terça-feira, 27 de junho de 2017

Carta de Otto Lara Resende a Fernando Sabino

Nessa carta a Fernando Sabino -- que considero extraordinária --, Otto faz alusão à "questão de Minas", que vem a ser "as reações, por vezes passionais, provocadas por um artigo que Vinicius de Moraes publicou em 'O Jornal', do Rio de Janeiro, em 5 de novembro de 1944". O título do artigo: "Carta contra os escritores mineiros (Por muito amar)". Nele, Vinicius questionava: "Por que só olhais o mundo das janelas de vossas casas ou dos vossos escritórios?". "Por que economizais e para quê: para comprar o vosso túmulo?".
Belo Horizonte, 23 de dezembro de 1944
Nesta chatíssima questão de Minas*, você me coloca como sujeito tipicamente sem caráter, que não quer perder os partidos, que quer navegar nas duas margens. Você me pergunta por que escrevi ao Tristão**. Porque achei que devia e estou certo que devia mesmo, por nada mais. Estou burro para dizer o que quero, a mão está dura, mas continuo. Eu não vejo nenhuma atitude de subserviência na carta. Você aí vê demais, porque você quer me ver como você me imagina: aquele farrapo de fraquezas e conciliações, aquela miséria bem procedida que não quer ofender... Coitado do Otto! Um sujeito de certo talento, mas perdido, sufocado, abafado, emaranhado naquela falta de caráter, incapaz de atitudes claras e corajosas, como nós! Vós, os heróis, sim, vós sois os heróis. Olhe: não concordo com o que você disse do Tristão, acho besta e com ar de menino embirrado que quer se mostrar livre das exigências paternas... Desculpe se não concordo uma vez com você, vou dar um jeitinho para nos arranjarmos, não quero ofendê-lo, perdão, mil perdões. Que coisa, meu Deus! Meus parabéns pela sua superação genial. Você que era assim, está agora assim. Muito bem! É uma conquista, um progresso = e o progresso é natural... Você agora é o homem das atitudes claríssimas, só se compreende a você, só aceita a você mesmo, você é a verdade, ide a vós os transviados: que maravilha! Belo caminho aberto à incompreensão, à intolerância, ao narcisismo de bazar chinês... Me desculpe, eu é que estou com minha falta de caráter, sujamente querendo aceitar todo mundo, compreender todo mundo, abrir a todo mundo meus braços onde todo mundo cabe. É minha mania de ser humano, de querer compreender antes de julgar... Certamente sou ótima carne para vossas ferozes guilhotinas do mundo novo que virá e que se levantará sobre o sangue dos fracos e dos conciliadores. Pode passar, com sua banda de tambores argentinos, ruflando piruetas e clarins: eu entro pra casa meio desapontado, chupando o dedo feito menino bobo, de lágrima presa e coração esmagado. Fico à espera da vossa Gestapo que vai libertar o mundo dos inúteis. Adeus.
Carta e notas In: Resende, Otto Lara. "O rio é tão longe: cartas a Fernando Sabino". Introdução e notas de Humberto Werneck -- São Paulo: Companhia das Letras, 2011, pp. 22/24.

Em Curitiba...

sábado, 24 de junho de 2017

Nova ortodoxia??

Eu não gosto de rótulos. Isso é o anti-pensar, anti-inteligência. Existem coisas certas em uma linha de pensamento e em outra também. Uma das premissas de ser intelectual é estar sempre em dúvida, senão passa a ser religião, é fé. Nada mais inapropriado para a fé do que a teoria monetária. André Lara Resende

Juros, moeda e ortodoxia, por André Lara Resende...

O livro “Juros, moeda e ortodoxia. Teorias monetárias e controvérsias políticas”, da Companhia das Letras (selo Portfolio-Penguin), é uma coleção de ensaios sobre o tema, escrito por André Lara Resende. 

Diz ele sobre a política monetária atual, que esta é a nova ortodoxia. Baseada nas reuniões do Copom e na condução da taxa de juros de curto prazo, visando alcançar o centro do sistema de meta de inflação, diz Lara que este mecanismo de balizamento é limitado e tende a trazer mais custos sociais do q benefícios. 

