Boa discussão sobre o 6×1
A melhor explicação sobre a atraente "solução".
https://oglobo.globo.com/google/amp/opiniao/artigos/coluna/2024/11/pec-da-escala-de-trabalho-pode-gerar-efeito-oposto.ghtml
*PEC da escala de trabalho pode gerar efeito oposto*
_Proposta deixa informais de fora. Não dá para falar de políticas inclusivas que excluem metade da força de trabalho_
Gabriel Ulyssea - professor do University College London
A PEC que tenta acabar com a escala 6x1 gerou uma discussão sobre políticas de mercado de trabalho que há muito não se via no país. Isso é extremamente bem-vindo, pois nossos desafios são enormes: alta informalidade e rotatividade, baixa produtividade, desigualdades elevadas e persistentes.
A proposta reduz a jornada de trabalho de 44 para 36 horas, num esquema de quatro dias de trabalho com três de descanso, sem reduções salariais. De acordo com o texto da PEC, isso criará empregos, reduzirá desigualdades e gerará ganhos de produtividade. Além disso, o bem-estar dos trabalhadores aumentará, pois haverá mais tempo de lazer e com a família. É uma proposta nova, ambiciosa, que promete muitos benefícios.
O problema é que ela tem o potencial de gerar exatamente o efeito oposto aos desejados. A evidência de países ricos, como França e Portugal, não é encorajadora. Não há nenhuma evidência de que reduções na jornada de trabalho tenham tido impacto positivo sobre emprego nesses países. E o desafio no Brasil é muito maior. O emprego informal é grande mesmo dentro de empresas formais, e a maioria delas é muito pequena — 68% têm, no máximo, cinco trabalhadores.
A PEC implica aumento grande no custo do trabalho formal, de mais de 20%: uma empresa de cinco funcionários passaria a ter o equivalente a quatro trabalhadores pagando o custo de cinco. Essas empresas não têm capacidade de absorver o choque sem reduzir salários, demitir ou mesmo fechar.
As grandes empresas talvez possam absorver esse choque ou pressionarão o governo para que as compense por suas perdas; mas as pequenas não. De um jeito ou de outro, isso levaria a aumento da desigualdade, pois os trabalhadores de menor qualificação e renda estão desproporcionalmente concentrados em empresas pequenas.
A exigência de manter os salários em seus níveis pré-reforma também é problemática, de difícil implementação. Na prática, pode levar a aumento da rotatividade, pois as empresas terão incentivos para demitir seus trabalhadores e contratar novos funcionários por salários mais baixos. Os trabalhadores de alta qualificação têm maior poder de barganha e podem se defender melhor dessas perdas salariais, o que também resultaria em aumento da desigualdade.
Para os trabalhadores que recebem salário mínimo, não há sequer a possibilidade de redução de salário para manter o emprego. O efeito negativo sobre o emprego desse grupo poderá ser grande. Foi exatamente isso o que aconteceu na França na década de 1980, depois da redução da jornada de 40 para 39 horas semanais, com um aumento do salário mínimo de 5%.
Por fim, a PEC exclui os trabalhadores informais. Não dá para falar de políticas inclusivas que excluem metade da força de trabalho, justamente a metade mais vulnerável. Além de não contemplar esses trabalhadores, a proposta aumenta o custo do trabalho formal em relação ao informal, especialmente para aqueles que ganham em torno do salário mínimo. Isso torna mais difícil o acesso ao emprego formal exatamente para quem já enfrenta as maiores barreiras à formalização.
É urgente criar políticas que reduzam as enormes desigualdades no mercado de trabalho brasileiro, que aumentem o acesso ao emprego formal e o bem-estar dos trabalhadores. O emprego está cada vez mais concentrado nas cidades, o que vem acompanhado de tempos de deslocamento enormes, sob péssimas condições (transporte lotado, inseguro, poluição...), especialmente para as famílias de baixa renda.
É preciso, portanto, pensar em políticas de mercado de trabalho em conjunção com políticas urbanas de transporte, ambientais, de segurança e moradia. Há uma demanda grande por políticas que promovam emprego e inclusão social com qualidade de vida, mas nenhuma política sozinha fará isso. Não há bala de prata.
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