José Casado, VEJA
SOB SUSPEITA
José Casado, Revista Veja, edição 2929 de 31/01/2025
O Congresso começa o ano à sombra de um inquérito criminal sobre desvios de verbas federais manipuladas no chamado orçamento secreto. Estão sob suspeita meia centena de deputados federais e senadores, entre eles dezena e meia de líderes de partidos da direita, do centro e da esquerda na Câmara.
Essa impressão já predomina na sociedade, informa o World Justice Project (WJP), organização independente, com sedes em Washington, Cidade do México e Singapura, que pesquisa anualmente sobre a percepção do Estado de direito a partir de 214 000 entrevistas (1 000 no Brasil) com adultos que têm poder de voto em 142 países. A vulnerabilidade brasileira está retratada no relatório de 2024.
Uma das questões abordadas na sondagem mundial do WJP é sobre o uso dos cargos públicos no Legislativo para lucros ou benefícios privados. Pergunta-se sobre a atual legislatura, se os parlamentares se abstêm de solicitar ou aceitar subornos e outros “incentivos” em troca de favores políticos ou votos favoráveis sobre as leis aprovadas.
No julgamento dos eleitores brasileiros, o Congresso Nacional está dominado por interesses privados. No mapa-múndi da corrupção se destaca em 139º lugar entre instituições de 142 países. Só perde para as casas legislativas de El Salvador (na 140ª posição), Quênia (141ª) e Haiti (142ª) — três das nações mais pobres do planeta, em estágios de desenvolvimento diferentes e absolutamente incomparáveis ao do Brasil.
O Haiti é típico caso de Estado falido. Há 200 anos, Jean-Jacques Dessalines proclamou a independência, se autonomeou imperador vitalício e ordenou o extermínio de todos os brancos na ilha. A história haitiana é uma sucessão de guerras domésticas, entremeada por quatro dezenas de golpes de Estado, e prevalece a anarquia institucional nas últimas duas décadas, com máfias disputando o controle territorial do tráfico de drogas.
A imagem que os brasileiros fazem do seu Congresso, hoje, está bem próxima à dos haitianos sobre o próprio Legislativo, mostra a pesquisa do WJP. A semelhança é confirmada em outras sondagens, como a de dezembro do Ipespe, com 3 000 entrevistados em todas as regiões. Os resultados são eloquentes.
O Legislativo perdeu a credibilidade. Ampla maioria (78%) dos brasileiros diz não confiar nos deputados federais e senadores. É notável, observando-se o histórico de levantamentos do Ipespe, que essa maioria tenha se mantido estável na desconfiança sobre o Congresso eleito em 2018 e, em parte, reeleito em 2022 sob influência de verbas bilionárias extraídas do orçamento público. Isso aconteceu em duas vertentes: a das emendas parlamentares no orçamento secreto e a do fundo de financiamento eleitoral. Somaram cerca de 30 bilhões de reais em cada temporada eleitoral.
O manejo de verbas públicas sem transparência transformou o Congresso numa federação de empreendedores. Deputados e senadores passaram a dispor, na média, de fundos individuais de 40 milhões de reais por ano, receita equivalente à de uma empresa de porte médio com vendas mensais superiores a 3 milhões de reais. Isso é à parte do dinheiro público da manutenção dos gabinetes (acima de 200 000 mensais para cada parlamentar), do fundo partidário (cerca de 1 bilhão por ano) e do fundo eleitoral (5 bilhões de reais na última eleição).
O resultado é um sistema de partidocracia construído a partir de uma divisão de gestão monetária obscura. Deputados e senadores administram as verbas dos gabinetes e dos orçamentos, o legítimo e o secreto, basicamente repassadas às prefeituras. Controle e fiscalização são rarefeitos — impossível em alguns casos, por causa das transferências anônimas, como demonstram os inquéritos no STF.
Ao mesmo tempo, os presidentes dos 29 partidos operam, também, sem transparência efetiva, os fundos públicos destinados ao financiamento partidário e eleitoral.
Estabeleceu-se uma “deturpação do sistema republicano”, nas palavras do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Essa “degradação institucional”, na definição do juiz Flávio Dino, relator dos inquéritos criminais no STF, produziu um “ápice da balbúrdia” na administração do dinheiro dos impostos. Aparentemente, o Congresso alcançou o estágio da banalidade da corrupção.
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