Sou economista há 27 anos no mercado e fico lá com os meus botões refletindo. Concordo com ele qdo diz q o intelectual deve ser um iconoclasta, sempre questionador. Acho, no entanto, é que na Política Monetária o mais importante é atuar nas expectativas, na chamada ancoragem destas. 
Sempre sendo transparente e tentando antecipar movimentos, tudo fica mais fácil para o ganho de credibilidade dos mercados, da sociedade. 

Acho que a definição de regras estáveis de política monetária se torna essencial para esta ancoragem de expectativas sendo a taxa Selic apenas um "fio condutor". Não acho esta política ortodoxa. Na época, em meados de 1999, qdo anunciada, todos acharam extremamente moderna na sua implantação, depois da transição do regime semifixo do Gustavo Franco, ainda na "construção" da estabilização inflacionária, sob o égide do Plano Real.

 Só acho que a política monetária sozinha não se sustenta por muito tempo. Precisa da complementaridade de uma política fiscal também de ajuste, até para reforçar a confiança dos agentes. Sem isso, acaba se perdendo no meio do caminho...

O juiz Sergio Moro, da Operação Lava Jato, 24/06/2017, Demétrio Magnoli, FSP

O Reino do Terror terminou no 9 do Termidor, 27 de julho de 1794, dia da queda de Robespierre e do início da repressão contra os jacobinos. Treze meses depois, instalou-se a ditadura do Diretório, que abriu caminho ao 18 do Brumário, 9 de novembro de 1799, elevação de Napoleão Bonaparte a Primeiro Cônsul.
A Lava Jato perecerá, desgastada por uma reação termidoriana, se não for contido o espírito jacobino que anima uma parcela do Ministério Público. Deploravelmente, o STF hesita em mostrar o caminho da lei, abortando o embrião de um Terror policial e judiciário.
Até há pouco, o jacobinismo circunscrevia-se às esferas do discurso e de atos judiciais periféricos. O juiz Sergio Moro ordena conduções coercitivas abusivas, como notoriamente a de Lula, de olho em seus impactos na opinião pública.
Jovens procuradores bradam, em tons messiânicos, sobre a "falência do sistema político", embalados pela fantasia de que corporificam um Comitê de Salvação Pública. Nada disso, porém, atinge irreparavelmente as garantias constitucionais.
A operação Joesley assinala a ruptura. Ela expôs, certamente, as fétidas cavalariças de Temer e Aécio, mas ao preço de brutais violações legais. O Robespierre da história escreveu que "o Terror é nada mais que justiça imediata, severa, inflexível".
Janot, nosso Robespierre carnavalesco, subscreveu o enunciado ao associar-se com o corruptor geral da República numa trama politicamente motivada. Já o STF, ao validar o prêmio escandaloso concedido ao delator, desperdiçou a primeira oportunidade para dissociar a palavra "justiça" da palavra "Terror".
Dois fatos são indisputáveis: 1) Antes de delatar oficialmente, Joesley foi instruído por um procurador e um delegado da PF; 2) Como prêmio pela entrega das gravações, obteve imunidade judicial absoluta. Nas suas argumentações, os ministros do STF esconderam-se atrás do biombo dos sofismas para não enfrentar tais flagrantes ilegalidades.
Celso de Mello disse que Janot não poderia ser surpreendido por um "gesto desleal" do Judiciário –como se o STF devesse lealdade ao procurador-geral, não à Constituição. Roberto Barroso insistiu na tese demagógica de que a impugnação do acordo com Joesley abalaria todo o edifício de delações da Lava Jato –como se a solidez de uma curva dependesse do ponto fora da curva.
Prevaleceu o espírito de corpo: os juízes resolveram não desautorizar Fachin, assim como antes não desautorizaram Lewandowski, que jogou a Constituição pela janela para preservar os direitos políticos de Dilma. Nesse passo, em nome do mais estreito corporativismo, criam um precedente para novas operações jacobinas.
Logo mais, na decisão sobre o mandato de Aécio, o STF terá uma segunda oportunidade. A Constituição não admite a cassação judicial de mandatos parlamentares: só os eleitos podem cassar os eleitos. O princípio foi violado no caso de Eduardo Cunha, por meio da manobra da "suspensão" do mandato.
Na ocasião, Teori Zavascki, autor da sentença, justificou-a como uma "excepcionalidade", admitindo implicitamente que cometia uma ilegalidade. Fachin, que age como despachante de Janot, apoiou-se no precedente para determinar a suspensão do mandato de Aécio. Se, uma vez mais, o STF colocar o espírito de corpo acima da letra da lei, a exceção se converterá em norma, destruindo a independência dos Poderes.
Temer é uma desgraça e Aécio vale menos que a tinta desse texto, mas ambos não passam de notas de pé de página na nossa história. O jacobinismo, por outro lado, ameaça valores preciosos –e, inclusive, a própria Lava Jato. Os fins e os meios estão ligados por um fio inquebrável.
Procuradores e juízes devem implodir as máfias político-empresariais incrustadas no Estado brasileiro seguindo, escrupulosamente, as tábuas da lei. A alternativa é o Terror –e, depois, o Termidor.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Pois é...

