Sobre dominância fiscal, OESP
A situação do Brasil em 2002 virou objeto de estudo de pesquisas científicas que queriam testar, por meio de modelos econômicos, casos em que a política fiscal, e não a política monetária, seria o instrumento certo para diminuir a inflação de um país. Se existe hoje um debate sobre se a economia brasileira está em um cenário de dominância fiscal ou monetária, a literatura econômica e a experiência histórica podem dar embasamento aos tomadores de decisão na condução de políticas econômicas. Esse tema ainda não é consensual no debate acadêmico, mas tem importantes implicações na economia de um país. Este ano, a discussão voltou à tona pelo mesmo motivo de 22 anos atrás: desancoragem das expectativas dos agentes acerca da condução da política econômica. A causa dessa desancoragem, no entanto, difere-se entre os períodos.
Em 2002, o País vivia uma crise de confiança externa por causa da incerteza em meio ao período eleitoral. Hoje, essa crise está relacionada à perda de credibilidade quanto à capacidade das regras fiscais coordenarem as expectativas dos agentes econômicos - dado que todas as regras criadas foram, posteriormente, contornadas e se tornaram ineficazes por colidirem com interesses políticos -, e à existência de uma elevada rigidez orçamentária das despesas obrigatórias, com indexação excessiva dos gastos, que também afeta a trajetória da relação dívida/PIB e pressiona a sustentação da regra fiscal.
Diversos estudos escritos por pesquisadores renomados - tais como Cássio Besarria, Jevuks Araújo, Marcelo Fialho, Marcelo Portugal, Sérgio Gadelha, José Angelo Divino, Thais Scaramuzzi, Marcelo Muinhos, Andreza Palma, Fabio Althaus, dentre outros - e publicados em revistas especializadas buscaram entender se o Brasil vivenciou um cenário de dominância fiscal no período pós-Plano Real.
Particularmente, em 2008, os pesquisadores Sérgio Gadelha e José Angelo Divino fizeram um estudo para verificar se havia dominância fiscal ou monetária no Brasil entre os anos 1995 a 2005. Os autores encontraram evidências de dominância monetária no período analisado, enquanto outros estudiosos chegaram a resultados opostos, com comprovação de dominância fiscal em 2002. Para construir o trabalho, no entanto, Gadelha e Divino citam diversas visões que abordam derivações dos conceitos de dominância fiscal, que têm levado especialistas a discutir se o Brasil caminha nessa direção atualmente.
O primeiro ponto de discussão está relacionado ao fato de que o governo não tem gerado superávit primário que possa estabilizar a relação dívida/PIB no médio prazo - que é justamente um dos conceitos do regime de "dominância fiscal" estabelecidos pelos economistas Thomas Sargent e Neil Wallace. Segundo eles, neste caso, "a autoridade monetária passiva perde o controle do nível de preços por ser forçada a gerar as receitas de senhoriagem necessárias à solvência do governo". O segundo ponto tem a ver com o conceito estabelecido pelo economista francês Olivier Blanchard em 2004, no qual a dominância fiscal ocorre quando um aumento nos juros em resposta à inflação acima da meta estipulada eleva o estoque da dívida pública (hoje boa parte atrelada à Selic), o que aumenta a probabilidade de "default" e os prêmios de riscos, levando à uma fuga de capitais externos e à depreciação do real - e, consequentemente, à mais inflação.
Neste caso, a política fiscal seria o instrumento mais eficaz para controlar o processo inflacionário. Blanchard elaborou um modelo estrutural em que a política monetária restritiva provoca dinâmicas explosivas da dívida pública sob um regime de metas de inflação. Ele buscou justamente na evidência empírica brasileira de 2002 a corroboração de seus argumentos. Depois, diversos outros estudos surgirampara verificar se a relação de dominância fiscal, com base no modelo do economista francês, foi comprovada em anos seguintes.
Algumas pesquisas testaram, por exemplo, o período de 2008 a 2017 e concluíram que não houve dominância fiscal nestes anos, já que a dívida pública não teve influência na trajetória das variáveis como a taxa de juros, câmbio e expectativas de inflação. O assunto é amplo e gera debate, mas o fato é que o Brasil de 2002 deixa lições para o "Brasil do futuro", especialmente no que tange a ancoragem das expectativas dos agentes econômicos. Vale lembrar que a falta de credibilidade do governo perante à sociedade foi um fator importante e decisivo para o fracasso dos planos econômicos da segunda metade da década de 1980 e início dos anos 1990 no País.
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