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" *A Terceira Guerra Mundial começou faz tempo
Por Leonardo Coutinho
06/03/2025
Por muito tempo, a possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial foi tratada como mera abstração geopolítica ou roteiro para filmes apocalípticos. Contudo, a invasão da Ucrânia pela Rússia, iniciada em fevereiro de 2022, revelou ao mundo que tal ameaça estava mais próxima e mais real do que jamais esteve desde o fim da Guerra Fria. Para muitos, ela ainda é uma ameaça - uma ameaça crescente.
Mas a Terceira Guerra Mundial já começou. E começou faz tempo. Não no sentido clássico de batalhas travadas em múltiplos continentes, mas como um conflito híbrido que envolve ameaças nucleares, guerras por procuração e uma complexa teia de alianças e antagonismos. Reconhecer essa realidade é o primeiro passo para evitar uma catástrofe de proporções inimagináveis.
Durante décadas, o ocidente viveu na ilusão reconfortante de que o colapso da União Soviética havia enterrado de vez a ameaça nuclear. A própria Ucrânia, recém-separada da URSS, concordou em desmontar seu arsenal nuclear, acreditando no “fim da história”. Tudo parecia concorrer para o desenvolvimento e a prosperidade.
Mas Vladimir Putin, movido por uma visão revisionista da história e pelo desejo de restaurar a influência perdida por Moscou, recolocou as armas nucleares no tabuleiro global e passou a ameaçar explicitamente seu uso, caso interesses russos fossem diretamente ameaçados.
Desde o início da agressão contra a Ucrânia, o ditador russo vem recorrendo repetidamente a uma retórica nuclear, lembrando ao ocidente a existência e disponibilidade das ogivas nucleares russas. Suas ameaças parecem ter um propósito duplo: intimidar e dividir a aliança ocidental, explorando o medo da destruição em massa como ferramenta diplomática, enquanto simultaneamente mantém aberta uma porta perigosa, que, uma vez atravessada, não teria retorno.
No entanto, nas últimas semanas, em meio às mudanças na postura dos Estados Unidos em relação à Ucrânia, o tema nuclear e o temor de uma guerra de proporções globais ganharam novas tintas. O presidente Donald Trump acusa o ucraniano Volodymyr Zelenski de estar “jogando com uma Terceira Guerra Mundial”.
Não dá para saber se Trump trata como uma “ameaça” de guerra global ou se ele afirma que a guerra já está instalada, considerando que há tempos o conflito ultrapassou as fronteiras ucranianas. A participação de Irã, Coreia do Norte e Belarus, com fornecimento de armas e munições a Moscou, transformou um conflito regional em algo muito próximo a uma guerra por procuração global.
Neste contexto explosivo, no rastro do abandono dos Estados Unidos ao esforço ocidental que vinha dando suporte aos ucranianos, a declaração do presidente francês Emmanuel Macron de que a França estaria disposta a utilizar seu arsenal nuclear para defender seus aliados, caso a existência destes fosse ameaçada, aumentou severamente a têmpera do conflito.
Macron reforçou que a linha vermelha para um conflito nuclear está cada vez mais próxima e menos teórica. Este pronunciamento, apesar de estratégico na lógica de dissuasão, adiciona combustível a um fogo já perigoso e instável, mostrando ao Kremlin que o Ocidente não está apenas atento, mas também pronto para subir a aposta se necessário.
A combinação desses elementos é alarmante. As primeiras ameaças nucleares partiram do próprio Putin, mas hoje já ecoam nas palavras de líderes ocidentais.
Não há dúvidas de que estamos diante da mais grave crise nuclear desde a crise dos mísseis de Cuba, em 1962
Contudo, desta vez, o cenário é mais complexo e menos previsível, com múltiplos atores envolvidos, cada um com objetivos distintos e, muitas vezes, contraditórios.
A guerra na Ucrânia tem várias outras frentes que complementam os conflitos pela nova repartição da influência no mundo. As tensões da China com seus vizinhos pelo controle territorial e dos oceanos, as reivindicações por Taiwan e “compra” da África são partes da mesma reorganização do mundo. O terrorismo bandoleiro dos huthis e o terror do Hamas que deu origem a uma guerra no Oriente Médio não podem ser tratados de fora do mesmo quadro.
Nicolás Maduro ameaçando de tempos em tempos uma guerra com a Guiana, e a presença cada vez mais frequente de navios de guerra da Rússia em Cuba e Venezuela, relembram que uma guerra no Caribe não será apenas entre os caribenhos.
O risco real de um conflito global em larga escala nunca foi tão alto desde o auge da Guerra Fria. Embora ainda haja espaço para a diplomacia, a margem de erro é perigosamente reduzida. Qualquer equívoco, qualquer ação mal calculada, pode empurrar o mundo para um abismo irreversível.
Diante disso, é fundamental que as democracias ocidentais compreendam rapidamente a extensão do perigo atual. O conflito na Ucrânia não é apenas uma guerra localizada, mas uma batalha decisiva pelo futuro da ordem internacional e pela estabilidade global. Negligenciar isso, subestimando as intenções e capacidade de Putin ou ignorando a fragilidade atual das alianças ocidentais, pode ser um erro de consequências devastadoras.
Se ainda não está claro para todos, é preciso dizer sem rodeios: a Terceira Guerra Mundial, infelizmente, já começou. Resta saber se ainda há tempo de interrompê-la antes que ela se torne absolutamente incontornável.
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