Fernando Henrique Cardoso

“O que puder privatizar, privatiza, porque não tem outro jeito. Essa não é minha formação cultural, mas não tem mais jeito, ou você realmente aumenta a dose de privatização, ou você vai ter de novo um assalto ao Estado pelos setores políticos e corporativos."

quarta-feira, 21 de junho de 2017

MB Associados: Dúvida é se governo vai conseguir se reorganizar 2017-06-21 15:37:33.396 GMT. Por Ana Carolina Siedschlag

Votação na CCJ é risco grande para o governo
Temer, que precisa mostrar que ainda tem capacidade de passar
alguma reforma e sinalizar o que podemos esperar da Previdência,
disse Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, em
entrevista por telefone. Veja principais pontos:
* Governo precisa pensar num plano B, pensar no que dá para
fazer para que a reforma previdenciária passe de alguma maneira
* A essa altura, em junho, não há mais tempo hábil para pensar
numa grande reforma
** Mais provável é que votação da Previdência comece num momento
em que já estaremos olhando para o ano que vem, para as eleições
* "Talvez ainda não tenha caído a ficha do mercado", mas reforma
da Previdência só deve voltar a ser discutida de verdade em
2019, dependendo ainda de quem ganhar
* "Infelizmente, crise política continua maior que o cenário
econômico"
* IPCA-15 desta 6ª-feira deve vir a 3,46% a/a, reafirma
possibilidade de deflação para junho
* Poderia abrir espaço para BC mudar de posição, mas fica tudo
em relação ao noticiário político
* Ainda bem que o cenário externo continua positivo e deve
permanecer assim pelas próximas semanas
** Nada muito complicado para o Brasil vindo de fora
** "Era só o que faltava, ter algo ruim de fora no meio da crise
doméstica"
** Retomada de crescimento na Europa é boa, e até uma possível
saída do Trump da presidência seria positiva para o Brasil.

