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Maria Cristina Fernandes

 A turnê de Lula e a bola de cristal de Bannon

Maria Cristina Fernandes 

Valor Econômico, terça-feira, 13 de maio de 2025 


O ideólogo do trumpismo colocou Lula, Putin e Xi no mesmo balaio num momento em que o presidente brasileiro faz turnê por Rússia e China

 

Steve Bannon foi taxativo ao “Financial Times”: “Donald Trump vai se recandidatar e vai ganhar”. A capacidade preditiva do ideólogo do trumpismo escalou quando ele apostou, duas semanas antes do conclave, na escolha de Robert Prevost para papa. O recuo na guerra comercial só viria dois dias depois, mas Bannon, mesmo sem tratar dela, também pareceu premonitório.

A guerra comercial foi, até aqui, um dos fatores mais determinantes para que Trump tenha chegado aos 100 dias com a mais baixa popularidade dos últimos 80 anos. Não tende a ser visto internamente como o provocador de muito barulho por nada, mas como um presidente que, frente às evidências, foi capaz de recuar e devolver otimismo aos agentes econômicos.

Bannon colocou Xi Jiping, Vladimir Putin e Luiz Inácio Lula da Silva no mesmo balaio: “Xi, Lula e Putin são uma aliança ruim. Eles não se cruzam com Trump. Eles não vão ajudar com a Ucrânia. Eles vão fazer o que estiver no interesse deles”. Não é uma visão exclusiva de Bannon. A ideia de que o Brasil seja visto como parte dessa aliança foi o que levou conselheiros deste governo a sugerir que o país voasse baixo para aproveitar oportunidades sem cutucar a onça com a vara curta.

A delegação que veio ao Brasil para discutir com o Ministério da Justiça o enquadramento de facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho como terroristas é rugido de onça. O carimbo encurtaria caminho para sanções americanas.

Da segunda parte da turnê de Lula entre aliados que desgostam o ideólogo trumpista ainda não se tem o resultado final, visto que a assinatura de acordos acontecerá depois de reunião de Lula com Xi nesta terça. O encontro está sendo acompanhado por toda a imprensa mundial, particularmente a americana.

O “The New York Times” trouxe a declaração de um integrante da chancelaria chinesa sobre as pretensões de Trump junto na região: “O que os povos da América Latina e do Caribe estão buscando é independência e auto-determinação, não a chamada ‘nova doutrina Monroe’”.

O diplomata chinês não se limitou a definir o interesse chinês no encontro mas avançou sobre o que venha a ser o interesse região. Trata-se, porém, de um porta-voz indesejado. Junta-se a declarações da delegação brasileira de que a China, com os acordos desta terça, “vão rasgar o Brasil com estradas”. Compõe o pacote “cutucar a onça”.

Daquilo que foi anunciado nesta segunda, ainda não se identificam investimentos que venham a justificar o risco de tamanha exposição. Depois que, no fim de 2024, 163 operários chineses da BYD na Bahia foram resgatados em condições análogas à escravidão, os novos investimentos automotivos ainda terão que provar que se darão em outras bases. Também terá que se aguardar se o investimento em energia renovável não é desova da superprodução de equipamentos da China. Há um investimento do qual não se pode duvidar que venha a gerar empregos, o da empresa que vai chegar para competir como Ifood, ainda que não seja esse tipo de emprego que vai redimir a juventude nacional.

É a primeira parte da turnê, porém, que abre mais espaço para o carimbo que Bannon quer impor sobre o Brasil. O Palácio do Planalto busca envelopar a ida de Lula a Moscou como parte dos esforços do país pela paz na Ucrânia, a despeito de o presidente brasileiro ter assistido a uma parada em que Vladimir Putin exibiu, juntamente com tropas chinesas, todo seu poderio bélico. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, lá estava, mas o Itamaraty não soltou uma única nota sobre o encontro.

Na mensagem pública dirigida à delegação brasileira durante encontro no Kremlin, Putin não falou de Ucrânia. Na reunião, com 12 de cada lado, Lula incluiu, entre diplomatas e parlamentares, o CEO da Minerva. Valeu-se de explicação tão inusitada quanto a presença de um único empresário: “Temos na nossa delegação um proeminente empresário que se aproximou de mim no Brasil e perguntou: Você vai à Rússia? Gostaria de acompanhá-lo porque sou o principal exportador de carne para a Rússia. Tive o prazer de convidar o sr. Fernando Queiroz para se juntar à nossa delegação e gostaria de aproveitar esta oportunidade para apresentá-lo, presidente”.

É possível que, daqui a um mês, quando Lula for à França para mais um encontro com Macron, possa resgatar o discurso de que o investimento da diplomacia presidencial, na verdade, é pelo multilateralismo. Em seguida, porém, o Brasil sediará o encontro dos Brics, outro caroço de angu para a diplomacia americana.

A paz na Ucrânia ainda desafia Trump, mas o presidente americano embarca nesta terça para o Oriente Médio, onde pode vir a fechar um acordo que leve o Irã a recuar de seu programa nuclear. A hipótese, ainda incerta, de que venha a ser bem-sucedido, abre a possibilidade de um êxito que ecoaria na política doméstica e no mundo, a minimizar a hostilidade que tem despertado.

Bannon define o que está em curso como “a era Trump”, que ainda está muito longe de se acabar e terá pinceladas marcadamente populistas com mais deportação e enfrentamento de corporações. É esta era que a turnê de Lula parece desafiar. Resta a expectativa de que a bola de cristal de Bannon tenha se quebrado depois de Prevost.

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