ANÁLISE: As três falhas do BC no caso do Banco Master
Alex Ribeiro De São Paulo
A situação do Banco Master é perfeitamente administrável pelo Banco Central (BC), que tem experiência e ferramentas para lidar com dificuldades de instituições financeiras de médio porte. Mas o episódio expõe falhas nas áreas de regulação, supervisão e resolução.
Na regulação financeira, o Banco Central deixou esticar a corda num sistema de captação que cria os incentivos errados, permitindo o chamado risco moral - ou seja, que alguns ganhem uma renda extra às custas dos riscos assumidos por outros.
Nesse caso, os depositantes compravam, nas plataformas de investimento, CDBs — não só do Master, não há nenhum privilégio aqui — recebendo bem mais do que o CDI sem se preocupar com os riscos que o banco está assumindo com a aplicação desses recursos, porque essas captações são cobertas pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC).
Quem paga a conta é o sistema bancário como um todo, principalmente as grandes instituições de varejo, que fazem o grosso das contribuições ao FGC. Implicitamente, há a garantia também do Banco Central, que criou o FGC na crise bancária do Plano Real. Na origem, o BC encheu o pote por meio da liberação de compulsórios, a título de antecipação de contribuição — e fica essa lembrança em todos, por mais que o FGC tenha uma administração privada.
Quem descreve a situação de risco moral é o próprio Banco Central, na exposição de motivos da Resolução no 5.114, do Conselho Monetário Nacional (CMN), que procurou limitar, ao longo dos anos, o uso desse expediente pelas instituições financeiras.
Essa foi uma segunda tentativa do Banco Central de limitar a regra, e está sendo aplicada de forma paulatina. Uma anterior, feita em 2019, exigia depósitos de recursos para ampliar os custos dessas captações, e acabou não surtindo os efeitos desejados. Ou seja: há seis anos, pelo menos, os incentivos errados preocupavam a autoridade monetária.
O sistema de garantia do seguro depósito, que apoia os bancos menores, não é de todo ruim, porque permite o fortalecimento de concorrentes num mercado altamente concentrado. O abuso da fórmula, junto com outras regras que criam uma assimetria nas exigências regulatórias, é que dá problema. O BC percebeu, neste caso, mas foi muito lento para corrigir.
Isso nos leva à segunda falha do Banco Central: sua supervisão deveria ter identificado e agido antes que o problema se tornasse mais volumoso.
Não há sistema imune a dificuldades de instituições financeiras, e nenhum banco central é capaz de identificar todos os problemas. Mas esse episódio, de certa forma, expõe os problemas causados pelo desmonte da estrutura do Banco Central, com a aposentadoria e saída de funcionários, o que reduziu o quadro de pessoal da fiscalização.
Boa parte dessas dificuldades pode ser suprida com o uso de tecnologia para monitorar as instituições financeiras à distância. Mas não há sistema de supervisão que funcione sem botinas suficientes no campo de batalha.
Uma terceira questão está na resolução do problema, uma vez identificado. O Banco Master precisava de um comprador ou de um parceiro com fôlego para ajudá-lo a atravessar um momento difícil, criado pelo aperto da Selic. Nessas situações, o problema também é do regulador bancário.
Muito tem se falado que cabe à autoridade monetária aprovar ou não a operação agora que foi fechada, mas essa discussão evidentemente está incompleta. A obrigação do Banco Central é acompanhar e avaliar previamente toda a negociação, e só permitir o anúncio da solução se a equação estiver completamente fechada.
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, acaba de chegar ao cargo, e o problema está nas mãos dele - como Arminio Fraga, há mais de duas décadas, teve que lidar com o Marka e o FonteCindam, que vinham da gestão anterior.
Mas as reuniões de Galípolo com dirigentes do Banco Master e com compradores — BRB — ou potenciais compradores deixam a instituição financeira exposta. Nessas ocasiões, o regulador tem que se antecipar, ser discreto e ágil.
São varias falhas, mas, felizmente, nenhuma é fatal, porque não apareceu nenhuma evidência de risco sistêmico e, nessas situações, o Banco Central tem toda a expertise, poderes e ferramentas para atuar. Mas será preciso ter os mecanismos de contingência para problemas de maior dimensão que eventualmente venham a acontecer .
Uma das questões é calibrar regras que procuram ampliar a concorrência à custa de eventuais arbitragens regulatórias. Outra é fortalecer a estrutura financeira e de pessoal do Banco Central com a aprovação da sua autonomia administrativa. Um terceiro é criar um sistema de resolução de crises bancárias que dê conta de problemas realmente grandes — há um projeto em tramitação no Congresso, mas alguns críticos acham que algumas modificações podem atrapalhar, em vez de ajudar.
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