FERNANDO DANTAS: KAWALL EXPLICA POR QUE NÃO VÊ LENIÊNCIA NO MERCADO - 21/06

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, discorda dos analistas que veem excesso de complacência do mercado doméstico e internacional em relação ao Brasil. Por outro lado, Kawall vê riscos ao atual cenário, que se mantém relativamente benigno mesmo diante da dificílima situação econômica e da gravíssima crise política que atingem o Brasil.
Resumidamente, sua visão é de que os preços dos ativos brasileiros estão aproximadamente corretos enquanto aqueles riscos não se materializarem de forma mais contundente. Mas há que acompanhar de perto a possibilidade de que isto ocorra.
Em relação aos aspectos do cenário que justificam a reação moderada dos mercados à conjuntura brasileira, Kawall cita inicialmente o ambiente internacional favorável. Ele nota o bom crescimento das principais economias, os preços razoáveis das commodities e a inflação surpreendente baixa, que reduziu a ansiedade em relação a uma alta de juros mais intensa este ano.
O economista observa que, no início do ano, cogitava-se de uma rentabilidade dos títulos do Tesouro americano de dez anos que chegaria a 3%, ou até a 4% em algumas análises, com o suposto reinflacionamento da economia americana por Donald Trump. Hoje, a taxa dos "treasuries" de dez anos está em apenas 2,15% (quando esta coluna foi concluída).
Com a eclosão da crise política sentida nos mercados a partir de 18 de maio, o risco Brasil e o dólar subiram, mas não explosivamente. Kawall cita, como fatores positivos que contiveram uma reação mais drástica, o baixo déficit de transações correntes; os fluxos vigorosos de investimento direto; a perspectiva de reabertura do mercado de capitais para ofertas iniciais de ações (IPOs), o que inclusive é benéfico para a planejada venda de ativos pelo governo, como o IRB e leilões nos setores de petróleo e energia elétrica; e a grande redução do estoque de swaps cambiais, que deixa o BC em melhor posição para intervenções que mitiguem a volatilidade.
"Até onde eu apreendo, o apetite pelo Brasil continua favorável", ele diz.
Entretanto, para Kawall, o fator mais importante de sustentação dos ativos brasileiros é o cenário prospectivo de queda dos juros domésticos. Para ele, esta é uma grande diferença entre o momento atual e o pânico no segundo semestre de 2015. Naquela ocasião, a resistência da inflação ainda era um grande problema e, com a Selic subindo em julho para chegar ao pico recente de 14,25% e o câmbio disparando até ultrapassar R$ 4 na virada de 2015 para 2016, criou-se o temor da dominância fiscal e de que o arcabouço macroeconômico fosse pelos ares.
Agora, como nota o economista do Safra, a inflação está desabando com força e a discussão é sobre o quanto a Selic vai cair - mesmo que não chegue aos níveis projetados antes de 18 de maio, com certeza a taxa básica mantém-se em vigorosa trajetória de queda.
O economista chama a atenção para uma comparação impressionante: com a prevista deflação em junho, o IPCA no primeiro semestre de 2017 pode ficar igual ou inferior ao indicador de apenas janeiro de 2016, que foi de 1,27%. Aliás, pelo outro lado, Kawall está muito pouco entusiasmado quanto ao vigor da prevista retomada da economia até o fim do ano.
Em termos políticos, ele considera que o governo Temer provavelmente perdeu a capacidade de aprovar medidas no Congresso por maiorias de três quintos, como as emendas constitucionais, o que significa que a reforma da Previdência não deve passar, nem em versão mais branda, na sua avaliação.
Porém, para o analista, o governo retém a capacidade de comandar vitórias por maioria simples no Congresso, o que inclui uma pauta relevante de Medidas Provisórias e é decisivo para mudanças importantes como as reonerações tributárias e a criação da TLP.
"Não vejo a paralisia política total do final do governo de Dilma, em que havia inclusive a pauta bomba e aberta hostilidade do Congresso ao Executivo", avalia Kawall. Para ele, "a reforma da Previdência de fato virou um sonho de uma noite de verão, mas isto não significa que o governo e o Congresso não estejam mais trabalhando - eu entendo que a agenda que está dentro do guarda-chuva da maioria simples vai avançar".
Equipe econômica
É quando menciona a equipe econômica de alta qualidade do governo Temer, a seu ver o grande trunfo que ancora e potencializa muitos dos aspectos positivos do cenário atual, que o economista do Safra revela também o seu maior temor quanto a uma possível deterioração.
O risco seria de que, no afã de atender a grupos de pressão para se sustentar no poder, o presidente em algum momento rompesse de forma mais cabal o seu compromisso com a austeridade e fizesse concessões em demasia. Essa possibilidade poderia criar uma situação insustentável para a atual equipe econômica, que poderia resultar numa debandada parcial ou total na hora em que, nas palavras do economista, "o contrato com a equipe econômica seja rompido, no sentido de que eles entraram lá para fazer alguma coisa que já não é mais possível fazer".
Kawall vê a saída de Maria Silvia Bastos Marques do BNDES como uma manifestação pontual desse risco, mas que ainda não significa uma ruptura. Ele enxerga com grande preocupação as pressões de lobbies empresariais sobre o BNDES, e vê como importante a permanência em seus atuais postos de membros da diretoria trazidos por Maria Silvia.
Da mesma forma, pressões contra a agenda de reoneração e de criação da TLP devem ser acompanhadas com lupa, diz o economista do Safra, para se avaliar até que ponto "os fiadores de toda a aparente tranquilidade que temos (isto é, a equipe econômica) terão condições de continuar a fazer o seu trabalho e permanecer no governo".
Se essa continuidade for possível, Kawall vê medidas importantes da agenda por maioria simples sendo aprovada nos próximos três a quatro meses. A partir daí, entra-se na dinâmica da eleição de 2018, e o humor do mercado e as condições da economia dependerão das chances eleitorais de candidatos que sinalizem a manutenção da agenda reformista - Kawall acredita que este é um cenário possível.
Assim, ele não vê hoje "leniência" do mercado em relação ao Brasil, mas sim uma atitude relativamente serena e cautelosa diante de riscos reais, mas que ainda não se tornaram realidades.
"Se um ou mais desses pilares que eu mencionei desabarem, aí sim nós poderíamos viver de novo um cenário mais parecido com aquele de 2015", conclui o economista.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast

