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Déficit gêmeos

 Leitura de Sábado: Debate sobre 'déficits gêmeos' no fiscal e em C/C no Brasil entra no radar


Por Giordanna Neves


Brasília, 07/03/2025 - Uma eventual relação entre déficit fiscal e déficit externo, conhecido na literatura econômica por "déficits gêmeos", entra no radar quando a deterioração fiscal de um País passa a ser acompanhada por déficits persistentes no saldo em transações correntes do balanço de pagamentos, levantando o debate sobre a interação entre política fiscal e balanço de pagamentos.


 Nos últimos anos, o Brasil tem registrado um alinhamento entre esses dois tipos de déficits. Diferentemente de alguns períodos anteriores, em que essas séries ora caminhavam juntas, ora se moviam de forma independente, ambas passaram a se deslocar na mesma direção desde 2014, levantando a discussão sobre a relação entre essas duas variáveis no País.


  


Fontes: Banco Central e Tesouro Nacional


A hipótese dos déficits gêmeos - que consiste na ideia de que o déficit público gera um déficit em transações correntes - ganhou destaque nos anos 1980, impulsionada pela experiência dos Estados Unidos sob o governo de Ronald Reagan. Desde então, emergiram diversos estudos científicos que buscaram compreender a relação entre essas variáveis, dado o histórico de fragilidades fiscais e externas.


Nos últimos anos, diversos pesquisadores tentaram entender se a hipótese poderia ser aplicada à realidade brasileira em diferentes momentos da história. Alguns resultados evidenciaram a existência de uma relação em que o déficit orçamentário refletia no déficit externo. Outros, por outro lado, revelaram uma relação de retroalimentação entre essas duas variáveis, indicando que tanto o déficit fiscal poderia influenciar o déficit externo quanto o contrário. Esse resultado foi encontrado, por exemplo, pelo pesquisador Faizul Islam, que analisou o período entre 1973 e 1991.


Os pesquisadores Sérgio Gadelha e Luciana Ikuno também mostraram que, de 1997 a 2012, houve uma relação de bi-causalidade entre déficit orçamentário e déficit externo no Brasil, sugerindo que a hipótese dos déficits gêmeos não se sustentava plenamente no contexto brasileiro para aqueles anos específicos.


Na prática, eles evidenciaram que reduzir o déficit público, por si só, não garantiria a diminuição do déficit em conta corrente, já que outros fatores também influenciam essa relação, como políticas cambiais, taxa de juros e fatores externos. O resultado foi corroborado pelos pesquisadores Túllio Souza e Cleomar Silva ao analisarem os anos de 1999 a 2013. Como há uma lacuna sobre o debate nos últimos 10 anos, seria importante a realização de novos estudos para validar ou não a hipótese de déficits gêmeos no período atual.


Há, pelo menos, duas abordagens na literatura econômica sobre os déficits gêmeos. A teoria de Mundell-Fleming diz que, em um regime de câmbio flexível, quando o governo aumenta seus gastos e amplia o déficit fiscal, a demanda da economia cresce e os juros sobem. Isso atrai mais capital estrangeiro para o país, aumentando a oferta de moeda estrangeira. Como consequência, a moeda nacional se valoriza, tornando as exportações menos competitivas e incentivando as importações. O resultado é um déficit maior nas contas externas.


Já a teoria keynesiana da absorção sugere que um aumento no déficit governamental provoca uma elevação na absorção doméstica e, portanto, na renda doméstica, o que estimula as importações e, eventualmente, provocará déficits na balança comercial e em conta corrente do balanço de pagamentos. Esse debate, no entanto, está longe de ser consensual. O economista Paul Krugman, por exemplo, discorda dessa visão ao argumentar que essa relação não é automática e depende de outros fatores.


De qualquer forma, a discussão surge em meio aos desafios fiscais persistentes e pressões externas que o Brasil enfrenta. Mais do que entender se um déficit causa o outro, o debate retoma ao ponto central sobre como equilibrar as contas públicas de forma sustentável. A presença de déficits públicos elevados pode influenciar negativamente a confiança dos agentes econômicos, especialmente em um ambiente onde as expectativas desempenham um papel crucial.


Afinal, a sustentabilidade das contas públicas depende, em grande parte, da credibilidade fiscal. Se houver confiança de que o País tomará medidas para reduzir esses déficits e gerar superávits primários de forma sustentável, o cenário pode sinalizar avanços e maior estabilidade econômica.


Contato: giordanna.neves@estadao.com


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