, mas, enfim, é a leitura do diretor! Os programas das peças são padronizados (se chama “playbill”), e nós guardamos os de todas as peças que vimos aqui desde os anos 80 (é de graça, ao contrário do que se faz no Brasil). No Rio, costumávamos olhar de vez em quando. Agora a coleção está lá e nós estamos aqui, fica para o futuro.
Para quem gosta de coisas de vanguarda, a oferta é também muito grande, mas eu confesso que dificilmente iria ver (é, eu sei, uma visão muito reacionária!).
Concertos também são caros, mas nem tanto, mas nós ficamos mal acostumados com um privilégio a que tivemos acesso nesses dois anos. Aqui ao lado de casa fica a Rockefeller University, e nela, toda sexta-feira, acontecem concertos ao meio-dia, financiados pela universidade e algumas outras instituições, além de contribuições do público. Os concertos não são formalmente abertos para o público, mas ninguém controla a entrada. São concertos ótimos, profissionais (em geral, músicos que vêm a NY e tocam lá antes da apresentação em alguma casa de concertos maior) e nós costumávamos ir a praticamente todos.
Mas há muitas escolhas mais acessíveis. Eu não gosto muito de sinfônicas, prefiro música de câmara, e aqui há a Chamber Music Society, que organiza concertos no Alice Tully Hall, a sala que fica no prédio da Julliard, no Lincoln Center, que organiza coisas belíssimas, inclusive uma inequecível apresentação dos “Concertos de Brandenburg” antes do Natal (fazem isso todo ano; vimos em 2015). Para quem gosta, é uma delícia. Músicos excelentes, na sua maioria jovens, muito entusiasmados. É contagiante. Para quem gosta de coisas mais tradicionais, grandes orquestras, há sempre o Carnegie Hall, na 57. 

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