O Tempo – 21/06/2017 Por Murillo de Aragão

O afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff uniu as elites. Grande mídia, alto empresariado, mercado, sistema financeiro, entidades empresariais etc. apoiaram ampla e rapidamente o processo de impeachment da petista. Até mesmo centrais sindicais de trabalhadores, como a Força Sindical e a UGT, se manifestaram a favor da saída da ex-presidente.
Com Michel Temer, a situação é diferente. Existe um racha nas elites e até mesmo na base política que sustenta o governo no Congresso. Na grande mídia, “O Globo” e “Veja” assumiram uma postura claramente pró-renúncia ou pró-impeachment de Michel Temer. A “Folha de S.Paulo”, ainda que tenda à defesa da saída do presidente, adota postura mais institucional. “O Estado de S.Paulo” demonstra cautela maior e questionou fortemente as denúncias de Joesley Batista à Procuradoria Geral da República.
Entre as redes de televisão, enquanto a cobertura jornalística da TV Globo empreende uma demolição diária da imagem do presidente da República, as demais adotam postura não belicosa e mais institucional. Algumas estão a seu lado e torcem para que consiga superar a crise.
Na base governista, a maioria dos partidos ainda apoia Michel Temer, enquanto o PSDB se debate no dilema de respaldar o governo do presidente até o final, apresentando como argumento a defesa do programa de reformas. Entre os partidos mais relevantes, apenas o PPS deixou a base governista. Mas o efeito prático é quase nenhum.
No mercado, a presença de Temer ainda é bem vista a partir da esperança de que ele consiga prosseguir com sua agenda voltada para o equilíbrio fiscal. Em especial, a reforma trabalhista e “alguma” reforma previdenciária. No sistema financeiro, a visão é que, se as coisas não estão bem com Temer, podem ficar pior sem ele. A imprensa financeira mundial pensa assim e trata o caso de forma mais ou menos olímpica.
O mundo cultural, ainda que sem apoio popular e sem emoção, embarcou no movimento “Fora, Temer”, slogan que anima eventos de esquerda. Hoje, limitado aos artistas de sempre e a alguns viúvos do naufragado sonho “lulopetista”, continua sendo periférico à sociedade e limitado às colunas de costumes da imprensa.
Apesar da elevada desaprovação e da confusão causada pelas denúncias do empresário Joesley Batista, quase um mês após o ocorrido não há mobilização popular contra o presidente. Ele continua a se aproveitar de uma espécie de desaprovação desinteressada e desmobilizada. O que pode ser parcialmente explicado pelo racha das elites.
A melhora discreta do ambiente econômico e o controle dos juros e da inflação também contribuem para desarmar os espíritos contra o presidente. Se a recessão prosseguisse aguda, a insatisfação poderia ser mobilizada a partir do episódio da JBS.
Há outro fator muito importante que domina o horizonte econômico com muita força. A exemplo do que aconteceu com as empreiteiras, especula-se a respeito da desarticulação das atividades da JBS, à qual faltariam recursos para se manter na atividade exuberante que ostentou no passado recente. Os parceiros deixaram de acreditar na capacidade de pagamento de gado no prazo clássico de 48 horas que prevalece no mercado.
Os irmãos Batista estariam próximos da exclusão do negócio que até há pouco tempo comandavam no planeta. Estão deixando aos poucos as páginas de economia da mídia e se transformando num caso judicial internacional interminável.

Sem sair da cadeia em Curitiba, Eduardo Cunha deixou em frangalhos as fantasias criadas pelo dono da JBS para livrar do castigo o ex-presidente

Por Augusto Nunes
21 jun 2017, 14h19 - Publicado em 21 jun 2017, 14h18
(Montagem/Reprodução)
Ao resumir numa carta manuscrita o encontro com Lula na casa de Joesley Batista, ocorrido em 26 de março de 2016, e revelar que o trio se reuniu para confabular sobre o impeachment de Dilma Rousseff, o prisioneiro Eduardo Cunha desferiu um golpe de caneta que deixou grogue um esquartejador da verdade e levou novamente às cordas a alma viva mais cínica do Brasil. No fim de semana, na entrevista a Diego Escosteguy, Joesley repetira que só viu Lula a um metro de distância duas vezes ─ em 2006 e 2013, quando se limitaram a trocar ideias exemplarmente republicanas. Nesta segunda-feira, foi obrigado pelo ex-presidente da Câmara a confessar que esteve com o chefão “em outras ocasiões” ─ certamente para tratar de negócios nada republicanos.
É o começo do fim da farsa encenada pelo açougueiro predileto de Lula e do BNDES. É o que faltava para o sepultamento da meia delação premiadíssima. Ou Janot rasga a fantasia e admite que não pretende investigar a organização criminosa que patrocinou a entrada de Joesley no clube dos bilionários ou reduz a farrapos as fantasias do dono da JBS com a convocação para uma nova série de depoimentos. É hora de forçá-lo a abrir o bico sobre o bando que, nas palavras do próprio depoente, institucionalizou a corrupção no país. Se insistir em vender Lula e seus comparsas como exemplos de honradez, estará implorando pela pronta interdição do direito de ir e vir.
No texto escrito de próprio punho na cadeia em Curitiba, Cunha tornou a exibir a vocação para arquivista. “Ele fala que só encontrou o ex-presidente Lula por duas vezes, em 2006 e 2013”, lembra o signatário. “Mentira. Ele apenas se esqueceu que promoveu (sic) um encontro que durou horas, no dia 26 de março de 2016, Sábado de Aleluia, na sua residência na rua França, 553, em São Paulo, entre eu, ele e Lula, a pedido do Lula, a fim de discutir o processo de impeachment, ocorrido em 17 de abril, onde pude constatar a relação entre eles e os constantes encontros que eles mantinham”.
A profusão de minúcias deixa claro qual dos dois está mentindo. Para facilitar o trabalho de jornalistas e policiais incumbidos de checar as informações contidas na carta, o ex-deputado oferece meia dúzia de testemunhas. Que tal ouvir os seguranças da Câmara que o escoltaram na incursão por São Paulo? Que tal uma visita à locadora do veículo usado por Cunha para deslocar-se pela capital paulista? O Brasil decente torce para que seja longa e reveladora a briga de foice entre integrantes de duas organizações criminosas ─ ORCRINS, prefere Joesley ─ que roubaram em perfeita harmonia até o divórcio consumado pelo despejo de Dilma Rousseff.
Tomara que todos os bandidos contem tudo o que sabem uns dos outros. E que o bate-boca continue nas cadeias onde estarão alojados os corruptos, hoje desavindos, que a partir de 2003 produziram juntos a maior sequência de assaltos aos cofres do Brasil registrada desde o Descobrimento.

Editorial do Estadão (17/02)

LULA PROMETE O ATRASO: A razia bolsonarista demanda a eleição de um presidente disposto a trabalhar dobrado na reconstrução do País. A bem d...